quinta-feira, 8 de fevereiro de 2007

ARAKEN, O SHOWMAN

Leila Jalul

O Acre era tão feio, tão feio, tão longe, tão longe, que um acreano metido a carioca falou: "se cu tivesse cu, o Acre era o cu do cu do cu". Expressão chula, nojenta, descabida e honesta, do seu ponto de vista, pelo menos. Não gostei de repetí-la, mas, se não repetí-la, como expressá-la?
Assim foi dito, assim foi escrito. E pronto! Não há em mim qualquer vocação para o escatológico. Para a verdade, isso sim.

Um detalhe é preciso dizer: até hoje, tudo que possui o autor da límpida tradução da terra em que nasceu, tudo que sua família parasita possui, saiu daqui, ou do cu, como preferir o leitor. E continua aqui, mamando, enganando, se locupletando e todos os "andos" que se possa imaginar. Ingratidão? Não. Oportunismo, carreirismo? Sim.

Mas quero falar mesmo é de um carioca. Recém- formado bacharel, não pensou nem uma, nem duas, nem três vezes e veio. Veio para ficar. Para estudar, para se firmar na vida, deixando para trás Ipanema, Leblon, Copacabana, princesinha do mar. Nem precisou tomar água barrenta de rio nenhum, apenas vislumbrou um futuro profissional que almejava.

Uns o julgavam maluco. Não diziam por medo ou respeito, mas o julgavam. Sua inteligência privilegiada, sua capacidade de escrever brincando com as letras, entretextando Castro Alves com Clóvis Beviláccua, Chico Buarque com Salomão, o Rei David com Amaury Mascaro do Nascimento. Era um escrever fluindo, sem decoreba, na base da citação acertada e encaixada para cada crime, cada caso de amor, cada relatório oficial, maçante para uns, peças literárias para outros.

Desejoso de aproveitar cada minuto de sua vida operante, cada minuto de suas férias, nunca se recusou a estar em cursos e platéias, com o intuito de aprender. E, nessa busca, foi parar num encontro sobre turismo no Brasil, num tempo que já vai longe, mas não tão longe que não possa enxergar.

O auditório queria saber sobre Amazônia. Lugar de índios, analfabetos, pobreza, malária e todo um elenco de desgraças. O povo do sul sabia pouco ou quase nada de Brasil. Sabia pouco, ou quase nada até dos lugares onde nasceram. Paulista era paulista. Mineiro era mineiro. Catarinense era alemão. E fim.

No tal encontro sobre turismo, freqüentado por futuros agentes de viagens, dispostos a investir num naco de mercado não explorado, e conhecer potenciais, lá estava Jorge Araken.

Pelas intervenções, e que não foram poucas, imagino, pelas variáveis apresentadas de conhecedor de algo fora do eixo sul-sudeste, eis que se encontra numa situação dramática. Falta um expositor e a platéia pede que ele faça as vezes de. Araken não era, nem é, homem de fugir da raia. Sem roteiro, sem slides, sem projetores, pede a cada um dos presentes o uso da imaginação.

- Fechem os olhos. Abram apenas no final, e se pensem dentro de um navio. Saímos de São Luis e, em breve, aportaremos em Belém. Chegamos ao porto. Desçamos. Estamos no mercado Ver-o-Peso. Sintam o aroma das ervas, dos banhos, das morenas. Ouçam a música. É Fafá cantando "Pauapixuna".

E mais:

- Sigamos para Manaus. Apertem mais os olhos. Estamos na Zona Franca. Apertem mais as bolsas e as carteiras. Tem muita porcaria para vender. Sedas chinesas, aparelhos eletro-eletrônicos. Não se entusiasmem. De noite iremos ao Teatro Amazonas. Assistiremos uma opereta desconhecida. Todos gostarão. Depois encontraremos Marcio Souza, Leandro Tocantis e o Arthur Cezar Ferreira Reis. Eles têm o que contar, com fidelidade, sobre a Amazônia de ontem e de hoje. Agora se faz noite. No mais tardar, pela manhã, estaremos em Porto Velho. Logo depois, Rio Branco, no Acre.

O povo, de olhos fechados, acompanhava tudo. Se estivesse lá, inquieta como sou, diria:

- Moço, pelo amor de Deus, acabe logo com essa aflição.

