sexta-feira, 10 de agosto de 2007

GRANDES HIDRELÉTRICAS E AMAZÔNIA

Kenzo Jucá

Prezado Altino Machado,

Parabéns pelo trabalho e blog, referência sobre Amazônia.

Como profissional da sócio-economia ambiental e aluno de pós-gradução da UNB, tenho estudado as problemáticas em torno das hidrelétricas na Amazônia, especialmente aquelas em implantação, como Santo Antônio e Jirau.

Após desenvolver estudo sobre o mito Tucuruí, impactos a jusante e política de compensação socioambiental do setor elétrico brasileiro, tenho me incomodado bastante com o (quase) silêncio que vem possibilitando uma inevitável situação trágica. Falo dos impactos na bacia e rios afluentes a montante e a jusante (aí o grande risco) de Santo Antônio e Jirau, que muito provalvelmente afetarão o Acre.

O rio Acre vem apresentando comportamento hídrico preocupante e os impactos a jusante das usinas, nesse caso considerando a redução da área alagada, demonstram que ser maiores que os da região a montante. A seca sazonal do rio Acre pode se tornar permanente com o efeito de Santo Antônio e Jirau a jusante - pelas características da obra, são várias jusantes destas usinas, muitas delas chegam ao Acre, ou seja, o impacto chega ao Acre. E é como se houvesse um combinado no poder público e setores da sociedade: não se fala disso, não dos impactos no Acre.

Temo que isto exista, pois os impactos das duas usinas em Rondônia já foram o bastante para quase inviabilizar os empreendimentos - capitais para o Brasil e que o Governo Federal está implantando com mesmos métodos de planejamento e gestão adotados pelo setor elétrico desde a década de 1970. Diante deste cruzamento de emergências, me parece que o Acre só tem a perder e pouco a ganhar com as usinas do Madeira.

O EIA-RIMA, as ponderações do Ministério Público do Estado de Rondônia e as exigências do Ministério do Meio Ambienbte e Ibama, não consideram efetivamente o impacto e os efeitos sócio-econômicos dos empreendimentos, que vão gerar outros na Bolívia. Apesar de adotarem variáveis sócio-econômicas como deslocamento de populações para as obras e impactos sobre infra-estrutura urbana e social dos municípios diretamente atingidos, tais estudos em foco restrigem a análise ao critério de delimitação territorial de área afetada, que considera preponderantemente fatores físico-territoriais em detrimento de fatores sócio-econômicos e é uma das primeiras etapas do processo de licenciamento ambiental, que Santo Antônio e Jirau venceram há tempos - quer dizer, excluíram o Acre há tempos.

Acontece desta forma, porque a regulamentação do setor (Eletrobrás) sobre populações e territórios atingidos por barragens, fundamenta-se no "conceito hídrico", ou seja, restringe-se à área alagada ou sujeita à variação liminológica causada diretamente pela barragem. No início de 2003, a Eletrobrás começou a reformular este conceito, através de debates com a sociedade. Entretanto, a reformulação foi suspensa com a saída do então presidente da estatal, o intelectual Luís Pinguelli Rosa, para a entrada do engenheiro Silas Rondeau em seu lugar, que deixou a presidência da Eletronorte para tal, posteriormente chegou a ministro de Minas e Energia e depois saiu dele este ano por causa... Bom, essa parte todos sabem.

Acredito que posições que se contraponham intransigentemente à construção de barragens não são as mais adequadas diante do quadro nacional e da própria realidade energética e ambiental. Todavia, a mesma capacidade pública que o Estado tem em construir grandes obras como Tucuruí, Belo Monte, Santo Antônio e Jirau, deve ter para garantir uma política pública eficiente, que faça o empreendimento e o Estado nacional asumirem as consequencias reais das alterações provocadas por tais obras - jamais negá-los ou ignorá-los, como tem sido a infeliz prática no Brasil.

Os impactos que o Acre sofrerá com Santo Antônio e Jirau, guardam certa semelhança dêndrica com os impactos sofridos pela região a jusante de Tucuruí, um sofrimento silencioso, não reconhecido, por anos a fio, como que um povo mergulhado em uma dor invisível e aguda, não reconhecida. Temo ser o Acre dos anos 2010 o baixo Tocantins dos anos 1970.

Desculpa enviar te tais aflições - faço isso por entender que são aflições do povo amazônico, ao qual pertenço e o qual vejo em ti; e por sentir que o Brasil pode nos estar preparando novas e profundas dores, como outras que nos impuseram historicamente.

Um abraço.

