quinta-feira, 5 de julho de 2007

ENNIO CANDOTTI

“Ou muda ou não teremos
uma nação sem a Amazônia”




A Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) realiza na próxima semana, em Belém (PA), a 59ª Reunião Anual, tendo como tema “Amazônia: desafio nacional”. Passados vinte e cinco anos da primeira reunião da SBPC na cidade, os cientistas brasileiros afirmam que a Amazônia ainda aguarda uma resposta para duas perguntas que foram então formuladas: existe um projeto de nação que a inclua? Seríamos uma nação sem a Amazônia?

Em entrevista ao site Amazônia, o presidente da SBPC, Ennio Candotti, disse que as análises da região eram muito semelhantes às de hoje, apenas com a diferença de que muitas das recomendações não foram levadas em consideração. Segundo Candotti, os conflitos sociais se agravaram, os desastres ambientais que estavam sendo sinalizados se concretizaram, o arco do desmatamento avançou e o país foi incapaz de substituir a madeira pelos produtos naturais produzidos pelas árvores.


Na avaliação do presidente da SBPC, a situação das instituições de pesquisa da Amazônia também se agravou. Ele disse que o Museu Goeldi e o Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa) recebem um quinto do que recebe o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais ou a Comissão de Energia Nuclear.


Como o homenageado especial da Reunião Anual será o jornalista paraense Lúcio Flávio Pinto, Candotti aproveitou para criticar duramente o monopólio dos meios de comunicação na Amazônia, que ele considera “controlados por interesses que não podem ser identificados com os interesses da sociedade”.


"Lúcio Flávio Pinto é alvo de 14 processos movidos contra ele por denunciar, divulgar e revoltar-se contra a manipulação, os abusos do poder econômico, os empresários que mal justificam os documentos de posse das terras que exploram ou os meios de comunicação que monopolizam a informação e a divulgação, trabalhando a favor da ignorância", afirma.


Leia a entrevista a seguir:


Qual a sua expectativa em relação à reunião, que acontece 25 anos após a primeira realizada em Belém?

A reunião anual foi preparada há quatro anos através de reuniões regionais. A nossa expectativa é apresentar propostas, análises, diagnósticos e denúncias que justificam colocar a questão amazônica, com sua diversidade social, cultural, econômica, científica e tecnológica, na pauta política das ações de governo. Hoje a Amazônia ocupa as sinceras preocupações de ministros e presidentes, mas não ocupa de fato uma posição prioritária nas ações de governo. Há 25 anos, realizamos a reunião anual em Belém. As análises da região eram muito semelhantes às de hoje, com a diferença apenas de que muitas das recomendações não foram levadas em consideração. Os desastres ambientais que estavam sendo sinalizados naquela época se concretizaram. O “arco do desmatamento” avançou, não fomos capazes de substituir a madeira pelos produtos naturais produzidos pelas árvores e os conflitos sociais se agravaram.

Nesse sentido, qual a situação dos institutos de pesquisas da Amazônia?
A situação deles se agravou também, pois continuam na lanterninha. Eles continuam a receber a proporção de recursos semelhante à de 25 anos atrás. Juntos, o Museu Goeldi e o Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia, por exemplo, recebem um quinto ou menos do que recebe o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais ou a Comissão de Energia Nuclear. Não fomos capazes de criar um equivalente ao Inpe e ao programa espacial brasileiro, para as questões da Amazônia.

E a presença de pesquisadores brasileiros na região ainda é insignificante.
O número hoje é semelhante, em termos relativos, ao de 25 anos atrás. Naquela época, eram 5% dos nacionais e hoje continua sendo.

O sr. vislumbra a possibilidade de que essa realidade possa mudar para melhor?

Não se trata de possibilidade, mas de necessidade. Ou muda ou não teremos uma nação sem a Amazônia. Alguém pode imaginar uma nação brasileira sem a Amazônia? Você consegue imaginar uma nação que não consiga equacionar a presença do Estado em metade de seu território? É claro que a situação está se modificando. O estado do Amazonas está investindo pesadamente em formação, educação, ciência e tecnologia, conservação ambiental e desenvolvimento econômico. Mas ele ainda é um caso pioneiro. Os investimentos no Pará não são equivalentes aos do Amazonas. Não podemos negar que avanços ocorreram. No Acre, Amazonas e Pará existe zoneamento ecológico-econômico, o que permite planejar o desenvolvimento dos próximos anos. Seremos capazes de executar as propostas e planejamentos que recomendaram? Isso está além da vontade política. É uma questão de modernização da comunidade, sobretudo ao renovar o sistema de informação, divulgação e mobilização da própria comunidade. Assistimos nos estados do Norte um lamentável monopólio da comunicação e poucos meios, controlados por interesses que não podem ser identificados com os interesses da sociedade.

Por que o sr. trata desse tema agora?

O homenageado da reunião será o jornalista paraense Lúcio Flávio Pinto, que é alvo de 14 processos movidos contra ele por denunciar, divulgar e revoltar-se contra a manipulação, os abusos do poder econômico , os empresários que mal justificam os documentos de posse das terras que exploram ou os meios de comunicação que monopolizam a informação e a divulgação, trabalhando a favor da ignorância.

