sábado, 2 de julho de 2005

FLORESTANIA COM LIBERDADE


O secretário de Educação e vice-governador do Acre, Arnóbio Marques, 42, é o maior entusiasta da Usina de Comunicação e Arte João Donato.

No começo dos anos 80, Binho esteve envolvido com o movimento cultural e artístico em Rio Branco, tendo sido um dos idealizadores do extinto Teatro Horta, no bairro da Estação Experimental. A ministra Marina Silva era atriz e figurinista do grupo.

Vários jovens que participaram do movimento cultural e artístico há mais de 20 anos alcançaram posições de destaque e influência em diversas áreas do ambiente social e político acreano.

Binho, que é casado com a jornalista Simony D’Avila, da TV Aldeia, e pai de Maria Clara, 12 anos, e Gabriel, 8, quer contribuir para resgatar a efervescência artística e cultural que marcaram o Acre naqueles anos.

“A usina vai ser um ambiente completamente flexível. O que ela deve manter de modo mais ou menos permanente é o princípio básico: um ambiente onde as pessoas tenham liberdade e aprendam a aprender sempre”, afirma Binho.

Leia a entrevista:

Vai sair fumaça da Usina de Comunicação e Arte?
Vai. Diz o dito popular que onde tem fumaça, tem fogo. Essa juventude vai incendiar positivamente o Acre e a Amazônia internacional. O fogo é interessante porque vibra e é isso o que nós queremos.

A juventude hoje parece em estado de letargia ou isso é engano?
Essa foi a sensação que senti quando passei a dar aula na escola na qual havia sido aluno. Estudava no Ceseme, que virou Cerb e que agora é Barão do Rio Branco, e a minha geração, entre os quais incluo o Agostinho, o Sílvio, o Branco, o Fernando, o Cláudio, o Johnson e também você, Altino, fazia muita coisa porque havia uma efervescência cultural muito grande nos anos 80. A gente foi pra rua porque aprendia mais fora da escola do que dentro dela.

Por que isso acontece?
Porque a escola se isolou da vida, empobreceu, virou um ambiente triste. Percebendo isso, a gente saia da escola e vivia na praça, que era a nossa usina. Nos anos 80, a praça Plácido de Castro, aqui em Rio Branco, era a usina onde as coisas aconteciam. Planejávamos jornais, fazíamos poesias e músicas para as namoradas, conversávamos e foi lá onde também surgiram boas idéias para o teatro. Isso era muito restrito. A idéia da usina é que aquilo, que aconteceu nos anos 80, naquela praça, possa acontecer em todo o Estado.

Por que você fala com otimismo dos anos 80, que é uma década que muita gente considera uma década perdida?
Nada acontece em estado puro. Às vezes, num ambiente de grande dificuldade, ocorre o surgimento de coisas muito interessantes. A gente vivia a decadência do ensino, das instituições e a gente começou a construir coisas paralelas a tudo isso. Nesse momento que as coisas começam a andar e o Acre começa a se desenvolver, é a hora que a gente começa a perceber também que os ambientes para a formação de uma geração nova começam a diminuir. Parece contraditório.

O que se pensou a partir dessa constatação?
A gente começou a pensar como as nossas escolas poderiam ser menos formais e mais abertas para as possibilidades que o mundo permite. O desafio era sair daquela situação de conceitos limitados, bipolarizados e abrir o leque para todas as possibilidades que a vida nos permite.

Mas como é que a Usina de Comunicação e Arte vai lidar com todas essas possibilidades?
A usina vai ser um ambiente completamente flexível. Ela não vai ter um limite e nem será isso ou aquilo. Estará em constante mudança, necessita estar ligada ao seu tempo. O que eu posso falar agora da usina pode não ser nada daqui a cinco meses quando ela for inaugurada. O que ela deve manter de modo mais ou menos permanente é o princípio básico: um ambiente onde as pessoas tenham liberdade e aprendam a aprender sempre.

