quinta-feira, 10 de maio de 2007

O BARRO TEM DONO



Joaquim Tashka Yawanawá


Aconteceu recentemente a primeira oficina de cerâmica de mulheres yawanawá da Terra Indígena do Rio Gregório, com apóio do Projeto Demostrativo Indígena. Financiado pelo Programa Piloto para Proteção das Florestas Tropicais do Brasil, o Projeto de Arte e Conhecimentos Tradicionais Yawanawá serviu para o fortalecimento da nossa cultura material, pois possibilitou o repasse do conhecimento tradicional sobre cerâmica para as mulheres mais jovens da aldeia.

Fiz uma exposição sobre a importância que o projeto representa e Laura, minha esposa, fez um comentário geral sobre o significado de as mulheres estarem juntas desenvolvendo um trabalho que beneficiará todas elas e fortelecerá a cultura de nossa etnia. A liderança tradicional Raimundo Tuin Kuru foi chamada para expor para as mulheres o significado da cerâmica na vida tradicional do nosso povo. Ele enfatizou a importância de continuarmos mantendo a tradição de fazer cerâmica, assim como faziam as mulheres de nossos antepassados.

Explicou que a cerâmica não é simplesmente um instrumento de uso domiciliar, mas tem um profundo significado na vida do povo indígena yawanawa. Ela faz parte de nossas vidas. A começar pelo próprio barro usado na cerâmica. O barro tem dono e necessita de respeito e apreciação para o dono "conceder" a arte ao artesão. Nossos ancestrais se comunicavam com o dono para obter permissão antes de tirar o barro.

Disse ainda que os prato, os potes, os vasos de cozinhar, entre outros, são instrumentos de significado muito importante, assim como os grandes potes antigos, que eram adornados para os mortos serem depositados dentro. Até hoje, nos cemitérios tradicionais, ainda encontram-se os potes onde foram depositados os grandes chefes yawanawa.

Após a exposição do velho Raimundo Tuin Kuru, todas as mulheres falaram de suas expectativas sobre a oficina. Muitas delas demonstraram bastante interesse em intercambiar seus conhecimentos. Muitas jovens estavam curiosas para aprender com as mais velhas da aldeia. Muito tempo se passou e as mulheres mais velhas da aldeia já não faziam cerâmica, tampouco repassavam o conhecimento para a atual geração. Foi muito emotivo ver duas gerações num mesmo trabalho.

As mulheres foram para a aldeia Mutum, a 20 minutos de barco da aldeia Nova Esperança, buscar o barro negro, que chamamos de "mai". Devido as grandes chuvas, as mulheres tiverem que mergulhar nas águas frias do igarapé Mutum para retirar o barro.

Pudemos perceber que o conhecimento ainda está muito vivo e bem guardado, principalmente entre as poucas mestras existentes. A realização da oficina foi um incentivo importante, principalmente às mulheres mais jovens. Muitas delas, pela primeira vez, tomaram ciência de conhecimentos tradicionais yawanawá.

Percebemos, ainda, que as mestras ficaram bastante mobilizadas com a oficina, sentiram-se valorizadas junto com seus conhecimentos. Isso ficou evidente no clima de alegria, dedicação e responsabilidade em apresentar trabalhos caprichados. Esse clima permeou todo o tempo de realização da oficina.

Muito animadas, afirmam que pretendem dar continuidade ao trabalho com o barro em suas próprias aldeias. Uma preocupação delas, porém, que também é nossa, é a possibilidade de encontrar um mercado para vender a produção de cerâmica.

Incentivamos também a utilização desses utensílios de cerâmica por elas próprias no dia-a-dia. Por exemplo: os potes para armazenar a água, as panelas para fazer as caiçumas. A permanência do incentivo ainda se faz necessário e é de suma importância para a continuidade da revitalização desse trabalho com o barro.