quarta-feira, 19 de julho de 2006
RIOS DE ESGOTO E LIXO
Voltei ao pier do Hotel Tropical depois de uma viagem ao Parque Nacional do Jau, iniciada no domingo, após a cerimônia da benção ecumênica que reuniu indígenas e líderes das quatro maiores denominações cristãs.
- A destruição ecológica é um pecado contra Deus e a criação - afirmou Bartolomeu I, o Patriarca Ecumênio de Constantinopla.
Naquela manhã, o papa de 250 milhões de cristão ortodoxos, que preside o simpósio internacional de uma semana sobre religião, ciência e meio ambiente a bordo do navio Iberostar, foi saudado pelos pajés Raimundo Dessana, Feliciano Boniwa e Estevão Tucano.
O "pajé" Raimundo Dessana havia varado a noite de sábado até a madrugada do domingo tomando cerveja e cachaça nos bares da Ponta Negra. Ao amanhecer, ficou exaltado e quis brigar ao ser acordado pela tripulação do barco para comparecer à cerimônia.
Raimundo acabou aparecendo para o mundo à frente de uma dança ritual ao som de flautas. Ele abençoou o patriaca, dois cardeais católicos - Roger Etchegaray, enviado do papa Bento XVI, e Geraldo Majella Agnelo, arcebispo de Salvador - o bispo anglicano de Liverpool, James Jones, o reverendo Tor Jorgensen, bispo luterano da Noruega, e os metropolitas ortodoxos de São Paulo, Damaskinos Mansur, e de Buenos Aires, Tarassios.
Quando começou a falar, Raimundo se desculpou por seu português e afirmou que cura todas as doenças que a medicina dos brancos não consegue curar. Mencionou seu nome católico e sua religião indígena e defendeu os direitos dos povos nativos na Amazônia.
Poucos perceberam que o balanço da balsa Lady Irene, no encontro das águas dos rios Negro e Solimões, agravava os passos trôpegos do "pajé". Ele estava zonzo mesmo em decorrência da ressaca. Raimundo chegou até a reclamar do jornalista Humberto Amorim, um dos tradutores durante o evento.
- Não sou pajé. Eu sou líder espiritual.
A índia yawanawa Kátia Hushahu, na foto ao lado com o ambientalista Fábio Feldmann, se tornou a primeira pajé brasileira, mas teve que se resignar para assistir a cerimônia conduzida pelo velho dessana. Quem convidou Kátia não teve força para assegurar a participação dela na cerimônia de benção das águas.
- Percebi logo que aquele pajé não estava bem, mas não imaginei que fosse por causa de bebida - observou a índia acreana.
Kátia, que está há mais de um ano em abstinência sexual e alcoólica, no domingo permaneceu em jejum e até sonhou com o que deveria fazer durante a cerimônia.
A dimensão religiosa do debate sobre a preservação da Amazônia, tendo como foco a questão das águas, está sendo acompanhada de onze embarcações com dezenas de cientistas, ecologistas e representantes de governo. Todos têm cumprido uma extensa agenda (palestras, passeios) enquanto o gigante navio Iberostar e mais 10 confortáveis lanchas deslizam sobre as águas do Rio Negro.
Todos os barcos dispoem de gente para servir café da manhã, almoço e janta. Entre convidados, guias, tripulação e pessoal de apoio, são mais de 400 pessoas. Dá para imaginar a quantidade de lixo que tanta gente produz.
Dizem que as lanchas possuem equipamento para tratar os dejetos de seus hóspedes. Mas o que é "tratado" é lançado dentro dos rios Negro, Solimões, Amazonas etc. A lancha Hélio Gabriel, na qual tenho viajado, por exemplo, teve que se afastar cerca de 200 metros do pier, durante a manhã de hoje, porque alguém puxou a descarga com papel higiênico e preservativo no vaso sanitário.
A tubulação de esgoto entopiu e os dejetos foram lançados no Rio Negro, durante uma operação típica da navegação amazônica. Duvido que alguém tenha dito ao Patriarca Bartolomeu que o Rio Amazonas, fonte de vida, funciona também como lixeira e esgoto de todas as cidades da Amazônia.
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