sexta-feira, 25 de maio de 2007

LIÇÕES DO IMPASSE NO RIO MADEIRA

Roberto Smeraldi

O impasse que caracteriza a maior obra do PAC — o complexo hidroviário e hidroelétrico do Rio Madeira — foi até agora pouco compreendido. O risco é que não se aprenda com os erros desse processo, assim inviabilizando ou dificultando qualquer projeto de infra-estrutura de grande porte. Debates extremados (“ou é agora e assim, ou nunca”), ideologizados (“energia boa versus energia ruim”) e impregnados de chantagem (“ou engole isto, ou o país pára”) não removem entraves. Ainda menos quando tratar-se de obras de grande porte, que requerem um consenso amplo perante investidores, atores sociais e judiciário quanto a seus principais pontos críticos.


O festival de equívocos nesse debate deveria levar a uma reflexão para que problemas semelhantes não se repitam no futuro, no interesse de todos. Pois, caso fosse verdade que do Rio Madeira depende o desenvolvimento nacional — por nossa sorte não deve ser — os que trataram dessa questão teriam prejudicado o país sobremaneira.

A primeira lição diz respeito ao fato de que os problemas enfrentados pelo complexo Madeira não têm nada de trivial. A banalização dos bagres está longe de retratar até mesmo os problemas de ordem ambiental, que por sua vez nem são os principais. Parece que ninguém leu, inclusive no governo, a singela conclusão do tão comentado relatório do Ibama que levou a negar a licença: a “configuração da área de influência dos empreendimentos demanda do licenciamento, segundo a Resolução nº 237/1997, o estudo dos significativos impactos ambientais de âmbitos regionais. Nesse sentido, considerando a real área de abrangência dos projetos e o envolvimento do Peru e da Bolívia, a magnitude desses novos estudos remete à reelaboração do Estudo de Impacto Ambiental”.

Isso leva à conclusão de que é “imperiosa a realização de novo Estudo de Impacto Ambiental, mais abrangente, tanto em território nacional como em territórios transfonteiriços, incluindo a realização de novas audiências públicas”. Em suma, o problema não são os bagres, e sim a necessidade de focar a área real de impacto, de acordo com a lógica e com as normas vigentes, refazendo estudos e consultas de vez. Paradoxalmente, o que foi feito antes limitou-se ao município de Porto Velho e todos sabem de tamanho descompasso desde final de 2005. Havia tempo suficiente para fazer o estudo de toda a área, mas preferiram fazer cabeça de avestruz e apostar que daria certo mesmo assim. Não deu, e gastaram 18 meses. Agora, provavelmente, terão de voltar à estaca zero, mesmo que os dirigentes políticos do Ibama tenham curiosamente se recusado a acatar o parecer de sua própria área técnica.

A segunda lição é, sem dúvida, a mais importante: os orçamentos começaram, em 2003, na faixa dos R$ 12 bilhões (inexplicavelmente sem linha de transmissão) e hoje já chegaram aos R$ 40 bilhões (com linha de transmissão). Frente à falta de competidores para o leilão, Lula precisava justificar o impasse da jóia do PAC, e habilmente jogou a isca do bagre: todos morderam, aparentemente. Mas a piada presidencial é eficaz só no curto prazo: sendo que o problema é de ordem econômica — com preços estimados de até R$ 180 por kw/h — apontar o Ibama como bode expiatório não vai mesmo ajudar a superar o entrave. Os investimentos maciços em energia que são vitais para o país não podem ser concentrados apenas em nova geração (que tende a ser mais cara) e sim deveriam focar eficiência (na geração, transporte e uso) o que ofereceria de três a quatro vezes a energia do Madeira por um preço mais barato.

As alternativas que o governo está cogitando em relação ao congelamento do projeto Madeira (Belo Monte no Xingu e São Luiz no Tapajós) parecem ter riscos semelhantes; inclusive, mais uma vez, pela forma apressada em que isso está acontecendo. O escândalo que envolveu nesses dias a empreiteira que liderava um dos consórcios do Madeira — a Gautama — chama a atenção sobre a fragilidade de um setor elétrico que costuma vincular decisões a demandas de construtoras, invariavelmente com dinheiro de bancos estatais.

Com orçamentos transparentes e completos, estudos ambientais estratégicos e abrangentes, regularização fundiária prévia para evitar especulação oportunista e justificativas cabíveis para investir recursos do contribuinte, até mesmo algumas megaobras poderiam se tornar viáveis. Mas a tendência parece a de ignorar as lições do fracasso, apostando que tudo dará certo da próxima vez.

Roberto Smeraldi é jornalista, diretor da OSCIP Amigos da Terra — Amazônia Brasileira

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