Kenzo Jucá é sociólogo, pós-graduando em Desenvolvimento Sustentável e Direito Ambiental pela Universidade de Brasília (CDS-UNB). Reproduzo a seguir o resumo do estudo de autoria dele "Grandes Hidrelétricas Ante Sustentabilidade e Participação Social na Amazônia - A região a jusante da UHE Tucuruí e o caso PPDJUS no baixo Tocantins":

"A hidrelétrica Tucuruí no Pará é um grande projeto do período desenvolvimentista brasileiro e significou contundente consecução da ocupação exploratória na Amazônia. Implantada em região florestal de várzea e habitada originalmente por populações ribeirinhas tradicionais, a usina gerou uma série de impactos sócio-ambientais negativos. Populações atingidas reivindicam políticas compensatórias desde a década de 1970. As
licenças ambientais do empreendimento recomendam investimentos compensatórios (R$ 360 milhões) em doze municípios de duas micro-regiões afetadas: montante e jusante. O cumprimento do licenciamento ambiental a jusante de Tucuruí, a partir de 2003, é o primeiro reconhecimento de impactos causados em regiões a jusante de hidrelétricas pelo setor elétrico brasileiro. A ação estimulou Poder Público e Sociedade Civil a elaborar em conjunto um plano de desenvolvimento regional (denominado Plano Popular de Desenvolvimento Sustentável da Região a Jusante da Usina Hidrelétrica Tucuruí - PPDJUS) e um modelo de planejamento e gestão participativa, instituindo conselhos populares e câmaras técnicas para promoção de pactos entre os diversos atores sociais. É protagonizado por entidades de movimentos sociais como MAB, organizações de pequenos produtores como FETAGRI e instituições de ensino e pesquisa como UFPA e Museu Emilio Goeldi, além da Eletronorte e outros órgãos públicos como BASA e IBAMA. O modelo de gestão participativa se chocou com os modelos tradicionalistas de gestão ambiental e interlocução institucional do setor elétrico nacional. A estatal Eletronorte diminuiu a intensidade de financiamento ao plano e enfraqueceu sua interlocução com os conselhos e com a região - apesar de inicialmente ter impulsionado o processo e da exigência do licenciamento ambiental. Contudo, em 2007 a experiência PPDJUS demonstra se consolidar político-institucionalmente como referência para o planejamento público na região, atraindo novos parceiros e programas governamentais estruturantes do MDA, MMA e Governo do Estado do Pará".

3 comentários:

Anônimo disse...

Lia o texto do Kenzo Jucá, pensava cá com os meus botões que o anunciado por ele é bem provável, mas dado que o mundo é regido pela incerteza e não pela precaução, eu me perguntava: a saída, onde está a saída?

E é o próprio autor, com muita propriedade, quem afirma:

"Acredito que posições que se contraponham intransigentemente à construção de barragens não são as mais adequadas diante do quadro nacional e da própria realidade energética e ambiental. Todavia, a mesma capacidade pública que o Estado tem em construir grandes obras como Tucuruí, Belo Monte, Santo Antônio e Jirau, deve ter para garantir uma política pública eficiente, que faça o empreendimento e o Estado nacional asumirem as consequencias reais das alterações provocadas por tais obras - jamais negá-los ou ignorá-los, como tem sido a infeliz prática no Brasil."

É isso aí. Assim se constrói uma alternativa socioambiental realista, com gestão participativa.

Anônimo disse...

Altino:



O Kenzo Jucá é um sociólogo que conheci ainda nos “cueiros”. É filho do jornalista e economista Ernani Marinho e da nutricionista Maria Emília Jucá, meus amigos de longas datas. São todos amapaenses que vivem em Belém, no Pará. O Kenzo tornou-se um militante de esquerda filiado ao PT. É um jovem talentoso, em quem vale a pena apostar. A advertência sobre as barragens que ele faz em seu blog, a nós acreanos, é muito séria e precisa ser discutida por aqui.



Elson Martins

Anônimo disse...

Oi, Elson!! Quanto tempo. Notícias suas são sempre boas...

Meu pai ficou me ligando à época: olha o Elson, vai aparecer na Globo...e mamãe dizia: que bom, ele sabe de tudo isso aí... Se referiam à minissérie, que sei q vc ajudou a melhorar, a tentar aproximá-la de nós, nossa realidade. Sabes tudo aquilo e muito mais sobre Amazônia... um dos primeiros a saber. Obrigado pelas palavras, Elson. Estou morando em Brasília, se vier não esqueça.

Os impactos das usinas são muito perigosos, o Acre precisa acordar para isso. O relatório sócio-ambiental do consórcio para delimitação de área atingida, por exemplo, poderia ser revisto numa boa... O Brasil não ficaria mais ou menos pobre e o Acre faria o Brasil mais rico se recebesse compensação sócio-ambiental do setor elétrico... afinal são obras estratégicas...e falamos de Amazônia.

Grande abraço,

Kenzo.