quarta-feira, 15 de março de 2006

HÉLIO MELO E O ACRE



No final de fevereiro, na nota "Viva Hélio Melo", anunciei com exclusividade que o artista seria destaque na próxima edição da Bienal Internacional de São Paulo, de 7 de outubro a 17 de dezembro. Posteriormente, no dia 1 de março, na nota "Hélio Melo na Bienal", anunciei a presença, no Acre, do produtor cultural Bartolomeo Gelpi, que veio catalogar obras do pintor acreano que poderão ser selecionadas para a exposição. Hoje foi a vez do jornal Folha de S. Paulo destacar, na capa do caderno Folha Ilustrada, a obra de Hélio Melo. O jornal também cita a minissérie que a novelista Glória Perez vai escrever sobre o Acre, outro assunto abordado aqui com exclusividade, quando ela realmente começou a trabalhar na criação da obra. Esse modesto blog sempre serve. "Sempre Serve" é o nome do conjunto musical criado pelo saudoso Hélio Melo. Transcrevo a reportagem da Folha:


Pouco conhecido, artista do Acre vai ser estrela na Bienal

FABIO CYPRIANO
da Folha de S.Paulo

O papel de parede da tela do laptop de José Roca, um dos quatro co-curadores da 27ª Bienal de São Paulo, é um detalhe de uma pintura do artista acreano Hélio Melo (1926-2001). Praticamente desconhecido no circuito da arte, Melo tem uma vinculação muito mais óbvia com arte popular, o que, possivelmente, trará surpresa aos iniciados na produção contemporânea quando o detalhe de sua tela sair do computador de Roca e chegar às paredes da Bienal, no próximo mês de outubro.

"Conheci o trabalho de Hélio Melo durante minha viagem de pesquisa a Rio Branco pelo programa Rumos Visuais, do Itaú Cultural. Foi no Acre, enquanto eu estava escrevendo meu projeto conceitual para a Bienal, que eu tive a intuição que esse Estado tinha uma riqueza histórica e geográfica absolutamente pertinente para a discussão de "Blocos Sem Fronteiras" que, naquela ocasião, era o título da Bienal", diz a curadora Lisette Lagnado, responsável pela mostra, finalmente intitulada "Como Viver Junto".

No projeto com o qual concorreu para a Bienal, Lagnado havia criado sete blocos e o Acre era um de seus temas. Atualmente, os sete blocos se transformaram em dois grandes eixos --Projetos Construtivos e Programas para a Vida--, mas o Acre se mantém na Bienal não só como tema de um dos seminários mas como local de residências artísticas.

"Não há produção contemporânea no Acre. Com as residências, quero deixar sementes na região", afirma Lagnado. Já Roca afirma que, agora, o Estado assumiu dentro da Bienal um conjunto de temas a serem abordados.

Fronteiras
"Discutir o Acre permite aprofundar a própria América Latina, pois além de abordar o que ocorre na região, podemos pensar em questões como território, fronteira, natureza e até mesmo inclusão do outro. A idéia de não trabalhar com fronteiras e sim com noções de vizinhança, coabitação e colaboração faz parte de meu trabalho desde sempre, como crítica e curadora independente. E como eu via quadros de Hélio Melo em quase todos os lugares, principalmente instituições públicas, fiquei fascinada não somente pela pintura, de excepcional fatura, como pela história do personagem", diz Lagnado.

A empolgação da curadora não é isolada. Roca, que cuida da seleção de pinturas de Melo na Bienal e que, por isso, esteve no Acre em novembro passado, tampouco economiza elogios à obra do ex-seringueiro. "Toda a história dele, de seringueiro a artista, que até tocava violino na floresta, é adequada para a criação de um mito local. Entretanto, não se trata de mera curiosidade antropológica --sua produção visual é passível de muitas interpretações", disse o curador, que esteve em São Paulo, na última semana, para participar da reunião dos co-curadores, na qual foram definidos mais artistas que tomarão parte da Bienal, entre eles as brasileiros Lucia Koch, Cláudia Andujar e Marilá Dardot.

Voltando à pintura de Melo, a obra mais admirada por Roca, e que está sempre visível em seu computador, é um trabalho de 1983, sem título, que o curador considera "uma das obras mais fascinantes que encontrei nos últimos tempos".

Em primeiro plano e no espaço inferior, como sempre nas telas do artista acreano, são vistas impressões verdes feitas por folhas, como um carimbo, que simulam uma mata. Já o motivo central da pintura é uma árvore cujos galhos se organizam como uma estrada, possível percurso de um seringueiro a recolher o látex dos caules. "Só sobre este trabalho é possível fazer uma conferência inteira. A obra dele não trata apenas da floresta mas também de questões de território", afirma o colombiano Roca.

