segunda-feira, 4 de dezembro de 2006

DEFESA DA FLORESTA

O presidente da SBPC, Ennio Candotti, defende
preservação para conhecer a floresta amazônica


"Se nós não organizarmos um espaço capaz de permitir aos conhecimentos tradicionais que se reproduzam, continuem a existir, possivelmente em 20 a 40 anos poderão se perder, como estamos perdendo tantas batalhas neste universo amazônico"

Flamínio Araripe

Ao final da Reunião Regional do Alto Juruá, em Cruzeiro do Sul, o presidente da SBPC, Ennio Candotti, manifestou inquietude em relação ao que foi discutido sobre o projeto da criação da Universidade da Floresta no município. "Os conhecimentos tradicionais estão ameaçados", disse ele, ao defender a necessidade de que precisam ser preservados.

"Não creio que se possa fazer a preservação dos saberes tradicionais dentro da nossa Universidade", questiona Candotti. Todavia, para ele, existe sim a necessidade de uma Universidade neste projeto – "se chame aquilo que quiser, um corpo dentro da Universidade ou dentro de outra Universidade".

"O objetivo é preservar a floresta e ler essa floresta. Todo esforço deve ser feito para evitar que queime antes que outros possam conhecer", diz Candotti, ao sintetiza o que deve nortear o projeto da Universidade da Floresta. "Deveríamos defender a floresta e tentar andar dentro dela".

Ennio Candotti pontua esta observação como um dos quatro itens presentes nos três dias do encontro encerrado em 2 dezembro no Centro de Treinamento Diocesano, mas o que não foi abordado e lhe chamou a atenção.

"Quem vai preservar? Onde vai se preservar, é na aldeia? É em aulas formais? É através de comunicação oral?", indaga. "Quais os laboratórios de um pagé? A própria floresta", diz Candotti, que pondera: talvez devêssemos construir uma oca para que possa dar suas aulas.

"Por mais que em algumas aldeias a situação seja um pouco melhor, se nós não organizarmos um espaço capaz de permitir aos conhecimentos tradicionais que se reproduzam, continuem a existir, possivelmente em 20 a 40 anos poderão se perder, como estamos perdendo tantas batalhas neste universo amazônico", alerta o presidente da SBPC.

No contexto da UF, "a preservação é importante para a própria aldeia, para a cultura e o conhecimento em geral e para a ciência", diz Ennio Candotti. "É um dos caminhos que permitem se cruze o conhecimento tradicional com a ciência ocidental, a ciência de laboratório. O que precisamos é um espaço autônomo", afirma.

Ele faz outra recomendação: "devemos evitar jogo de poder na definição de conhecimentos da Universidade". Adverte que seria perigoso estar dependendo do Conselho Universitário para a aprovação de cursos. "Se não, vamos fazer uma grande salada. Se não se define responsabilidade, o jogo de poder vai ser desfavorável para as minorias".

"Se queremos preservar, devemos fazer o necessário para preservar. Estas culturas não podem se extinguir", assinala Candotti. No caso de alguma língua ameaçada de extinção, sugere "colocá-la quase que de contrabando dentro da Universidade".

"Não vamos misturar saberes tradicionais com ensino técnico. É muito difícil fazer ensino técnico com computador que inclua saberes tradicionais", aconselha Candotti com relação a um dos três componentes da Universidade da Floresta, abordado na Reunião.

Conforme Candotti, no projeto da UF "há espaço para diferentes práticas. Se o nível é universitário ou secundário, pouco importa. Se fizermos por parte, vamos ter o conhecimento reconhecido como autônomo, as histórias de seringueiros e diferentes povos indígena. Fazer tudo debaixo do mesmo chapéu, não dá".

Candotti iniciou a sua fala com uma metáfora: "eu posso me inscrever na Universidade da Floresta para aprender a andar na floresta?" Segundo ele, a resposta não havia surgido no Encontro. "Não sei se essa Universidade me ensinará a andar na floresta", concluiu.

De acordo com Candotti, há pelo menos quatro projetos de Universidade que estão competindo. "Eu tenho a impressão de que não deveriam competir. Vamos evitar dizer qual o melhor. Vamos construir alguma coisa juntos. Mas o primeiro passo é reconhecer quais são os diferentes componentes que funcionam.

Como exemplo, o presidente da SBPC frisa ter visto a exposição sobre o Ceflora e a discussão da formação de habilidades técnicas, de pessoas para trabalhar. "Isso tem muito pouco a ver com a Universidade da Floresta que estamos considerando enquanto saberes tradicionais".

Curso de informática ou de turismo do Ceflora, diz Candotti, é importante que se faça. "As pessoas precisam de trabalho. Precisam aprender a consertar a bomba elétrica ou o motor do automóvel. Existe gente que quer fazer isso, precisa de emprego e isso é bom".

Ele menciona outro projeto do Ceflora, o de uma escola flutuante para ir às aldeias e levar ou registrar alguns conhecimentos e fazer uma oficina de teatro, no sentido de uma construção conjunta, participativa.

Outro item citado por Candotti é que "existe a necessidade de estudar como se estuda nos departamentos de fronteira, por exemplo determinadas secreções de sapos. Isso não vai se fazer com meios-laboratórios. É preciso se ter os laboratórios em condições de ter as pessoas competentes para levar este estudo às fronteiras do conhecimento", pontua.

Estes laboratórios, segundo Candotti, "serão povoados por pessoas de diferentes origens mas de elevada especialização, de formação muito particular. Alguns deles serão sensíveis aos conhecimentos tradicionais. Outros preferem assistir TV nas horas livres", explica.

"Mas são igualmente importantes e devem estar nesses laboratórios".

Outra recomendação prática que Candotti faz é a realização de um seminário de dez dias com pessoas que detém conhecimento para a apresentação de laboratórios até chegarem a um acordo, qual o alcance e a dificuldade do projeto.

Para ele, há de, no evento, manter as especialidades, linguagens, modos de transmissão. Como exemplo simples da interação dos saberes, menciona o conhecimento indígena: "como se faz uma oca sem ferro e cimento, que poderia intervir na vida da arquitetura".

O jornalista cearense Flamínio Araripe escreve de Cruzeiro do Sul (AC) para o Jornal da Ciência, onde pode se pode ler, ainda, as reportagens Centro Vocacional Tecnológico (CVT) da Floresta deu origem ao Centro de Formação e Tecnologias da Floresta (Ceflora), Ashaninkas criam escolas para ensinar brancos no Acre, em Marechal Thaumaturgo, no Acre, Reunião Regional da SBPC em Cruzeiro do Sul: Reitor da UFAC se coloca a serviço da nova Universidade. Recebi a visita de Flamínio hoje e mais tarde vou publicar uma entrevista que fiz com o jornalista, que estava ausente do Acre há 17 anos. Trabalhamos como repórteres em Rio Branco durante bons anos.

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