quarta-feira, 2 de novembro de 2005

IDÉIAS & IDEAIS

CONTRA A MISÉRIA
DO ESPETÁCULO



Caro Jornalista
Altino Machado,


Em agradecimento às suas boas-vindas, alinho suas palavras afirmando que o Acre não é meu, mas nosso! Nosso, sem dúvida, de todos os acreanos e digna gente que aí vive, produzindo e reproduzindo sua existência, tornando essa terra tão singular ao contexto nacional.

Certamente, meu retorno ao nosso Acre está orientado pelas perspectivas de realização de grandes projetos junto a pessoas como você, que fazem da terrinha a sua grande causa, além de eterna casa. Atentando, portanto, para o fato de que as pessoas não se reúnem somente porque gostam de estar juntas, mas sim porque têm necessidades. Ao discutir essas necessidades, elas constroem interesses coletivos, descobrem causas e conseqüências, aprendem a falar, a ouvir, a planejar.

Sua ação produz mudanças concretas que melhoram a sua vida; a consciência coletiva de saber-se autor de transformações na sua rua e no seu bairro, na sua cidade e no seu estado, na sua sociedade, enfim, é a ferramenta fundamental através da qual se forja um novo princípio ético-político, estruturando uma solidariedade social racionalmente construída.


Ademais, aproveito a pública oportunidade para registrar algumas breves notas sobre o nosso ambiente acreano jornalístico e midiático. Bem sabemos que a circulação paga de jornais e revistas não cresce na proporção em que cresce a população brasileira. A audiência de radiojornais e telejornais, por sua vez, também não cresce; ao contrário, está diminuindo. As explicações são as mais variadas: vão desde o pequeno poder aquisitivo da grande maioria da massa trabalhadora nacional à falta de hábito da leitura.

Até podem estar certos os que defendem essas posições. Mas, notadamente, há outros fatores circunstanciais que concorrem para isso. Entre eles, sempre enfatizo a qualidade editorial da mídia brasileira-tupiniquim e, no nosso caso específico, da acreana, que anda para lá de sofrível.

Às vezes, é extremamente difícil ler, ouvir ou assistir noticiários, e agora mesmo os blogs, tal a superficialidade com que assuntos tão caros à sociedade brasileira-acreana são tratados, especialmente àqueles economicamente menos ativos e socialmente mais afetados. Mais certo que isso, só o fato do ano que logo se inicia ser mais um ano politicamente decisivo, pelo menos formalmente.

Abaixo a campanha eleitoral apenas preocupada com miudezas!

Ainda que projetos isolados na educação ou na saúde, desarticulados de um plano maior, possam interessar a milhões... Isso é a própria coisificação da política, algo que negligencia o pleno espaço para o exercício político, pontuado por debates de idéias & ideais.
Sim, acaba sendo um engodo processo de despolitização, no qual diferentes partidos, sob o comando do marketing e dos denuncismos gratuitos e pouco comprovados, comportam-se como se as eleições fossem apenas um mercado de votos e não a solene ocasião para discutir projetos de sociedade.

Por tudo isso, sugestiono a provocação: o trabalho jornalístico e midiático jamais pode resvalar para a receita trivial de entretenimento disfarçado de denúncia. A tão comemorada e enaltecida “liberdade de imprensa”, para se solidificar, requer melhor manuseio e condução. Uma vez que denúncia consistente não se faz apenas com a apresentação de fatos e situações isoladas, além de expor inúmeras situações cotidianas da política local, seria imprescindível que o debate da nossa mídia as articulasse criticamente ao quadro social maior do país e do mundo, debatendo as causas dos problemas e não apenas tratando seus efeitos.

Ao deter-se em linhas e cenas de violência verbal, um ambiente assim não permite diálogos entre seus agentes e não há qualquer discussão ou questionamento mais profundo sobre os germes de tal situação que nos envolve e atomiza socialmente. Ao consumirmos cegamente produções espetacularizadas, continuamos com uma visão fetichizada do que é o problema social acreano, e permanecemos apostando em ações estéreis na reversão desse quadro. Certamente entramos numa espécie de convivência crítica com o inaceitável.

Mas essa crítica somente será consistente quando apresentar correspondência com a realidade, articulando organicamente seus problemas a causas e efeitos, e radical quando conduzir a ações propositivas de mudanças qualitativas.


A onda de denuncismos e acusações personalistas parece ter encontrado terreno fértil em muitas plagas, mas entendo que, sem o devido acompanhamento do debate de idéias & ideais, isto muito raramente trará alguma contribuição, muito menos política. Tende a tornar-se um contexto de demagogia, de constrangimento, ou mesmo de oportunismo. Um fator de pobreza, mas pobreza de imaginação.

Estamos diante não do espetáculo da miséria, mas da miséria do espetáculo. O trocadilho é vetusto, mas renova sua pertinência e excelência diante desta presente situação.
Espero poder participar mais deste seu espaço virtual, além de poder conhecê-lo em breve, para que possamos conversar com mais vagar.


Saudações acreanas,

Letícia Mamed
Londrina (PR)

Nota do blog: Letícia Mamed é mestre em Ciência Política pela UEL/UNICAMP.

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