segunda-feira, 4 de dezembro de 2006

VÁ ENTENDER MAQUIAVEL

Leila Jalul

Qual o nome daquele rio que subimos, lá pelos idos de 63 ou 64? Estávamos eu, doutor Gilson dos Santos Moreira, dois guardas da extinta Sucam, uma mulher que aplicava injeção de forma tão delicada que o calombo subia na hora, e, claro, o pessoal de bordo do batelão.

A partida, sempre aperreada. Tinha que ver se estava tudo em ordem. Libras de vela, querosene, fósforo, leite condensado, bolacha, farinha, uns quilos de jabá, a bolsa do doutor, sacolas e mais sacolas com quinino, algumas doses antitetânicas, outro tanto de benzetacil, licor de cacau Xavier, lanternas, neurofosfato, meracilina, calcigenol irradiado, sulfato ferroso. Uma tralha e tanto. Tudo conferido, hora de de partir.

Doutor Gilson me chamou num canto e perguntou se “a menina” estava bem guardada no forro de minha casa. Tudo afirmativo. A menina era uma metralhadorazinha meio furreca, feia e arranhada, tratada, não sei porquê, com muito cuidado e muito mistério.

Rio acima, passávamos a maior parte do tempo calados, ou gritando. Aquele barulho infernal não permitia outra situação: pá-pá-pá-pá. Foi então que avistamos, numa pequena ubá, em sentido contrário, um homem e um menino que acenavam para o nosso comandante. Deram um recado e continuamos.

Pouco acima, uma parada. E ali, numa casa limpa, uma senhora de rosto duro nos recebeu, conversou com o doutor e nos mostrou três pequenos túmulos já cobertos e dois em fase de escavação. A maligna terçã estava fazendo a festa. Duas outras crianças agonizavam, muito mais pra lá do que pra cá. Tudo anjinho.

Deixamos o local, pois havia mais gente esperando. Deixamos o local na certeza de que ela teria forças para tomar as providências, quaisquer que fossem os desígnios de Deus. Essas cenas eram comuns. E tristes. E tinham progressão geométrica.

No retorno, o canteiro dos anjos estava todo preenchido com mais seis vítimas da malária. Eu tinha 15 ou 16 anos e uma coisa me chamou atenção demais da conta: o nome da mulher era Fortunata.

Leila Jalul é cronista colaboradora do blog.

2 comentários:

Anônimo disse...

Leilíssima, na minha próxima ida a "Rio Branco city", vou te alugar, marcar em cima, ficar na tua cola.
Precisamos transformar teus belos textos
em canções. Estou tentando viabilizar um projeto de disco só com canções
ribeirinhas. Pessoalmente te falarei da
forma que pretendo dar aos causos. Quanto as canções, deixa comigo!
Tá vendo só ? É blogando que a gente se entende muié...

Beijús e tapiocas

Sergio Souto

Anônimo disse...

Vou te aguardar. Um homem que sonha com fusas e semifusas procurando uma mulher confusa, se não der música, vai render, pelo menos, uma boa conversa.
Um beijo.
Vc leu o Salão do Tajá?