Como isso se articula com a educação?
O ambiente educacional formal, a escolarização, era no passado um lugar onde você recebia as informações e isso servia para a vida inteira. As informações mudavam muito lentamente. Hoje ninguém controla mais, ninguém tem domínio das informações, que envelhecem muito rapidamente. Então a escola não pode ser um lugar único, privilegiado, de receber as informações. A escola deve ser o lugar onde você vai aprender a buscar as informações. Como o volume de informações é imenso, é necessário saber garimpá-las e transformá-las em conhecimento, em sabedoria. Esse é o papel da escola. A usina, quem sabe, talvez seja um ambiente de ponta da escola do futuro.

Qual o objetivo principal ao se criar uma escola focada em comunicação e arte?
O objetivo principal é formar uma pessoa inteira. A escola hoje forma as pessoas partidas. As pessoas se especializam tanto que não se tornam pessoas integrais, que tenham uma relação vibrante com o mundo a sua volta. No mundo que a gente vive as coisas não estão repartidas ou segmentadas. Na escola você tem a geografia, a matemática, a física, a língua. Essas coisas acontecem ao mesmo tempo no mundo. O que nós queremos aqui é um ambiente integral onde as artes se integram e que as pessoas tenham domínio daquilo que é essencial para as suas vidas. Aqui os jovens vão ter experiências de todas as artes, mas vão ter a experiência de que o mundo ao nosso redor pode ser transformado a partir de nossas iniciativas. Queremos formar pessoas extremamente criativas, ousadas, com princípios nobres, da civilização que a gente quer, isto é, uma sociedade justa, que respeita o meio-ambiente e que tenha toda a nossa identidade cultural de povo da Amazônia. Esse é o princípio da usina, mas como isso vai acontecer, vai mudar a cada momento.

É possível atender até 800 estudantes?
Mais do que isso. A usina pode atender 800 estudantes no curso profissional, mas muitos vão passar por aqui constantemente freqüentando cursos básicos. Teremos cursos básicos, de curta duração, cursos técnicos, de no mínimo um ano e meio de duração, e depois certamente iremos evoluir para cursos tecnológicos, equivalentes a um curso superior. Essas três modalidades de ensino profissional poderemos ter aqui. Esses cursos vão acontecer de maneira livre. A pessoa chega aqui e encontra um cardápio de cursos e atividades acontecendo. Ela então opta por alguma coisa e assim monta seu próprio curso a partir de diversos cursos de livre escolha. A idéia é que seja um ambiente com pouca padronização e que a pessoa venha aqui e monte aquilo que ela deseja pro seu futuro.

É possível multiplicar a experiência de que maneira?
Essa usina está sendo feita por pessoas que bem jovens foram usinadas por aquele ambiente. Aqueles que forem usinados aqui, vão usinar outras coisas no futuro. A experiência vai se multiplicar naturalmente. As pessoas que vão passar por aqui vão fazer outras coisas no futuro que não posso fazer a menor idéia. Mas a usina, da maneira como ela está concebida, os professores daqui vão se espalhar pelo interior do Estado e vão oferecer cursos, principalmente nas escolas de ensino médio. Todas as escolas de ensino médio terão vínculo com a usina e os alunos da usina vão receber bolsas para trabalhar com os alunos que estão nas escolas. Os alunos que estarão na usina serão aqueles que já cursaram o ensino médio. Portanto, a usina não estará restrita a esse espaço físico que por si só já é maravilhoso, mas terá capacidade de atingir o Estado inteiro.

Como será a estrutura de pessoal?
Será uma estrutura pequeníssima, mas a usina terá um cadastro de pessoas interessantes do Brasil inteiro. Os melhores poderão vir aqui e o jovem acreano, da periferia de Rio Branco, por exemplo, poderá ter aqui curso com o cineasta Nelson Pereira dos Santos. Nós não queremos ter apenas os professores da casa, mas que eles sejam os melhores do Brasil e do mundo. O físico Fritjof Capra, por exemplo, pode vir ao Brasil e ao Acre para dar cursos para os jovens daqui, assim como o João Donato, que dará seu nome à usina, pode vir diretamente aqui e trabalhar com nossos alunos de música.

