quinta-feira, 8 de fevereiro de 2007

O PAC É SUSTENTÁVEL?

Roberto Smeraldi

O Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) é sustentável? Para responder, a doutrina manda analisar esta variável a partir das perspectivas econômica, social e ambiental.

Economicamente, como definiu a própria ministra Dilma Roussef, o PAC é “uma injeção de dinheiro público na veia”. Ao manter a despesa corrente, e por outro lado aumentar a despesa em investimento, gera um aumento geral do gasto público. Isso tem impacto negativo nos juros e, a rigor, no crescimento. Por outro lado, nada de reforma tributária e previdenciária, deveres de casa primordiais para a sustentabilidade de qualquer política econômica, seja ela ortodoxa ou desenvolvimentista. Para ter sustentabilidade econômica, mais em geral, seria preciso qualificar o rumo do crescimento, com o Poder Público que assume um papel norteador: já as modestas renúncias fiscais do PAC nem sequer premiam as empresas que inovam ou empregam, sendo distribuídas de forma indistinta para todos os atores econômicos, independentemente de sua eficiência. O governo abre mão de seu papel regulador enquanto aumenta seu papel empreendedor.

Além disso, a enxurrada de dinheiro público atinge principalmente a veia das grandes empreiteiras. Vejam o caso da energia: a idéia é seguir vendendo energia barata às indústrias eletrointensivas, mesmo gerando energia cara (como no caso do Rio Madeira) e com dinheiro público, já que os privados nunca apostariam naquela obra. Nem sequer orçaram o linhão de transmissão, avaliado em R$ 10 bilhões, além de outros 20 das usinas. O pacote tem vários destaques paradoxais, como as rodovias BR-163 e BR-319 - para variar, na Amazônia - desprovidas de qualquer lógica econômica. Prova disso é que ninguém do setor privado aceitaria investir nelas, assim como na maioria das outras obras.

Socialmente, é difícil enxergar sustentabilidade em um plano que não prioriza o emprego, que deveria ser promovido tanto por meio de desoneração tributária, quanto por uma séria reforma trabalhista. Outro óbice estrutural para o crescimento, a educação, nem sequer é objeto de menção: difícil o Brasil crescer, no médio prazo, com o atual recurso humano não qualificado e despreparado. O PAC alega promover um setor-chave para contribuir ao crescimento com sustentabilidade social, o do saneamento básico: enquanto o estímulo para o setor veio de uma recente lei, e não do PAC, este paradoxalmente tira parte dos recursos disponíveis para esta área: é o caso dos R$ 5 bilhões do saldo do FGTS, um quarto de todo o recurso do fundo disponível para investimento, desviados de sua destinação obrigatória (saneamento e habitação popular) para atender obras faraônicas de infra-estrutura.

Ambientalmente, o PAC nem sequer repara que o capital natural é o principal diferencial do país no contexto internacional e deveria logo se tornar fator de competitividade, num mundo chocado pela aceleração das mudanças climáticas - globais e regionais - e num Brasil altamente vulnerável às mesmas. Com visão atrasada, enxerga a questão ambiental como se fosse um entrave, o que não lhe permite identificar nenhuma de suas dimensões reais e estratégicas: nem aquela de grave risco, nem aquela de promissora oportunidade. Aliás, ignorando este quadro, destina pelo menos R$ 170 bilhões, ou 35% de todos os investimentos, a combustíveis fósseis.

Mas o pior é que os autores do PAC nem sequer compreenderam o que é mesmo um entrave. Apresentaram como mágica uma lei complementar para fixar as competências de União, Estado e municípios no licenciamento ambiental. Nada mais desejável, em princípio. Só que na vida como ela é – e com boa dose de otimismo – só um terço dos estados e duas dúzias de municípios (entre 5.500) podem ter alguma capacidade de fazer frente às funções adicionais que se pretende transferir-lhes. A ilusão de resolver tamanha deficiência com uma canetada parece ingenuidade. Mais temerário é supor que isso iria destravar ou agilizar as licenças. Imagine-se a paralização que pode advir de um cenário em que órgãos sem equipe terão de conceder ou negar licenças, sendo a justiça chamada a dirimir os conflitos gerados por decisões tomadas - em ambos sentidos - sem embasamento técnico e legal.

É lícito concluir que a injeção cogitada pelos médicos palacianos contém um remédio de escassa efetividade, aplicado em um grupo restrito de pacientes e com altos custos. Caberá ao país como um todo bancar o remédio, além de lidar com seus efeitos colaterais, quando não mesmo reações adversas.

Roberto Smeraldi é jornalista, diretor da OSCIP Amigos da Terra – Amazônia Brasileira.

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