quarta-feira, 5 de outubro de 2005

ÍNDIOS ASHANINKA



Encontro abre nova etapa nas relações de fronteira

Por Leandro Altheman (*)

Aconteceu em setembro, na aldeia Apiwtxa, no município de Marechal Thaumaturgo, o encontro de dezenas de lideranças indígenas e ribeirinhos do Brasil e Peru. Foi a quarta reunião do Grupo de Trabalho Transfronteiriço que desde o ano passado cumpre uma agenda paralela à agenda oficial entre os dois países.

O objetivo do GT Transfronteiriço é debater questões ambientais e indígenas na fronteira, para que o assunto não seja esquecido pelas autoridades. Além das lideranças indígenas, participam do GT representantes de ONGs, como a Comissão Pró-Índio do Acre, SOS Amazônia e WWF Brasil.

Há cerca de dois anos, os índios Ashaninka da aldeia Apiwtxa, no Rio Amônia, denunciam a invasão de madeireiras peruanas em suas terras em território brasileiro. Em 2002, o problema tomou proporções maiores, quando o avanço das madeireiras destruiu o habitat de índios isolados que vivem na região. Como conseqüência, os índios isolados, invadiram a terra ashaninka e atacaram com flechas membros da comunidade indígena.

Desde o trágico episódio, que resultou na morte de uma mulher da tribo, os ashaninka vem procurando chamar a atenção das autoridades brasileiras. Um dos resultados práticos foi o envio de um destacamento permanente do Exército para o Rio Amônia, a fim de fiscalizar o trafico de madeira ilegal.

Alem isso, operações conjuntas do Exército, Ibama e Policia Federal já conseguiram capturar cerca de trinta peruanos que atuavam ilegalmente no lado brasileiro da fronteira.

Mas o problema é bem mais complexo do que parece. Se no Brasil os ashaninka somam cerca de mil pessoas, no Peru a população desta etnia é estimada em até cem mil. Espalhados por vários departamentos, é no Ucaially que a situação dos ashaninka peruanos parece ser a mais grave.

Através de pressão, suborno ou mesmo convencimento, muitas lideranças indígenas aceitam que empresas madeireiras atuem dentro de seu território. Algumas lideranças deram um depoimento dramático durante o encontro.

O líder Edwin Valera, do Alto Rio Tamaia afirmou:

- Os jovens são recrutados para o serviço nas madereiras, para um trabalho de semi-escravidão. Nós não temos acesso à educação nem a saúde pública e a maioria dos índios é analfabeta. E assim, nossa floresta, junto com a vida comunitária, estão desaparecendo.

Até na vestimenta, o contraste entre os ashaninka é gritante. Enquanto alguns se vestem com as tradicionais "cuzmas", que tão bem os identificam, alguns usam as botas com as meias vestidas por cima das calças jeans, que caracterizam os empregados da indústria madeireira.

Segundo as lideranças, o pagamento para os índios é ínfimo: uma muda de roupa, ferramentas e comida. Apesar disso, romper com madeireiras parece quase impossível. Histórias de lideranças ameaçadas ou mesmo assassinadas foi o que mais se ouviu durante o encontro.

- A atuação das madeireiras na região do Ucaially não é apenas uma questão social, política e econômica, mas um problema criminal - explica Margot Quisper, da Defensoria Del Pueblo, o órgão que funciona de maneira semelhante ao nosso Ministério Público.

O órgão tem sido o desaguadouro de críticas e denúncias dos índios e de dezenas de comunidades mestiças que vivem na região de fronteira.

Margot edisse que existem diferentes situações na região do Ucaially, o que inclui madeireiras que possuem as concessões para atuar dentro da lei até madeireiras ilegais, que atuam mediante subornos e ameaças.

A maior parte dessas madeireiras também não é peruana. Em geral são empresas asiáticas ou norte-americanas que empregam os peruanos como mão-de-obra barata.

O maior sucesso dos ashaninka da Apiwtxa é que a comunidade vem implantando com sucesso novas experiências de desenvolvimento sustentável. Na década de 80 a comunidade vivia da criação de gado, mas decidiram optar por uma economia diversificada, baseada principalmente nos recursos da floresta e no artesanato.

A área onde antes era o pasto foi transformada numa agrofloresta, onde dezenas de espécies de árvores frutíferas crescem dando alimento para os 450 moradores da comunidade. No entanto, a "menina-dos-olhos" dos ashaninka da Apiwtxa parece ser mesmo a criação e manejo de quelônios.

O rio, antes farto de tracajás (espécie apreciada pela carne e pelos ovos) havia praticamente desaparecido. Hoje, o rio Amônia já começa a ser repovoado pelos ashaninka com os quelônios que criaram em cativeiro no último verão.

Durante o encontro, os ashaninka da Apiwtxa tentaram passar um pouco desta experiência para seus parentes peruanos.

- A experiência da Apiwtxa pode ajudar nossos parentes a encontrar uma forma melhor de viver, sem necessidade de destruir a floresta - disse Moisés Pianko, presidente da Associação Ashaninka do rio Amônia.

Os quatro dias de encontro na comunidade Apiwtxa resultaram num documento, com pontos em comum a serem defendidos dos dois lados da fronteira. Uma das premissas básicas do documento é que o limite entre os dois países seja respeitado.

Os outros pontos do documento tratam do fortalecimento do movimento indígena no Peru, a fim de que direitos básicos à cidadania, saúde, educação e, principalmente, o direito à terra sejam respeitados pelo governo peruano.

O documento deverá ser encaminhado à ONU e poderá resultar em implicações ao governo do departamento de Ucaially, onde se concentra a maior parte dos problemas. O que se espera é que as comunidades, indígenas ou não, possam viver em paz e com seus direitos assistidos nos dois lados da fronteira.

(*) Jornalista em Cruzeiro do Sul (AC)

Um comentário:

Anônimo disse...

Viva la Vida !