domingo, 10 de julho de 2005

ADEUS ÀS ILUSÕES

Luiz Francisco de Souza, procurador que denunciou irregularidades na gestão FHC e já foi filiado ao PT, diz se sentir revoltado com o governo Lula

"Quando os políticos brigam, o país ganha"

FÁTIMA FERNANDES
CLAUDIA ROLLI
DA REPORTAGEM LOCAL

Ex-petista de carteirinha, mas ainda petista de coração, Luiz Francisco de Souza, procurador da República em Brasília, está surpreso e "revoltado" com as denúncias que envolvem a cúpula do PT e o governo Lula.

Para ele, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva viaja demais e deveria dar mais atenção ao país.

"O governo contrariou a história do PT e traiu a confiança de milhões de brasileiros, que esperavam um pacote de projetos de leis anticorrupção, ampliação de direitos trabalhistas, auditoria da dívida pública e investigação sobre privatizações. A cúpula do PT, responsável por isso, deveria ser afastada do partido e do Estado."


Souza é um dos mais controvertidos procuradores da República do país. Ex-militante filiado ao PT, foi o responsável pela gravação de conversa do senador Antonio Carlos Magalhães (PFL) a respeito da violação do painel eletrônico do Senado que resultou na renúncia de ACM.


Travou um embate público com Eduardo Jorge Caldas Pereira, o EJ, ex-secretário-geral da Presidência da República no governo Fernando Henrique (1995-2002), a quem investigou por corrupção, sem encontrar provas. E processou o banqueiro Daniel Dantas, dono do grupo Opportunity.


Para o procurador, o país só se beneficia com investigações sobre os governos: "Quando os políticos brigam, o país ganha, pois os corruptos de todos os lados são nominados e apontados. Então, ganha o Brasil em luzes e transparência. Tenho medo é que façam acordos secretos, nos bastidores".


A seguir, os principais trechos da entrevista que o procurador concedeu à Folha.


Folha - O presidente Lula é conivente com o processo de corrupção que envolve o PT?
Luiz Francisco de Souza - Até agora, não vejo ligação com Lula. Até pode ser dito que ele, como presidente, deveria ter cuidado mais do país, vigiado mais, dedicado umas dez ou 12 horas ao expediente.

Folha - O que ele deveria fazer nesse momento?
Souza - Parar de viajar e enviar um pacote de projetos de leis contra corrupção, lavagem de dinheiro e sonegação. Aumentar as penas contra corruptos e malversadores e permitir que qualquer cidadão possa processar por improbidade. Hoje, apenas o Ministério Público pode [processar], há um monopólio errado. Deveria banir os foros privilegiados e as prisões especiais, extinguir o Refis [Programa de Recuperação Fiscal], acabar com a extinção da punibilidade para os sonegadores que pagam os tributos sonegados, ampliar o Coaf [Conselho de Controle de Atividades Financeiras], que hoje tem apenas uns 30 servidores, quando deveria ter uns 3.000 ou mais, abrir o TCU [Tribunal de Contas da União] e todas as investigações e não permitir mais ministros escolhidos pelo Palácio.
Os ministros devem ser velhos servidores que trabalharam ali por 20 anos ou mais, essa deveria ser a regra. Deveria ainda diminuir o sigilo bancário, retirar dos cargos todas as pessoas suspeitas e diminuir os cargos comissionados, que hoje são cerca de 23 mil quando bastaria que fossem cerca de 500.

Folha - O sr. ficou surpreso com o número de denúncias no governo petista?
Souza - Fiquei surpreso e revoltado. A cúpula do PT centralizou tudo na Casa Civil. O Lula manteve-se afastado e desinteressado, viaja demais, então, o grupo de José Dirceu [ex-ministro da Casa Civil] geria milhões de reais da arrecadação do PT. Acho que essa centralização é uma das causas fundamentais da crise. E também há as coligações com pessoas que tinham acusações de irregularidades, como o deputado Roberto Jefferson [PTB-RJ], Romero Jucá [ministro demissionário da Previdência], [Henrique] Meirelles [presidente do Banco Central] e outros. Abri o caso contra Meirel- les, representei contra Romero Jucá, contra Gilberto Gil [ministro da Cultura], que gastou mais de R$ 9 milhões em reformas em quatro andares, sendo que R$ 3 milhões foram com o ar-condicionado, o que é imoral.

Folha - Como o sr. vê todas essas denúncias envolvendo o PT?
Souza - Estou gostando muito. O que me irrita e entristece é quando eles vivem de conluios e acordos secretos, como os que ocorreram na CPI do Banestado. Quando os políticos brigam, o país ganha, pois os corruptos de todos os lados são nominados e apontados. Então, ganha o Brasil em luzes e transparência. Tenho medo é que façam acordos secretos, nos bastidores, como acho que fizeram na CPI do Banestado.

Folha - Quem da direção do PT deve ser afastado imediatamente?
Souza - Toda a Executiva do partido e todos os ministros e autoridades suspeitas, como querem o deputado Chico Alencar [PT-RJ], o senador Pedro Simon [PMDB-RS], a senadora Heloisa Helena [PSOL-AL] e outros parlamentares éticos.

