sábado, 4 de março de 2006

IMPONENTE PORTO WALTER



Por Elson Martins (*)

É a segunda cidade do alto Juruá, localizada na margem esquerda do rio a 15 horas de barco de Cruzeiro do Sul. Sua imponência está no conjunto construído pelos religiosos alemães da ordem do Divino Espírito Santo: igreja, colégio e pensionato. De longe a gente se impressiona com a arquitetura inimaginável no barranco por onde se estende a pequena cidade cravada na floresta.

Visto de perto, o conjunto dá sinais de decadência, o que se explica pela troca dos padres e irmãs endinheirados por outros, nem tanto, da ordem dos maristas. O famoso pensionato que em décadas passadas internava filhas de seringueiros que se tornariam freiras funciona agora como uma pensão ou hotel com diária de 10 reais.

A rua de frente para o rio conta com uma pracinha atraente onde se reúnem grupos de adolescentes e uma criançada alegre e faceira. É o “point”, o palco para shows., exibição de vídeos, pregação religiosa e boa conversa.

Nossa expedição armou o barraco lá para exibir dois filmes: “Auto da Compadecida”, versão cinematográfica da peça do pernambucano Ariano Suassuna; e um outro sobre a saga dos Soldados da Borracha. Agradaram a gregos e troianos.

A cidade chamou atenção da expedição pela simpatia e liberdade das crianças que enchiam a praça numa segunda-feira. Elas corriam, se juntavam em cantigas de roda e abordavam, curiosas, os visitantes: todas soltas, sem as mães vigiando de perto. Aparentemente, são rebentos de uma pequena sociedade segura e tranqüila.

A televisão com as novelas se impõem, claro, como principal atração nas primeiras horas da noite; e influem nos moldes da roupa dos adolescentes; mas não apagam (tivemos essa impressão) as histórias, os mitos, as tradições culturais da vida na floresta.

Ou seja: esse município de 6 mil habitantes (menos de 2 mil na cidade) que faz limites com o Peru, Cruzeiro do Sul, Tarauacá e Marechal Thaumaturgo, com área de 6.136 quilômetros quadrados, tem chance de se tornar sustentável.

Cobra e mapinguari
Na parte da tarde, sob um calor intenso, mantive uma prolongada conversa com alguns pioneiros do município, entre eles o seu Euclides Correa de Paiva, 62, dono de uma mercearia na pracinha Vicente Lopes. Ele falou de economia, administração, comportamento dos jovens, política, e com a ajuda de outros entrou na história do Mapinguari.

Euclides disse que sua cidade está melhorando. Reconhece avanços na educação e aponta precariedade no atendimento da saúde . A borracha acabou, diz, mas a agricultura cresce, principalmente com a produção de farinha que é comercializada em Cruzeiro do Sul.

Os antigos seringueiros estão abandonando as colocações no centro e se assentando nas redondezas da cidade. Aí abrem roçados de mandioca, milho, feijão e arroz. Alguns médios fazendeiros da região matam de 4 a 5 bois por dia, o que atende com sobra a população. Uma parte desta, porém, prefere se alimentar de peixe e carne de caça. A caça seria de subsistência, dentro da lei.

Um senhor que acompanhava a conversa fazia algum tempo, decidiu falar também. Chama-se Laire Brandão da Silva e já foi seringueiro. Demonstrou apreço pela atividade e não se fez de rogado para explicar porque a borracha não vinga mais:

- Primeiro, porque não tem preço. Segundo, porque os antigos seringueiros estão velhos e a moçada de hoje não tem coragem de cortar seringa no meio do mato, enfrentando onça e outros bichos.

Seu Laire mostrou-se intolerante com a situação que descreveu, chegando a declarar que boa parte dos jovens “não faz nada”. Foi além disso: usou de ironia afirmando que “se a gente mostrar um terçado a um deles, vai pensar que é uma cobra”.

Alguns minutos depois, ponderado, falou que os jovens da floresta não são irritados, gostam da cidade e não querem sair para outro canto.

Um terceiro personagem, Francisco Antônio Rodrigues de Moura (foto), mostrou-se corajoso ao tratar do tema que beira a pilhéria: o Mapinguari. Contou que conhece alguém que matou um filhote do bicho. Ele mesmo, enquanto caçava numa região remota na companhia de outro seringueiro, Wilson Batista, teria chegado muito próximo do animal. O bicho vinha gritando e fedendo muito.

Francisco viu os cipós retorcidos, bacabeiras grossas que o bicho dobrava com uma força descomunal, como se quisesse comer o palmito do olho da palmeira. Ele viu também o rastro redondo e medonho, indicando patas viradas para trás. Sobre o filhote abatido, acrescentou que alguns americanos que se encontravam na região foram lá ver e levaram cabelos para estudo.

A história do Mapinguari foi confirmada em outras comunidades durante a expedição e será tema de um dos textos desta série. Trata-se, no mínimo, de uma lenda amazônica inquietante.

(*) Elson Martins é jornalista acreano.

Um comentário:

Clelia Costa disse...

Acessei seu blog por acaso,tendo em vista minha pesquisa de doutorado estava a procura dos vestígios do convento e não encontrei nenhum rastro. Sei que ele existiu, estudei nele nos anos 68-69. Tenho lembranças do Seminário dos homens e o convento das meninas. Do poço muito fundo em que retirávamos água cristalina, das matas verdes em torno do convento, o pomar que cercava todo espaço da igreja e do convento.
Meu interesse era saber o nome do convento e do seminário, mas nada encontrei.
Seria interessante resgatar esta parte histórica com fotos no seu blog.
Ainda assim suas informações foram importantes. Abraços
Clelia Costa