quarta-feira, 8 de agosto de 2007

DIREITOS NOCAUTEADOS

Editorial da Folha de S. Paulo

"A Constituição brasileira arrola entre seus princípios fundamentais a concessão de asilo político (art. 4º, X). É essa norma fundadora que o governo brasileiro violou ao deportar os boxeadores cubanos Guillermo Rigondeaux e Erislandy Lara para a ilha de Fidel.

Existe a possibilidade teórica de que tudo não tenha passado de uma operação rotineira de repatriamento. Esse seria o caso se os atletas cubanos de fato desejavam voltar para seu país, como alegam as autoridades brasileiras. As circunstâncias da deportação, entretanto, fazem dessa hipótese uma espécie de conto da carochinha.

Impressiona, em primeiro lugar, o açodamento da operação. Depois de desertar da delegação cubana no meio dos Jogos Pan-Americanos, os pugilistas foram detidos na sexta-feira no litoral do Rio de Janeiro por estar sem documentos. Foram mantidos incomunicáveis e, no domingo, já se encontravam em Havana, aonde chegaram num vôo especialmente fretado. Logo foram enfiados numa "casa de visita", eufemismo da ditadura cubana para prisão.

O mínimo que se esperava do Ministério da Justiça e do Itamaraty é que honrassem a tradição brasileira de concessão de abrigo a perseguidos políticos e dessem aos pugilistas o tempo e a oportunidade para decidir livremente se queriam retornar à ilha ou requerer o asilo. Isso exigiria colocá-los em contato com representantes de instituições independentes, como a Comissão de Justiça e Paz da CNBB, a OAB, o Ministério Público ou a própria ONU, que poderiam apresentar-lhes alternativas e prestar esclarecimentos. Se tais entrevistas tivessem ocorrido, ao menos não haveria dúvidas quanto à real disposição dos atletas de voltar.

Embora alguns baluartes do governo Luiz Inácio Lula da Silva descrevam Cuba como uma "democracia popular", trata-se de uma ditadura. É altamente provável que autoridades cubanas tenham feito ameaças a familiares dos boxeadores para convencê-los a retornar, expediente clássico usado desde sempre por Estados autoritários.

Sejam quais forem os desígnios e as maquinações por trás desse caso, é fato inconteste que o governo Lula errou. Na hipótese benigna, falhou ao imprimir à deportação velocidade olímpica, permitindo que se levantassem dúvidas quanto às reais intenções dos atletas. A outra possibilidade, mais verossímil, é escandalosa: a administração petista colocou o aparato policial do Estado brasileiro a serviço de uma ditadura estrangeira.

Como resultado da ação estabanada, para não dizer servil, do governo brasileiro, dois seres humanos estão à mercê da vingança do regime de Fidel Castro".

2 comentários:

Anônimo disse...

Não é que o governo petista resolveu explicar o imbróglio com os boxeadores cubanos?! E a emenda ficou pior que o soneto. A estória ainda mais enrolada e inverossímil. Segundo nota do Ministério da Justiça, os boxeadores cubanos Guillermo Rigondeaux Ortiz e Erislandy Lara Zantaya queriam voltar a seu país e teriam manifestado tal intenção já no primeiro depoimento à PF, na quinta. Com rapidez espantosa eles já foram despachados para Cuba no sábado. Enquanto isso, o Ministério Público tinha determinado que se investigasse o caso e que os cubanos permanecessem no Brasil até a apuração cabal de tudo.

Segundo a versão do governo petista, os cubanos saíram da Vila Olímpica para fazer compras e foram abordados por dois empresários inescrupulosos (mais um pouco e o governo petista acrescentará que os empresários pertencem ao movimento “Cansei”, aquele dos golpistas neoliberais, e os empresários foram vistos em passeata vaiando o Nosso Guia e Pai dos Pobres). Um dos empresários teria convencido os cubanos a ir até seu apartamento, onde os dopou (ô gente malvada!, mas a direita, a gente sabe, não tem alma mesmo). Depois, foram largados na praia, onde teriam pedido a um pescador que chamasse a polícia (tivessem sido abandonados aqui no Acre, teria sido num seringal e achados por um seringueiro entregue às folias sustentáveis do látex da florestania). Como observou o jornalista Reinaldo Azevedo, “o roteiro é digno de Glória Magadan, a cubana exilada que foi uma das pioneiras da telenovela no Brasil. A história chega mesmo a ser um tanto ridícula.”

No depoimento prestado à PF, quando teriam negado querer asilo, os dois teriam pronunciado frases altissonantes para a posteridade, que ficariam excelentes para ilustrar filmes sobre a Guerra Fria, década de 50: “Desejo mil vezes, estou louco para voltar”, teria declarado Rigondeaux. “Amo meu país e meus familiares” — seria a fala de Erislandy. Sendo assim, por que os dois cubanos foram mantidos incomunicáveis? Por que se procurou embarcá-los de volta a Cuba de forma quase clandestina? Mas isso o governo petista não responde.

Anônimo disse...

Sabe o que chama a atenção neste editorial da FSP? Ao governo não se concede, pelo menos, o benefício da dúvida. Errou e ponto! Extraditou e ponto!