O objetivo do curador, no momento, é reunir uma quantidade significativa de obras, e ele diz que 40 seria o número ideal de trabalhos para serem expostos na Bienal. "De tudo que vi, 90% pertence ao Estado do Acre. Li uma entrevista do Hélio Melo, na qual ele diz ter produzido 2.000 quadros. Espero ainda encontrar sua filha, responsável por cuidar de seu acervo, mas ela passa por Rio Branco apenas duas vezes por ano, a cada seis meses", diz Roca.

Ao trazer à Bienal um artista distante dos procedimentos contemporâneos de produção, que em geral falam mais aos iniciados do que ao público em geral, Lagnado busca "romper o preconceito entre o dito "popular" e o "contemporâneo'". "Ele tem algo de Arthur Bispo do Rosário, embora com outras características, e eu sempre gostei de sacudir as narrativas críticas e estéticas em vigor", diz a curadora.


Sergio Camargo era fã da luz dos quadros

MARIO GIOIA
DA REPORTAGEM LOCAL

Foi a luz presente em tela de Hélio Melo que fascinou o escultor Sergio Camargo. Ele se tornou uma das pessoas empenhadas em promover o artista acreano. Em fevereiro de 1980, Camargo (1930-1990), consagrado artista que morava no Rio, estava jogando fora "um convite mal impresso, quando ficou intrigado com a luz da tela", segundo a filha do artista, a roteirista Maria Camargo.

"Ele foi então ao Sesc Tijuca, que sediava a mostra, vazia, e ficou fascinado com a produção do Hélio. Acabou comprando todas as telas", conta ela, lembrando que seu pai e o acreano ficaram amigos e que ele divulgou a obra de Melo para vários artistas mais próximos. "A luz de Hélio Melo ocupa", escreveu Camargo.

Autodidata, Melo viveu da infância até cerca de seus 40 anos entre os seringais. Desde cedo fazia desenhos, mas sem ambição artística, com uma tinta que era extraída do sumo de plantas.

Com cerca de 20 anos, ficou impressionado com um violinista que aparecera na região e quis ter o instrumento. Poupou dinheiro e comprou um violino, que aprendeu a tocar em seis meses, formando até uma banda anos mais tarde, já instalado em Rio Branco. Na capital acreana, desde os anos 60, para onde mudou para ter uma vida mais confortável, trabalhou em diversas funções: catraieiro (barqueiro), barbeiro e porteiro, entre outras.

"Era um homem muito simples, gostava de prosa, mas era versátil: tocava, pintava. Vendia seus quadros muito barato", afirma o colecionador Chagas Freitas, um dos maiores do Acre -parte de seu acervo está exposto na mostra "Além do Muro", na Caixa Cultural Sé, em São Paulo. Freitas tem cinco desenhos de Melo em sua coleção, abrigada em Brasília.

Roberto Rugiero, especialista em arte popular e dono da galeria Brasiliana, em SP -que possui uma tela de Melo- lembra que Pietro Maria Bardi também se encantou com a obra de Melo, em 1983, durante feira no Ibirapuera. "Com o destaque de Hélio na Bienal, a arte popular finalmente volta ao evento", avalia Rugiero.


Estado vai ser tema de série da Rede Globo

DA REPORTAGEM LOCAL

No próximo mês, Glória Perez ("América", "O Clone") viaja com uma equipe da Globo ao Acre. A história do Estado, onde a autora nasceu, será narrada por ela na próxima minissérie da emissora, com estréia prevista para janeiro de 2007.

O título provisório, conta Perez, é "Amazônia - de Galvez a Chico Mendes". A sinopse, em fase final, será entregue à cúpula da Globo após a "expedição" ao Acre.

De acordo com a autora, a série narrará "a conquista do Acre, que é a história de como não perdemos a floresta amazônica já naquele final do século 19". "É uma história tão importante quanto desconhecida no Brasil."

Serão três os heróis da série. O primeiro é Luis Galvez. Financiado pelo governo do Amazonas, ele tirou o Acre do domínio boliviano em 1899, declarou a independência e foi escolhido como seu primeiro presidente.

Em 1900, a Bolívia recuperou o Acre. Na seqüência, surge o segundo herói a ser apresentado pela minissérie da Globo, Plácido de Castro, que declarou o território como brasileiro em 1903. Dessa revolução, participou o avô da autora, amigo de Castro.

Por fim, Perez narra a saga do famoso Chico Mendes. Líder do movimento sindical de seringueiros, ele lutou contra o desmatamento e foi assassinado em 1988.

A autora conta com apoio dos governos do Acre e do Amazonas, onde também serão gravadas algumas cenas. A direção será de Marcos Schechtman, parceiro de Perez na novela "América".

De acordo com a escritora, a sinopse prevê vários atores, "mas é preciso adequá-la à atual realidade da Globo, que não tem elenco de sobra". Os três heróis serão nomes conhecidos da TV. "Mas estamos buscando gente no teatro e no cinema para outros papéis", diz. (LAURA MATTOS)

Fonte:
Folha de S. Paulo

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