segunda-feira, 2 de abril de 2007

MUDANÇAS CLIMÁTICAS NA HISTÓRIA DA TERRA

Foster Brown

A sociedade começa a perceber que o aquecimento global, ou seja, uma mudança significativa no clima da Terra, é um problema real e sério. Como qualquer problema, pode ser visto de várias perspectivas. Quero fornecer um contexto geológico para o debate sobre o que fazer perante este desafio.

Nada é mais natural do que uma mudança climática na história da Terra, mas só porque é natural não significa que é boa. O veneno de uma jararaca é altamente natural, mas nem por isso ele é menos mortificante. Para fins desta discussão, se define clima como o padrão médio de chuvas e temperatura na escala de anos a décadas para uma região específica ou para a Terra.

Podemos comparar a história da Terra, de 4,6 bilhões de anos, com uma estrada de 4,6 quilômetros de comprimento, onde cada metro representa um milhão de anos. A história da civilização humana se resume no último centímetro desta estrada - os 10.000 anos da canção do Raul Seixas. A largura de um fio de cabelo seria o equivalente a 70 anos, que é a vida média de uma pessoa. Esta estrada está cheia de buracos, onde o clima mudou muito, com graves impactos para a vida.

Se tentamos olhar para a fase inicial da história da Terra, ela fica alguns quilômetros distante e precisamos de um "telescópio" para enxergá-la. O que os cientistas usam para olhar é a composição de rochas e de sedimentos no fundo do mar, onde o teor de elementos radioativos permite a datação e a sua composição de fósseis, estrutura e isótopos indicam as condições da Terra no passado. Combinado com a análise de rochas, os cientistas aplicam as teorias físicas sobre a evolução de estrelas e balanço de energia para entender como o clima tem mudado.

Entre os vários fatores que afetam o clima, como a intensidade de radiação solar, a posição orbital da Terra e a distribuição dos continentes, a composição da atmosfera é um dos mais críticos. Aparentemente, no início da nossa estrada de tempo – nos primeiros quilômetros - a atmosfera tinha uma alta quantidade de gás carbônico e o nosso Sol gerava menos energia. O gás carbônico, como o vapor d’água e o metano, é um gás que absorve radiação termal, elevando a temperatura da atmosfera.

Com a evolução da fotossíntese, isto é, o processo em que as plantas usam a luz do sol para crescer, a concentração de gás carbônico baixou muito. Plantas absorvem gás carbônico e o transformam em madeira e tecidos vivos. Esta matéria orgânica freqüentemente foi enterrada, se transformando em petróleo, carvão ou gás natural, efetivamente removendo carbono da atmosfera. Quando se queimam este petróleo, carvão e gás (os famosos combustíveis fósseis) este carbono volta a atmosfera, aumentando a concentração de gás carbônico.

Além deste sequestro de carbono em rochas que tem reduzido a concentração de gás carbônico, os processos de fotossíntese, decomposição e respiração fazem parte do ciclo global de carbono e ajudam a controlar a quantidade de gás carbônico na atmosfera.

Existem indicações de que para os primeiros quilômetros da estrada da Terra, equivalente a alguns bilhões de anos, houve oscilações de clima entre glaciações extensas e um planeta estufa. Alguns cientistas pensam que a variação na concentração de gás carbônico foi o fator principal. Nos últimos 600 metros, o clima parece ter ficado razoavelmente estável com exceção das mudanças geradas por impactos de asteróides e vulcanismo. Estas exceções levaram à extinção várias formas de vida por causa de mudanças na temperatura e chuvas. Sem dúvida, não teria sido agradável estar presente nestes momentos. Eles foram épocas de caos.

Voltando ao nosso caso de aquecimento global, podemos dizer que isto aconteceu em vários momentos na história da Terra. O mais relevante para nós parece ter acontecido 55 milhões de anos atrás, 55 metros do final da estrada. Houve a chamada “Máxima Termal Paleoceno-Eoceno”, onde a temperatura global subiu significativamente. Neste caso, parece que houve a liberação de 2.000 ou mais gigatoneladas (bilhões de toneladas) de carbono na atmosfera, seja por vulcanismo ou outro mecanismo.

