sábado, 8 de abril de 2006

SERVIÇOS AMBIENTAIS

Para Stiglitz, Brasil tem de cobrar compensação por manter Amazônia

José Meirelles Passos

WASHINGTON. Ousado e intrigante em suas manifestações públicas, como de costume, Joseph Stiglitz prêmio Nobel de Economia, procurou fugir ontem dos clichês utilizados pelos economistas internacionais ao analisar o Brasil. Convidado especial do Banco Mundial (Bird) para o seminário “Contrastes do Desenvolvimento — O Surpreendente Caso do Brasil”, ele destacou um fator que habitualmente é deixado de lado pelos demais: o meio ambiente.

Segundo Stiglitz, o Brasil está precisando encontrar uma forma de cobrar do resto do mundo por um serviço que atualmente fornece gratuitamente. O resultado disso poderia ajudar significativamente no crescimento do país, afirmou.

— O Brasil fornece enormes serviços ambientais ao mundo (mantendo a floresta amazônica) e não é compensado por isso. O valor desses serviços é enorme, e o mundo não paga nada por eles — ressaltou o economista.

Nobel atribui falta de investimento a juros altos

Stiglitz sugeriu que o governo brasileiro tenha uma postura mais firme nesse sentido, insinuando que o próprio país não estaria se dando a devida importância como “o pulmão do mundo”, como é habitualmente classificado:

— É imperativo que a voz do Brasil seja ouvida nas questões ambientais — afirmou Stiglitz.

Segundo ele, apesar dos problemas persistentes, o Brasil “é um modelo de sucesso”. Mas, estranhamente, é vítima de uma contradição:

— O país se excede no crescimento de suas exportações sem, ao mesmo tempo, conseguir fazer crescer a sua economia. É incrível que o Brasil consiga exportar tanto e, ao mesmo tempo, resistir ao crescimento econômico — disse o economista, em tom irônico.

Pelas suas estimativas, isso se deve a um fator específico: o baixo índice de investimentos realizados tanto — e principalmente — pelo governo quanto pelo setor privado. Isso, no entanto, também tem a sua razão:

— Não há um volume de investimentos necessários porque as taxas de juros são muito altas no país.

Segundo Stiglitz, a atual imagem positiva do país nos mercados internacionais é muito útil, mas confiar apenas nela e nos fluxos de capital estrangeiro seria “um risco estratégico”. Ele acredita que o país não deve depender dessa fonte “pois ela é extremamente volátil”.

— Vejo uma enorme capacidade de mudanças para melhor, em várias áreas no Brasil. O que me intriga é uma questão: por que isso não contagia toda a economia brasileira?

Stiglitz enlaçou elogios com críticas em tom de sugestões. Afirmou, por exemplo, que o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) “é mais bem-sucedido que o próprio Banco Mundial”, e que o crescimento econômico brasileiro — que tem sido menor do que permite o potencial do país — “seria pior se não fosse pelo BNDES e outros bancos regionais”.

Economista: pobres estariam melhor sem governo

Um dos problemas mais agudos, na opinião do economista, são as altas taxas de juros, que sobrecarregam cada dia mais a dívida interna do próprio governo:

— Uma das coisas que mais contribui para que os juros sejam tão altos no Brasil é a política monetária. Ela é excessivamente apertada. E foi concebida com o fim de se obter credibilidade dos mercados. Hoje, no entanto, já existe espaço suficiente para um afrouxamento das restrições — disse Stiglitz.

Peter Hakim, presidente do centro de estudos hemisféricos Inter-American Dialogue, que também participou do seminário do Bird, usou um tom irônico. Ele disse que o combate à pobreza no Brasil soa, há vários governos, apenas como uma retórica, sem compromisso prático real. E concluiu:

— Pensando bem, eu acho que os pobres do Brasil se dariam melhor sem governo.

Fonte: O Globo

3 comentários:

Anônimo disse...

É para análises como essa q servem os intelectuais. Pena q tão poucos ousem assim. A maioria parece com medo de ofender o "sistema".

Anônimo disse...

Quando o mundo mergulhou no experimento liberal que configura os rumos econômicos com perversos resultados sociais, o professor Stiglitz era membro da burocracia que montou o controle sobre os Estados Nacionais - baixos níveis ou nenhum crescimento, elevação dos níveis de desigualdade entre pobres e ricos e entre nações, etc. Procura penitenciar-se hoje tecendo críticas ao sistema, mas, prestando um pouco mais atenção, seus conselhos consideram a necessidade da adesão ao sistema liderado pelos EEUU, apenas, que os governos mantenham certo grau de independência. Isso evidencia-se, por exemplo, quando comenta o papel desempenhado pelo BNDES e pelos bancos regionais. Antes da pura e simples destruição dos bancos estaduais e o enfraquecimento dos bancos regionais e do BNDES, caberia um saneamento desses bancos e o fortalecimento de um sistema nacional de financiamento da produção. Hoje, situações, como a brasileira, corresponde a ausência de independência operacional do governo para operar políticas monetárias e fiscais independentes. A política econômica brasileira atende exclusivamente o objetivo de inflação zero, sustentando o poder da moeda nacional em função das reservas que o país possa construir a partir de saldos operacionais (primários) associados a capacidade de transformá-los em moeda internacional - o crescimento apoiado nas exportações é uma exigência dos ajustamento impostos a economia nacional, através dos acordos de condicionalidades firmados com o FMI.
Abandonada qualquer tentativa de apoio aos componentes da demanda interna, apenas assistimos a ampliação das condições miseráveis as quais se submete parcela considerável e creescente da população e o abandono de mudanças ou reformas em benefício da população, entre as quais a reforma agrária. E muita coisa mais desce ladeira abaixo com o afastamento e aconstrução da impossibilidade operacional do Estado: destruição do sistema educacional brasileiro, desmontagem da base de cuidados com a saúde, incapacidade de reformar o sistema de seguridade social, etc., etc.

Anônimo disse...

É um assunto extremamente interessante e gostaria de sugerir algumas bibliografias a respeito.
Página de Gregory Palast
CHOSSUDOVSKY, Michel. A globalização da pobreza: impactos das reformas do FMI e do Banco Mundial. São Paulo: Moderna, 1999. ISBN 8516022129
PALAST, Greg. A melhor democracia que o dinheiro pode comprar. São Paulo: W11 (Francis) Editores, 2004. 384 p. ISBN 8589362264
PASSET, Rene. Elogio da Globalização por um Contestador Assumido. Editora Record, 2003. ISBN: 8501065595
PASSET, Rene. A ilusão neoliberal. Editora Record, 2002. ISBN 8501061077
PERKINS, John. Confissões de um assassino econômico. São Paulo: Cultrix, 2005. ISBN 8531608805
STIGLITZ, Joseph E. A Globalização e seus Malefícios. São Paulo: Ed. Futura, 2002. 256 p. ISBN 8574131210