O que podemos esperar na Amazônia da aproximação da comunidade científica brasileira?
Espero que a nossa idéia central, de que não há nação brasileira sem uma efetiva inclusão da Amazônia, possa contagiar a comunidade e empolgar os jovens a uma maior atenção para as possibilidades que se abrem na região. Há laboratórios de ciências que no passado empolgaram os grandes naturalistas. Talvez os jovens não percebam isso e possam imaginar que tudo já foi estudado. A aventura do conhecimento que se abre na Amazônia é intensa e ela pode alimentar a imaginação, o futuro, dos jovens da região e do país.

Como podemos ter o sonho de nação ao qual o sr. se referiu quando não existe investimento suficiente para pesquisa?

Não concordo com o seu ponto de vista. Acho que há dinheiro, sim. Há bastante dinheiro que está sendo investido na pesquisa. O que não há é uma articulação adequada para que os laboratórios, os objetivos, sejam alcançados em prazos compactuados. Isso não se faz de um ano para outro como se faz na política convencional. Nós precisamos definir uma política para 10 ou 15 anos. Não se formam 10 mil doutores ou pesquisadores especializados em questões amazônicas em cinco anos. Nós deveríamos ter começado isso há 15 ou 20 anos. Não o fizemos por falta de prioridade e pressão social. Espero que hoje possa ser diferente.

O que fazer para estancar tanta agressão ambiental na Amazônia?
Deve haver uma política muito mais firme, agressiva e capaz de controlar a depredação do patrimônio biológico. Isso precisa ser acompanhado pela intensificação das pesquisas científicas, capazes de mostrar concretamente, tanto para o mundo científico quanto para o mundo econômico, que uma árvore em pé vale muito mais pelo que ela mesma produz do que a madeira. Derrubar uma árvore para extrair a madeira é o mesmo que alguém num garimpo jogar fora o ouro e ficar com o cascalho. A árvore é uma máquina fantástica de produção. O fato de entendermos muito mal como se dá a conversão de nutrientes, oxigênio e energia solar em frutos, folhas, flores e sementes acaba se tornando uma vergonha porque não conseguimos mostrar com clareza que o produto da árvore vale muitos mais do que a sua madeira. Por conta do que estamos fazendo hoje, no futuro seremos vistos como bárbaros que jogavam fora o ouro e guardavam o cascalho.

Nossa conversa vai terminar e nem falamos de aquecimento global.
O aquecimento global envolve outros aspectos. Espero que cheguemos lá para ficarmos preocupados com suas conseqüências. Hoje sou um pouco pessimista. Se as coisas continuarem como estão, nós nem chegaremos lá, seja em decorrência de conflito nuclear ou pela própria degradação ambiental, que não se reduz a emissão de CO2. Existe a devastação do tecido social e dos conflitos que está gerando. Quando se vê um exército ou uma polícia atacando uma favela, percebe-se que não chegaremos em tempo para “saborear” o aquecimento global.

Quero agradecê-lo pela entrevista, professor.
Quero que você me permita dizer, ainda, que vou procurar insistir durante a reunião para que haja cooperação científica e formação de quadro, de jovens universitários, e que a reforma da escola na Amazônia seja feita a seis mãos pela Bolívia, Peru, Colômbia, Venezuela, Guiana e Brasil. Devem conseguir colaborar para redesenhar o quadro de formação dos jovens na região. Acho que isso é muito mais do que buscar integração da indústria. É necessário criar um espaço universitário e cultural amazônico onde, por exemplo, um jovem possa começar seus estudos em Manaus e concluí-lo em Caracas ou La Paz. Havendo uma circulação de conhecimento muito maior na região, teremos feito uma revolução bem mais significativa do que o mercado com seus banqueiros e industriais.

2 comentários:

Anônimo disse...

Outra necessidade de Estado. Somente um estadista para solucionar o problema amazônico. Sugiro revermos a história da criação do ITA que foi o primeiro passo para nosso país ser, hoje, o país da Embraer. Sem investimentos similares na amazônia, com visão de Estado, republicana e séria, em breve começarão os conflitos de interesses.
Não é necessário somente criar um Ministério da Amazônia, que resolve somente a questão política. Os políticos, como gestores, são um fracasso, via de regra.
Vejam o caso do INPA, em Manaus. Trabalha sem verba suficiente, e não tem a interação que deveria ter, com setores da sociedade amazônida.

Anônimo disse...

Prezado Altino:

Entrevista esclarecedora!
Concordo com o Prof. Candotti quando diz que o desenvolvimento da Amazônia é também "uma questão de modernização da comunidade, sobretudo ao renovar o sistema de informação, divulgação e mobilização da própria comunidade".
Embora a Amazônia seja hoje, nas palavras da Profa. Bertha Becker, uma "floresta urbanizada", para o caso das comunidades habitantes das florestas (indígenas, extrativistas, ribeirinhos e agricultores), o desenvolvimento só fará sentido quando incorporar de baixo para cima, seus anseios, valores e interesses. Apenas quando este quadro de sociodiversidade emergir num novo estilo de desenvolvimento que valorize a cultura e o meio amebiente e pense as demandas humanas (produção, consumo, etc) de modo diverso e inclusivo, é que poderemos ver alguma luz no fim do túnel.

Parabéns Prof. Candotti!

Abraços,

Alexandre Goulart de Andrade