Tudo bem. De olhos fechados, já fora do navio, de ônibus, a viagem entre Porto Velho e Rio Branco durou mais de nove horas. Evidentemente, tudo no imaginário da platéia embevecida. Araken, o showman, não sabendo mais o que fazer para hipnotizar os seus escutas, chegando no Acre, faz a seguinte proposta:

- Gente, estou e estamos todos cansados. Vamos dormir? Amanhã a gente segue caminho. E se foram acomodar no Hotel Inácio, filho único do George Pinheiro, até então.

Agora, quem fala sou eu. Eu, Leila, seu querer de sempre.

- Araken, me perdôo por te trair. Me alegraria ter te tirado do vexame. Porém, como? Aqui não tinha Gameleira, nem Canal da Maternidade, nem Mercado Velho revitalizado. Aqui só tinha imaginação e amor pela terra de meus pais e pela terra que elegeste para viver. Você é um carioca, maneiro! Você é o cara!

11 comentários:

Anônimo disse...

O Doutor Araken é nosso, Leila, longe ele do Rio que não o conhece, e mesmo que o conhecesse, não no-lo tiraria, afinal de contas o tempo que aqui vive, suplanta em muito o tempo vivido em sua terra natal. Tenho alguns causos dele, breve publico. Só faltou acrescentar quando a comitiva aqui estava chegando, creio que pela estrada, ele gritava extasiado: Bucooooolico. Beijos Edson

Anônimo disse...

Da linda narrativa, este texto faz com que o leitor, sem fechar os olhos, se sinta como parte presente do causo.

Anônimo disse...

vaz... poupe-nos de seus comentários tacanhos.(só não são mais tacanhos que a idéia de copiar coisas dos outros e publicar como se fossem suas).
estás tentando uma conciliação com altino??

ALTINO MACHADO disse...

Caro anônimo, te aquieta. O Vaz é gordinho, mas é gente fina. E saiba que nunca estivemos de mau. Ele aceita na boa as eventuais críticas que faço.

Anônimo disse...

Cara Leila, seu primeiro personagem deve ser acreânus, isto é, deve ter sido expelido pelo Acre como matéria fecal imprestável, daí a natureza da expressão chula que ele utilizou.
Já o segundo personagem, acho que dispensa maiores comentários, pois você já bem o definiu. Abração

Anônimo disse...

Prezado Vaz, feche os olhos, e imagine o tanto que durou essa "viagem". Só não pode ter pressa . Se você conhece Belém, pode ter certeza que a rua das mangueiras, o Museu Emílio Goeldi, uma passadinha em Mosqueiro e Salinas para sentir o gosto de sal, não foram deixados passar. em Manaus, idem. Uma refrescada nas corredeiras do Tarumã, passeio no encontro das águas, uma chegadinha no Careiro para a turma se deliciar com uma galinha caipira lá junto da família do Doutor Adauto Frota.
Virgem, faltou muita coisa! Nenhum tucunaré na brasa, nenhuma caldeirada de tambaqui...
Você, que tem cara de guloso, deve ter sentido falta disso.
Um abraço

Anônimo disse...

Edson, você me lembrou do bucóooolico! Eu lembro para você que a caminhada terminou com o auditório, em peso, cantando:
Peguei um ita no norte
na hora de viajar
adeus, meu pai, minha mãe
adeus Belém do Pará!
Ai, ai, ai, ai....
Pelo menos essa a turma toda conhecia!
Um beijo grande.

Anônimo disse...

Leila, vc sabe como o mestre Araken, carioca da gema, foi parar no Acre?
Duda

Anônimo disse...

Não, Duda, não sei.
Como? O avião saiu da rota?

Anônimo disse...

Não, querido Duda. Não sei.
Terá havido desvio de rota?
Diga-me, não esconda nada! Um beijo

Anônimo disse...

Salvo engano, Lourival Marques. O acreano, de Cruzeiro do Sul, convenceu o amigo carioca e colegas da Faculdade Nacional de Direito a ir morar no Acre, no Governo Jose Augusto. Leila, meus pais estao em plena forma e estao contando tanta coisa bonita do Acre que vou comecar a gravar. Em breve teremos novidades e mais colaboradores por aqui, viu Altino?Duda