Folha - O presidente do PT, José Genoino, afirma que assinou, sem ler, um documento para empréstimos ao partido [no qual o avalista é o publicitário Marcos Valério, acusado de operar o "mensalão"] em confiança a Delúbio Soares [tesoureiro afastado do PT]. O que o sr. acha disso?
Souza - Ninguém assina documentos sem ler. Isso não existe.

Folha - Como está a investigação do suposto "mensalão"?
Souza - O caso do "mensalão" está com o procurador-geral da República e alguns procuradores da Procuradoria da República no Distrito Federal. Eles estão avançando, já quebraram o sigilo da GTech [empresa que gerencia loterias federais] e o caso está avançando...

Folha - Roberto Jefferson tem sido visto como o grande denunciador da corrupção no PT. Mas é fato que ele admitiu ter recebido dinheiro do partido para ajudar na campanha, via fontes não-oficiais. Qual a sua avaliação sobre as denúncias que ele faz?
Souza - Roberto Jefferson era do grupo de Collor [ex-presidente Fernando Collor de Melo], o que já é dizer muito. Ele usa a tática do gambá. Quando um gambá vai atacar um galinheiro e os cachorros o farejam e saem à sua busca, o gambá vai espalhando mau cheiro em todos os lugares para desviar a atenção do cachorro que tem seu faro atrapalhado. A CPI dos Correios pode atingir em cheio Roberto Jefferson, então, ele fala do "mensalão" para desviar a atenção. Não acho que minta em tudo, acho que tem "mensalão" mesmo e nisso ele prestou serviço ao país, mas as investigações sobre os Correios e sobre o IRB precisam ser duras, pois não se pode aceitar tática de despiste. Roberto Jefferson merece elogios por ter falado sobre o "mensalão", mas deve ser investigado com rigor, ele e o PTB, no caso da ECT e do IRB.

Folha - Em que outros órgãos e entidades há corrupção?
Souza - Os Correios são um pântano, mas o IRB [Instituto de Resseguros do Brasil, órgão em que ex-dirigentes são suspeitos de integrar um esquema de arrecadação de dinheiro para partidos políticos] deve ter ainda mais corrupção e justificava a abertura de CPIs. A CGU [Controladoria-Geral da União] está investigando tanto a ECT [Empresa de Correios e Telégrafos] como o IRB. Espero que a CPI faça uma faxina nessas entidades.

Folha - Considerando as denúncias feitas até agora, o que deve ser investigado primeiro? Por quê?
Souza - Os Correios. Porque, volto a repetir, é mesmo um poço de corrupção, de contratos escusos. A Petrobras, se for investigada, espero que vejam as centenas de dispensas de licitação no outro governo também [FHC], pois praticamente não havia licitações. Espero que aumentem as penas contra corruptos, terminem com a prerrogativa de foro para improbidade, aumentem o poder de investigação do Ministério Público, dêem mais poder para a imprensa, para que possa requisitar documentos, ter acesso ao Siafi [sistema de acompanhamento dos gastos federais]. E espero que quebrem o sigilo bancário de uns cem parlamentares, mais seus assessores e familiares. Espero que investiguem também Ricardo Sérgio e os tesoureiros de outros partidos.

Folha - O sr. acredita que a reforma política pode resolver ou diminuir a atual crise?
Souza - Sim, com o financiamento público das campanhas eleitorais e também com o fim das reeleições, ou seja, uma emenda constitucional que possa abolir o "instituto da reeleição", para os cargos de presidente, governador e prefeito e isso já para o ano que vem. Dessa forma, Lula deixaria de ser um alvo e o debate poderia cingir-se à descoberta e punição de corruptos, tal como estabelecer normas melhores para punir a corrupção no país.

Folha - Quem deve ser investigado no governo do PT por corrupção? Por quê?
Souza - Delúbio [Soares], José Dirceu, Genoino e outros que centralizaram o poder nas mãos e praticaram atos que a maioria do PT desconhecia. Mais, Meirelles, Romero Jucá, Eunício [Eunício Oliveira, ex-ministro das Comunicações] e outros. Por mim, instalavam a velha CPI da Corrupção, abarcando casos dos carlistas, do grupo de Jader Barbalho e de EJ, do "mensalão"... Poderiam ser até duas comissões, uma na Câmara e outra mista ou bastava a mista. E espero que ponham para funcionar a CPI das Privatizações, dos Bingos, da Privatização do Sistema Elétrico, e que abram também a CPI da Reeleição e da Dívida Pública.

Folha - Qual a fonte de corrupção no Brasil?
Souza - O financiamento privado das campanhas; as regras complacentes de licitação; o sigilo comercial e bancário exacerbado; a impunidade que alimenta tudo; os prazos pequenos de prescrição; a prescrição retroativa; a morosidade judiciária por conta do excesso de recursos, da escassez de magistrados e de membros do Ministério Público Federal, tal como de policiais federais, de auditores da Receita Federal. Também o abismo social, pois somos o país com mais desigualdade social e econômica; o analfabetismo funcional; a falta de transparência do Estado, o Siafi deveria estar disponível a todos; e outras causas, como a existência de trustes e cartéis que permitem a burla das licitações por conluios.

