sábado, 1 de abril de 2006

O CRIME E O CRIMINALISTA

Por Elson Martins (*)

Eu nunca imaginei que algum dia veria Sherlock Holmes ou Poirot em carne e osso, cavando e praguejando em volta de um crime!

Em 2003, porém, acompanhamos (Binho Marques, Simony D'Avila e eu) o criminalista Océlio Medeiros (foto) numa visita aos locais em que Plácido de Castro foi emboscado, morto e enterrado há cerca de cem anos.

No antigo seringal Beija-Flor, após a travessia do igarapé Distração, o caudilho da Revolução Acreana levou dois tiros ao amanhecer do dia 9 de agosto de 1908. Não muito distante (no seringal Benfica) foi enterrado dois dias depois com o coração que pediu que fosse arrancado, partido e enviado à mãe e à sua noiva no Rio Grande do Sul.


Acreano de Xapuri, poeta e escritor, ex-deputado federal pelo Estado do Pará, ex-isso e ex-aquilo - pois foi quase tudo na vida, além de anarquista - Océlio caminhava apoiado numa bengala, o que nos fez ponderar se agüentaria equilibrar-se sobre terrenos irregulares no meio do mato.

Como resposta, ouvimos ele resmungar algo sobre os velhos, que deviam ser exterminados ou algo parecido. Entretanto, seguiram-se algumas provas de resistência e ele atravessou incólume uma cerca de arame, antecipando a bengala e abrindo as pernas em arco; depois, quase serelepe, atravessou uma ponte, subiu e desceu ladeiras, querendo, ainda, penetrar um cipoal atrás de uma sapopema secular, talvez a prova do crime.


Com os cabelos brancos desgrenhando sobre um rosto que arfava, mas questionava tudo, até a masculinidade de um dos emboscados, nosso Poirot indagava em eco para a floresta e o século decorrido: Por que Genesco, militar treinado, que ia a frente, não voltou a tempo de socorrer o irmão após o primeiro tiro? Por que o advogado Alves Maia, que ia lá atrás se embrenhou no mato abandonando sua égua? Por que o dentista Campelo ficou em estado de choque e só atrapalhou? Por que o seringalista Joca Rola, acionado pelo pajem Chico Melo, não tomou providências para cercar os assassinos, todos conhecidos? Quem tocou fogo no local apagando as provas do crime?

A morte foi anunciada. Nos dias que antecederam a emboscada, na vila de Rio Branco (hoje segundo distrito), o coronel Alexandrino, cupincha do prefeito Gabino Bezouro, fez arruaça no hotel 24 de Janeiro desafiando algum amigo de Plácido a experimentar a ponta de sua “peixeira”.

O prefeito não tinha uma equipe administrativa, mas um bando de criminosos que ameaçava juizes, advogados e seringalistas que discordavam do poder federal que representava. Até o Presidente da República, Afonso Pena, está no rol de suspeitos de Océlio Medeiros. “Plácido de Castro era um mito, eles o mataram por medo”, disse o criminalista.


A mando de Plácido, o pajem Chico Melo cedeu sua égua para o advogado José Alves Maia e foi a pé, na frente. Pela ordem, seguiram a cavalo, no dia 8, com destino ao seringal Capatará: Genesco, Plácido, o dentista Campelo e Alves Maia. Pernoitaram no Riozinho, prosseguindo ao amanhecer do dia 9. No igarapé Distração, Chico Melo havia sido interceptado por dois capangas de Alexandrino - um negro de nome Eugênio e o mateiro, de quem arrancaram as informações sobre quem vinha atrás. Quando o soltaram, foi buscar socorro junto ao seringalista Joca Rola, do Benfica, que fez cena mas agiu como suspeito.

Na passagem pela moita da Sapopema, Plácido de Castro levou o primeiro tiro, saído de uma Manulicher - moderna arma fabricada na Suiça e importada da Alemanha. Atingido, não caiu, controlando seu cavalo branco, enquanto Genesco voltava 80 metros para socorrê-lo. Mas veio o segundo tiro,de um rifle 44 papo amarelo de cano oitavado. O que se seguiu foram momentos de um herói morrendo.

Océlio de Medeiros sugere uma peça de teatro em três atos para narrar esse crime ignominioso. O primeiro ato seria sobre os antecedentes na vila de Rio Branco, num mês de boatos e intrigas (o Hotel 24 de Janeiro, mais tarde Hotel Madrid, era o cenário). O segundo se daria na travessia do igarapé Distração e na moita dos assassinos, sabe lá quantos. E, finalmente, o terceiro ato, da agonia e da omissão das autoridades contra um guerreiro respeitado e amado.

O criminalista poeta sugere estes versos para o cair do pano:

“Cedro, aguano, castanheira,
A derruba nada acata!
Mas quem foi, meu seringueiro
Que te tombou na tua mata”?

Nota: Pedi ao jornalista acreano Elson Martins, assíduo colaborar deste modesto blog, que apresentasse Océlio Medeiros aos leitores em decorrência de três entrevistas em vídeo que fiz com ele recentemente. Eis (abaixo) a segunda.

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