terça-feira, 1 de agosto de 2006

EU NÃO GOSTO DO ACRE

Juarez Nogueira

É um lugar cheio de riscos. Inclusive, o de esbarrar com o "fundamentalismo acreano". Não é difícil esbarrar em riscos e fundamentalismo em qualquer lugar. Risco é toda convivência, conivência também. Fundamentalismo é todo comportamento que não observa o fundamental: a tolerância.

É intolerável, o a.C.RE. Ali, a estranheza não dá aviso prévio. É outro mundo, outra cultura.

A cultura, ao contrário do que se supõe, é, e sempre será, fonte, se não objeto, de mal-entendidos e conflitos. As diferenças culturais separam, distinguem, pré-conceituam, classificam, fazem indivíduos extremados (olhe que eu não disse "radical", que vai na raiz das coisas), alimenta maniqueísmos, contra ou a favor, bem ou mal, preto ou branco, xiita ou sunita, peta ou pita, pota ou pata.

A cultura não é, por si, capaz de converter o homem à tolerância, livrá-lo da barbárie, destituí-lo das incompatibilidades, digamos, própria da sua natureza. Antes, costuma ser a divisa para atacar as "leis da comunidade, a liberdade e a propriedade dos cidadãos", no dizer de Locke. A honra, talqualmente.

O a.C.RE tem leis próprias da sua cultura, costumes desconcertantes, exóticos para o turista acidental, rudezas incrustradas no próprio nome - acre: amargo, áspero, aflitivo, doloroso, feito a história desse lugar. Que é bom conhecer, a história, digo.

Eu não gosto do Acre. Muita gente não gosta. Muita gente manifesta seu (des)contentamento, seu (des)gosto. Cria, para isso, até comunidade em espaços tão tolerantes como casa de porta aberta num tal orkut, que abriga montes de comunidades de nada para coisa nenhuma, e consegue bandos de adeptos (in)tolerantes, (des)contentes, (des)gostosos.

E aí é que está: engana-se quem pensa que, nesse espaço, o (des)contentamento ou o (des)gosto está protegido pela privacidade, pelo sigilo, pela isenção do ônus de que, se o desabafo é livre, quem tem mais cultura, visão mais ampla, enfim, o mais civilizado tem também de ser mais responsável pela tolerância. Não é questão de opinião apenas, é de atitude mesmo. Respeito.

Mas recomenda-se não entender por tolerância o espírito escancarado a ofensas, asneiras, a futilidades que sejam. Porque toda tolerância se aloja, com o tempo, nas "leis da comunidade": vira direito adquirido. E há tolerâncias intoleráveis, bem mereceriam espaço e debate aqui, ali e alhures. Por isso também, pelo "consenso adquirido" há comunidades intolerantes.

No Orkut, nas civilizações, na vida. Algumas virulentas, infiltradas de violência e rancor, fadadas ao massacre (sem trocadilhos, por favor) do "diferente". Outras, parecem inofensivas, não mais que careta na cara de quem faz, um lapso da inteligência ou da gentileza reparável com o reconhecimento do erro, um sincero pedido de perdão com o propósito de não ser reincidente.

Alguém disse que não voltam a flecha atirada, a palavra dita, a oportunidade perdida. Há uma oportunidade que não quero perder, a de dizer que não gosto do a.C.RE. Não porque pareça um lugar do tipo ame-o ou deixe-o, "encômio" este que já motivou tanta intolerância nesse país todo ele surreal.

Também não é por motivações pessoais, com as quais costuma-se ser mais "leniente". Mas é porque permanecer, ali, exige um amor difícil que deixa intolerante o coração desavisado, e não se permite suportar sem indulgência como saudade em longa distância, sem eira nem beira.

Eu não gosto do a.C.RE. Eu amo.

O escritor mineiro Juarez Nogueira mora em Divinópolis (MG). Ao ver o artigo no blog, Nogueira complementou com a seguinte mensagem:

- Grato pela distinção, filho do Alto. Para pontuar: quando terminei o texto "Não gosto do a.C.RE", fui espiar a TV. De cara, uma chamada do Jornal da Globo sobre a guerra Israel X Líbano anunciava: "Israel descobre que é mais fácil começar uma guerra do que terminar." [...] Essa discussão sobre o casal paulista pode ensinar bastante, vale sobremaneira o alerta de que orkuts e nets não são "terra de ninguém" e a reação está no corpo das "leis da comunidade". Tenho certeza de que a dupla vai recapitular. Eu aprendi muito, inclusive, quero usar o material, com fins didáticos, numa próxima aula com meus jovens alunos.

4 comentários:

Anônimo disse...

Alguém, cujo nome sumiu por causa de desconfiguração na caixa de comentários, deixou a mensagem:

"Eu também amo o ACRE. Quando falam da comida minha saliva aumenta. Quando falam do calor e da umidade, minha pele arrepia de desejo. Do Alto Santo, meu coração se dissolve. Das lutas das comunidades tradicionais e antigas, minha fé no homem ganha força. E vou sonhando o sonho de algum dia, breve ou longe, colocar os pés na terra Acre.E que importa o gostar alheio??

Anônimo disse...

Eu às vezes me pergunto quais as diferenças entre morar no AC ou em qualquer outro Estado da Federação.
Eu nasci em um Estado, aos 17 anos fui morar no Acre, convivi com o povo durante 26 anos e me tornei acreana de coração. Hoje moro em outro Estado e mesmo assim cultivo e continuo amando a "minha terra" onde vivi anos maravilhosos e tive meus filhos acreaníssimos. Não gostar de um lugar é um direito e pode até ser compreendido pela saudade que se sente da terra de outrora, contudo, respeitar o local e o seu povo é um direito do acreano (povo, comunidade, tradições etc etc). Eu também não gosto eu AMO o ACRE e sinto falta do cheiro da terra molhada após uma chuva (toró ou pé d'água), dos ipês nas floradas, dos igarapés e tudo o que conheci. Basta a quem quiser gostar do ACRE olhar o lado bom de tudo que ai existe. Onde a gente vive se olhar ao nosso redor existe e sempre existira algo de belo e diferente que fará enriquecer a nossa vida.
Quem é de outra região e vai para o ACRE passa por uma "saudade territorial", mas, depois ela passa e vem o troco quando se sai da terrinha a gente nunca mais esquece a terra amada e fica se sentindo exilada do local que adotou no coração. EU AMO O A C R E em cada letra e em todas opções possíveis.

Anônimo disse...

Amor ao Acre ... sou acreana tanto de nascimento quanto de alma. Não moro mais nessa terra abençoada, porém sinto no meu peito uma saudade intensa, imensa e completa. Os melhores anos da minha vida estão aí ... ainda tenho muitos amados e isso é mais um delícioso pretexto pra sempre visitar o meu pedaço de chão.
Não existe hino mais belo, não existe povo mais guerreiro, não existe lugar melhor de se viver ... o Acre é uma terra de sonhos. Problemas, claro que existem, mas, todos eles são consertáveis ...
Sou tão apaixonada pelo meu estado que decidi fazer minha monografia sobre esse lindo paraíso.

Anônimo disse...

Thaís, manda uma cópia da monografia para meu e-mail.