Folha - O brasileiro acusa o político de corrupto, mas muitos corrompem o guarda de trânsito. A corrupção é generalizada? Por que?
Souza - A corrupção é generalizada, especialmente entre parte do empresariado que vive sonhando em comprar servidores públicos. Como têm muito dinheiro e os servidores ganham pouco... O Estado é burocratizado. O analfabetismo é real e funcional. Temos a maior desigualdade social do planeta, junto com a maior taxa de juros, os maiores latifúndios e a maior taxação sobre ganho de capital.

Folha - O sr. pode comparar as acusações de corrupção do governo Lula com as do governo FHC?
Souza - Corrupção é corrupção e deve ser combatida em qualquer governo, sem considerar as cores partidárias. A corrupção no governo FHC atingiu vários bilhões de reais, especialmente com a privatização de mais de cem estatais, o estabelecimento de prerrogativa de foro para improbidade administrativa, o acréscimo de formas de extinção de punibilidade nos crimes fiscais e a criação do Refis, a recriação de prerrogativa de foro para ex-prefeitos e secretários estaduais, a decuplicação da dívida pública interna e a duplicação da dívida externa, o escândalo do Banestado envolvendo principalmente o banco Araucária ligado a políticos do PFL, o escândalo da reeleição e a forma como foi feita a desvalorização cambial após ser mantido o real sobrevalorizado e ainda outras dezenas de casos.

Folha - E a corrupção no governo Lula?
Souza - A corrupção no governo Lula nasce da manutenção das mesmas estruturas, especialmente da política econômica. A cúpula do PT, a mesma que está sob fogo, foi conivente na CPI do Banestado, no caso da GTech, dos Bingos e bloqueou projetos importantes como o estabelecimento da lista tríplice para escolha do PGR [Procurador Geral da República], manteve e ampliou o Refis, fizeram uma reforma da Previdência contra os idosos, manteve os foros privilegiados e ainda ampliou no caso de Meirelles e atrapalhou o Ministério Público ao negociarem um regulamento que impede os membros de investigarem crimes "ex officio", ou seja, quem achar que tem algo errado não pode investigar, deve enviar à distribuição o caso e houve outras desgraças. Ao fazerem isso, contrariaram a história do PT e traíram a confiança de milhões, que esperavam um pacote de projetos de leis anticorrupção, a ampliação dos direitos trabalhistas, a auditoria da dívida pública, investigação sobre privatizações. Acho que é menor, mas a cúpula do PT, responsável por isso, deveria ser afastada do partido e do Estado.

Folha - No Brasil, o corrupto vai para a cadeia? Por quê?
Souza -Corruptos ricos dificilmente vão para a cadeia. Por quê? Por causa das penas pequenas, dos prazos prescricionais pequenos e da demora na tramitação dos processos. A demora ocorre pois num processo apenas pode haver dezenas de recursos. Então, a Polícia Federal, que é pequeníssima em número, demora de dois a três anos para investigar, os magistrados, também em número ínfimo, demoram de dois a três anos para julgarem os processos e depois há os recursos para os TRFs [Tribunais Regionais Federais], que demoram seis anos ou mais para julgarem uma apelação de quatro páginas. Após seis ou sete anos no TRF, há recurso para o STJ [Superior Tribunal de Justiça] e para o STF [Supremo Tribunal Federal] e ali os recursos demoram mais cinco ou até dez anos para serem julgados. Então, ocorre bem antes disso a prescrição. Para evitar isso, é preciso que o STF fique restrito ao papel de Corte Constitucional como ocorre nos Estados Unidos ou na Europa, que acabem os foros privilegiados e as prisões especiais, ampliem as penas para os crimes contra o patrimônio público, ampliem os prazos de prescrições e que o número de recursos diminua. A ampliação da Polícia Federal, do MPF, do Judiciário, da Receita, do Coaf, que deveria ter escritórios em cada capital, da CGU, dos auditores do TCU e outros fiscais, é o ponto mais importante, com o aumento do poder de investigação desses agentes, das sanções a serem aplicadas.

Folha - O que as CPIs devem fazer para ampliar as chances de encontrar corruptos?
Souza -O sigilo da GTech deveria ser quebrado o quanto antes, pois pode haver depósitos nas contas de agentes públicos. Isso no caso dos bingos. No caso do "mensalão", seria importante que a CPI mista requeresse dados fundamentais para cada parlamentar, seus assessores e seus familiares. Se quiserem fazer uma faxina deveriam estender isso a todos os membros do Judiciário e do MPF.

Fonte: Folha de S. Paulo

Um comentário:

Anônimo disse...

Quando estourou a Denúncia do "mensalão" o Lula estava na Coréia. Pensei que logo na chegada o Presidente ia dar uma "chibatada" no Dirceu, no Meireles e no Jucá...não tomou decisões...esperou tudo acontecer e viajou para a Escócia...amanhã o Lula vai para a França, como se tudo estivesse às mil maravilhas....acorda Lula.
Lula esquece a releição e tome o governo nas mãos..