De que maneira isso poderá melhorar nossa visão em relação aos países latino-americanos, especialmente a Bolívia e Peru, com quem estaremos ligados por estradas?
Queremos aqui alunos do Peru e da Bolívia, mas também da Colômbia, que tem uma cultura fantástica. Esperamos transformar essa usina num ponto de encontro da Amazônia internacional. Temos o sonho de que aqui seja a sede mundial de um grande festival internacional de cinema socioambiental. O Acre, com Chico Mendes, é uma referência do movimento socioambiental e queremos que isso aconteça através do cinema. Acreditamos que esse festival possa mobilizar o mundo e atrair a participação de feras e movimentar um ambiente cultural interessante.

O pioneirismo da iniciativa exige muita responsabilidade para evitar fracassos?
Sim, com certeza. Um de nossos desafios é saber quem vai trabalhar aqui. Por isso já temos o maestro Mário Brasil, o teatrólogo Flávio Kaktus e o cineasta Maurice Capovilla, mas também iremos agregar a dança e as artes plásticas. O desafio é pensar em alguém ou uma equipe que tenha capacidade de gerenciar tudo isso de modo que essas áreas não fiquem fragmentadas. O que nós queremos é que haja interação. No meio artístico é muito difícil compatibilizar os interesses de áreas e até de artistas diferentes. Nós queremos trabalhar com a complexidade, entendê-la não como complicação, mas como algo que deve ser simples. Nós queremos que nossos alunos trabalhem todas as artes e todos os conhecimentos simultaneamente.

Nos anos 80, você esteve no centro de muitas discussões no Acre sobre se a arte é ou não política. Hoje, após sua trajetória como ativista da educação e do movimento ambiental, a comunicação e a arte têm o poder de transformar?
Claro. A arte é política. Ela não pode é ser panfletária. Ela não pode é ser política partidária. Mas a arte, como manifestação humana, ela é essencialmente política quando manifesta sentimentos e desejos mesmo quando aparentemente não é uma arte política. Para a arte ser política ela não deve ser engajada, presa a um dogma. Não queremos de maneira nenhuma ter nada parecido com o realismo socialista aqui. Queremos algo político no sentido de que transforma o homem, o meio, a humanidade.

É por conta dessa sutileza da arte como elemento de transformação que os políticos têm dificuldade em incentivá-la?
Talvez a gente tenha poucos artistas na política. Nós queremos contribuir com uma juventude que já está com gás para fazer as mudanças, para que ela possa ser mais criativa, produtiva, ligada à realidade amazônica. O verdadeiro espírito de florestania está dentro dessa usina, para que possamos ter uma consciência nova, voltada à defesa do meio-ambiente, justiça social e solidariedade. A gente começou essa mudança, mas essa mudança precisa de mais gente. A idéia é usinar um novo conceito de sociedade. A gente vê o passado quando olhamos para essa usina. É olhando para o passado que a gente constrói o futuro. Nesse ambiente no qual o passado e o futuro vão se encontrar, também será o encontro de tradição e modernidade, de culturas, pois vivemos num ambiente onde transitam 16 etnias. Queremos uma sociedade plural na qual a diversidade é a nossa maior força. O Acre é um destaque no Brasil e será um destaque no mundo também por isso: o respeito às diferenças.

3 comentários:

Anônimo disse...

Muito boa a iniciativa, viu?! Adorei, sobretudo, a homenagem ao ilustre cidadão acreano, João Donato.

Abraços do Ceará...

Anônimo disse...

ALTINO, JÁ LEU A FOLHA DE SÃO PAULO DE HOJE (4 DE JULHO)??

ALTINO MACHADO disse...

Sim, já li.