Para comparar, nós, seres humanos, estamos liberando cerca de 8 a 9 gigatoneladas de carbono no ar por ano e a atmosfera atual, com 380 ppm de gás carbônico, tem cerca de 870 gigatoneladas de carbono. O resultado daquela liberação 55 milhões anos atrás foi um aumento de mais de cinco graus de temperatura média da Terra. Aparentemente, levou mais de 100.000 anos para voltar a um clima razoavelmente normal.

Na teoria de Gaia, promulgada por James Lovelock, a Terra trabalha para manter as condições propícias para a vida. Aparentemente, ela tem conseguido na maior parte do tempo, mesmo quando abalada por asteróides, vulcanismo e mudanças na radiação solar. Só que o tempo em que os mecanismos de Gaia funcionam não é tão relevante para a civilização humana. Algo que leva cinco mil anos é rápido para Gaia, mas parece uma eternidade para os seres humanos.

Quando olhamos a história da Terra, podemos ver que mudanças climáticas fazem a regra e não a exceção, e, aparentemente, o gás carbônico tem um papel fundamental nestas mudanças, seja iniciando a mudança, seja ampliando a mudança. Se provocarmos com nossas emissões de carbono, via queima de combustíveis fósseis e desmatamento, uma outra máxima termal, como a que aconteceu 55 milhões anos atrás, não vai ser novidade para a Terra, mas certamente será uma novidade triste para a civilização humana.

Mudanças bem menos drásticas do que aconteceu no fim do Paleoceno têm afetado o clima nos últimos dois milimetros da nossa estrada, isto é, nos últimos dois mil anos. Como Jared Diamond notou no seu livro “Colapso”, mudanças climáticas acopladas com desmatamento, guerras e disfunção social levaram à queda muitas sociedades. O subtítulo do seu livro “Como sociedades decidem falhar ou sobreviver”, lembra que nós temos muitas decisões para fazer perante as mudanças que poderão vir nas próximas décadas.

Os resultados de simulações de modelos de clima para a segunda metade do Século 21 prevêm um aumento de temperatura de 3 a 8 graus Celsius na Amazônia, segundo o Dr. José Marengo do Centro de Previsão de Tempo e Estudos Climáticos (CPTEC/INPE). Um aumento de temperatura desta natureza pode levar a uma transformação de parte significativa da Amazônia em savana, como notou o Dr. Pedro Dias da USP.

O sumário apresentado pelo Painel Intergovernmental de Mudanças Climáticas (IPCC) em fevereiro deste ano indica que a sociedade humana tem que mudar radicialmente o seu sistema energético nos próximos anos para evitar uma outra máxima termal, algo não raro na história da Terra, mas que, segundo James Lovelock no seu livro “Vingança de Gaia”, poderia ser uma catastrófe singular para a civilização humana.

Algumas das decisões que as sociedades vão precisar tomar dependerão de uma solidariedade global, especialmente para a redução do fluxo de carbono para a atmosfera. Não adianta um pais reduzir o seu fluxo de carbono se isto não está acompanhado por todos.

Outras decisões, principalmente de como adaptar as mudanças já em curso, são de caráter regional, local e até individual. Mas, de qualquer maneira, vamos precisar enfrentar o assunto de mudanças climáticas com ações sensatas, ou falhar como outras sociedades falharam no passado.

Foster Brown é cientista do Centro de Pesquisa de Woods Hole e do Experimento de Grande Escala Biosfera-Atmosfera (LBA) e docente do Curso de Mestrado em Ecologia e Manejo de Recursos Naturais da Universidade Federal do Acre.

2 comentários:

Anônimo disse...

Uma excelente explicacao tanto para os estudantes das escolas do Acre quanto para os politicos. Os estudantes entederao melhor!!

Anônimo disse...

Foster Brown, não desista nunca de ser o cientista que você é.Hoje mais que nunca precisamos de homens e mulheres que tenham compromissos com causas mais nobres.A resistência é que faz o progrsso positivo da ciência.