sábado, 13 de janeiro de 2007

FOGO NA NEVE

Leila Jalul

Na minha modesta opinião, deveria ser considerado crime hediondo cinema virar igreja. Cinema, para quem gosta, é mais que religião. E esse crime só não é mais freqüente em razão do Seu Edir já ter comprado praticamente todas as salas.

Os rugidos do Leão da Metro, a musiquinha safada do jornalzinho do Primo Carbonari, tudo substituído pelos gritos histéricos dos endemoniados que, de mãos crispadas nas costas, são arrastados pelos cabelos e arriados no chão para o exercício do exorcismo.

- Sai, Satanás!

Essas cenas exibidas pela televisão, não deixam de ser cinematográficas, mas não convencem. Não convencem sequer o Satanás.

O que aconteceu com o Cine Rio Branco, por Deus, foi mais honroso. Anoiteceu de pé e amanheceu em cinzas. Junto delas, tudo torradinho, um monte de emoções passadas e experimentadas pela magia da sétima arte.

Foi sentadinha numa daquelas cadeiras duras que eu, Marísia e Giorgio Tomazelli, assistimos um filminho de 200 minutos de duração, baseado na obra de um tal de Boris Pasternak: Doutor Jivago.

Meu pai do Céu! Omar Shariff, aquele homão lindo na tela, dividido e destroçado pelo amor de duas mulheres – Julie Christie e a filha do Seu Chaplin, que se chamava Geraldine. E a música? Tema de Lara para a Julie. Som de balalaicas tocadas por músicos russos de verdade, aqueles que só tomam vodka especial. O tema para a Toinha, que era a Geraldine, não lembro.

Como se não bastasse o sofrimento do amor, os horrores da guerra. Os horrores das tempestades de neve que embranqueciam o bigode de Jivago. E as intermináveis andanças na neve, atolado até os joelhos... Como era sofrido!

Nesse momento do filme, olhei para o Giorgio. O cara mais parecia um boneco de neve. Durinho, sem um movimento que demonstrasse emoção. Teso. Parecia o Nikita Kruschev.

Foi quando tentei demonstrar para aquele coração de pedra que eu também estava sofrendo por ele não me dar chance. E assim, fingindo ter frio, encostei nele, até que, num zás-trás, saiu um beijo. Um beijo sem graça, beijo de sapo. Gelado e sem gosto.

Preferi continuar vendo meu filme. Se eu dependesse de um cobertor daquela alma, acho que não ganharia nem jornal velho, nem caixas de papelão para me abrigar.

Saí do cinema de rosto inchado e nariz escorrendo. Acho que gripei. Tempos depois assisti A Condessa de Hong Kong. Fui só. Dessa vez não tinha neve e meu fogo tava baixo.

3 comentários:

Anônimo disse...

Li este artigo e lembrei saudoso das matinês do Cine Rio Branco....sempre davam 03 tons antes de começar o filme e quando tocavam os tons o cinema e abaixo com o grito dos cinéfilos que ali estavam, havia também um cara que nunca soube o nome.... um gigante obeso com cara fechada que certa vez botou Eu e uns poucos colegasda época pra correr porque queriamos entrar na sessão-gitante-pornô....Bons tempos aqueles.... É com imensa tristeza que vejo hoje a proliferação de "igrejas" por todos os lados....minha mãe me criou na igreja católica, mas gostei de conhecer o Daime, a umbanda, o espiritismo e os evangélicos. Há muita igreja séria dirigida por pastores sérios, mas há em escala industrial nos dias de hoje o surgimento de "igrejas" que mais se parecem casas de caça-niqueis que não recolhem impostos e utilizam a boa fé das pessoas aliadas a sua baixo-estima para enganar, extorquir, e vender um pedacinho do céu proporcionando a criação de verdadeiros impérios a olhos vistos - vide o casal Hernandes da "Igreja Renascer" e a figura não menos intrigante do Sr. E.Macedo - Problemas pessoais e baixa-estima são dois ingredientes que esse "povo de Deus" utiliza ferozmente para ludibriar as pobre ovelhas....
Quem dera se ao invés de surgir igreja pra todo lado com os mais deversos nomes surgissem centro culturais, teatros e cinemas para proporcionar à massa um pouco de cultura e entretenimento.
O Governo Federal bem que podia criar um imposto voltado para as igrejas a CPMDFF - Contribuição Permanente Sobre a Movimentação de Doação Financeira dos Fiéis Fervorosos.

Anônimo disse...

Querida Leila você deveria ter ido ver Dr. Jivago com Hélio Cury, então você não sairia jamais com nariz escorrendo, pelo contrário.Não me censure, o Hélio era lindíssimo, eu o vi de "Principe Valente na Corte do Rei Artur" no palco do Colégio Acreano, lindo. E já o ouvi por horas a fio, dois anos atrás,no Paço, apenas sobre suas aventuras amorosas, cujos cenários variavam de Copacabana a Mosqueiros e também Xapuri, claro, a terra dele. Daria um filme tipo "nunca te vi sempre te amei". Hoje quem sabe, vocês fariam um casal maravilhoso, pelo menos para mim que gosto dos dois. Não me censure, eu, por exemplo, naqueles tempos do Dr. Jivago namorava com meu amigo Dalmir, algo que hoje daria um filme: sempre te vejo, nunca te amei. O que você prefere? Pensar em algo que poderia ter acontecido e não aconteceu? Ou algo que aconteceu e não deveria ter acontecido?

Anônimo disse...

Amiga Leila:

Em termos de religião, diria que sou ecumênico e respeito todas, sem exceção. Até a do Edir. Ele não tem culpa se as outras religiões não sabem aproveitar com eficiência a veia artística e a teatralidade latente em seus seguidores nem tem a mesma competência comercial que a dele para amealhar metais e adquirir ou alugar supermercados falidos, rádios, jornais, canais televisivos ou cinemas quebrados. Além do mais, dizem que Jesus é a estrada, mas a concessão para cobrar o pedágio é do Edir. Ele não tem culpa se chegou primeiro. Deixa o homem trabalhar. Enfim, quer saber de uma coisa, Leila. O Edir tem sido mais inteligente do que foi o Giorgio Tomazelli durante aquela sessão de cinema. Esse Giorgio, Leila, sei não, sei não...