sábado, 17 de junho de 2006

FIM DO SONHO



Lysias Ênio


O tempo é como o vento. Lá se foi o mês de abril como folha que se desprende do calendário da parede. A noite chegou um dia mais cedo. Eu pensava que era amanhã. Não, é hoje!

Engraçado, eu deveria estar contente, afinal estava voltando para casa. O vôo como sempre atrasado. Que importa? Sobrou mais tempo para por à prova uma dúvida, passada e presente, suco de graviola ou de cupuaçu? - e os últimos cigarros.


O avião bateu asas, levantou o bico e saiu correndo atrás dos ponteiros do relógio. Ainda assim, me sobraram duas horas de vantagem antes que me ultrapassassem, recuperando o tempo atrasado. Aproveitei as horas armazenadas no fuso horário, reclinei a poltrona, fechei os olhos na direção do sono e deixei o sonho me embalar mais próximo do céu.

Caminhei à beira do rio de águas claras, na altura em que acreditava, em seu leito, encontrar a fonte barrenta capaz de saciar minha sede de filosofia, amor e sexo, não necessariamente nesta ordem, e que verbalizo em versos, papos furados e letras de música. Mensagens a garcia (ou a Galvez), lançadas ao sabor da correnteza, descendo de bubuia, sem leme, sem velas, sem destino. Quem sabe, uma delas, consiga transportar-me no sentido trigonométrico da História.

Mesmo que o caminho do sonho seja a escolha errada, quero conviver com a minha cabeça, se possível, no paraíso sem pecados originais. Ou, em segunda mão, na aceitação do imponderável, na recusa do improvável e até mesmo do impossível. Quero banhar-me, outra vez, na mesma água do rio, apesar dos sofistas.

Em conclusão, vou seguir minha viagem itinerante, vaga, oposta à luz, nas sombras da cadeia do pensamento. Acendo vela devota, coloco lenha na fogueira e fico pensando contradições. Amanhã é o cotidiano com sua carga de afazeres, compromissos e conveniências. O resto é resto, e nenhuma divisão é perfeita.

No pouco tempo da lembrança, voltei a ser criança. Descobri coisas novas com olhos de adulto, relembrei antigas paisagens emolduradas nos olhos da infância. As lições e os frutos do aprendizado.

O sonhos, bem os sonhos mais distantes são os que conseguimos chegar mais perto. De repente, uma palavra fez o céu mudar de cor:

- Senhores passageiros, dentro de poucos minutos estaremos pousando no Aeroporto Antônio Carlos Jobim.

Fim do sonho.
O tempo é como o vento, a favor ou contra.

Lysias Ênio enviou o texto com a seguinte observação: - Véio, enquanto você espera poesia, eu fico "prosa".

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