quinta-feira, 26 de maio de 2005

RATINHOS DA MONSANTO

Por Mário José de Lima (*)

Assistimos, há poucos meses, um embate no interior do governo federal entre o Ministério do Meio Ambiente e o Ministério da Agricultura sobre a produção de grãos a partir de plantas geneticamente modificadas.

A contenda se resolveu favoravelmente à posição do Ministério da Agricultura que defendia o uso pelos agricultores brasileiros de sementes geneticamente modificadas.

O governo decide-se pelos argumentos dos defensores de uma competitividade a qualquer custo, alegando defesa dos interesses nacionais. Trata-se, segundo o discurso econômico do governo, uma medida que impelia o desenvolvimento econômico do país. Entretanto, o que se pode afirmar é que o governo garante taxas significativas de lucratividade para os operadores dos setores dos negócios agrícolas e da exportação.

A notícia publicada no jornal The Independent , edição de 24 de maio, intitulada “When fed to rats it affected their kidneys and blood counts. So what might it do to humans? We think you should be told” vem trazer para mesa de discussão um dos incômodos temas da atualidade.

A notícia revela os resultados de uma pesquisa secreta desenvolvida pela Monsanto, usando a variedade de milho geneticamente modificado, MON 863, os quais indicam o potencial de risco para a saúde dos alimentos geneticamente modificados.

O editor de meio ambiente que lidera a campanha do jornal sobre tecnologia GM nos últimos seis anos, examina a nova evidência e formula “questões, segundo ele, interessa a todos nós: por que a Monsanto, a companhia que tenta vender milho GM (geneticamente modificado) para a Grã-Bretanha e Europa, relute publicar os resultados plenos de seus alarmantes testes com ratos em laboratório? Por que estariam nossos líderes ansiosos para comprar tecnologia não comprovada contra os desejos dos consumidores?”.

A matéria do The Independent começa fazendo referências às pesquisas desenvolvidas pelo Dr. Arpad Pusztai, considerado “o bicho-papão do corpo científico britânico”. Segundo a matéria, “ninguém menos do que Lord May – então conselheiro científico chefe do Governo, agora presidente da Royal society – acusava o Dr. Pusztai de violar ‘cada cânone da retidão científica’, no que concordavam ministros e cientistas que faziam fila para denunciá-lo”.

O crime do Dr. Pusztai, ainda de acordo com a matéria, “foi encontrar evidências perturbadoras de que as batatas GM que estudava danificava o sistema imunológico, cérebros, fígado e rins dos ratos – e mencionar esses resultados, de forma ligeira, num programa de TV, antes que sua pesquisa estivesse completada e publicada”.

O Dr. Pusztai foi “punido de forma draconiana; sua pesquisa foi interrompida, sua equipe desfeita e seus dados confiscados. Ele foi submetido ao ostracismo por seus colegas, forçado ao afastamento e calado por sete meses, proibido de colocar seu caso”.O Editor de meio Ambiente d’The Independent “foi o primeiro jornalista a entrevistá-lo, gastando, para isso seis horas”.

A semelhança do que ocorre no Brasil, o governo britânico, na figura do primeiro ministro Tony Blair “pôs todo seu peso nos alimentos modificados, permitindo que fosse conhecido que ele próprio estaria feliz em alimentar-se com eles. Jack Cunningham, então no comando da estratégia GM do governo, anunciou que o Dr. Pusztai tinha sido ‘compreensivelmente desacreditado’. Seu gabinete redigiu planos secretos – revelados ao The Independent – para alistar ‘cientistas eminentes’ para atacá-lo e seguir as mensagens chaves do governo”.

A matéria avança na descrição da trajetória de encobrimento das descobertas pioneiras do Dr. Pusztai que geram resultados junto aos consumidores europeus e medidas de controle pelos governos da Comunidade Européia e Estados Unidos buscando a preservação da saúde dos consumidores.

A ultima colheita modificada em busca de aprovação para uso é o MON 863, um milho modificado já desenvolvido e comido nos Estados Unidos e Canadá. Quinta feira funcionários do governo dos EE. UU. estavam num beco sem saída novamente. Como reportado pelo jornal, uma pesquisa secreta com ratos desenvolvida pela Monsanto, que é proprietária do milho, sugere que a ingestão deste pode ser prejudicial à saúde. Os resultados indicam que ratos alimentados com teor elevado do MON 863 apresentavam rins relativamente menores e sofreram potencialmente mais danos na química do sangue do que os ratos do grupo de controle, alimentados com dieta convencional. A Monsanto alega que os resultados não são significativos e devido a mudanças refletem variações normais entre os ratos.

Os ambientalistas, entretanto, afirmam que isso justifica, pelo menos parcialmente, as pesquisas do Dr. Pusztai e a Dra. Beatrix Tappeser, uma funcionária pública graduada GM alemã, afirma que isso oferece “alguma razão para levantar interesse”.

Além de qualquer implicação possível para a saúde pública, os dados da pesquisa – como nos experimentos do Dr. Pusztai – são importantes porque poderiam, se considerados válidos, desafiar o conjunto do sistema através do qual os alimentos GM são aprovados.

No caso europeu, assim como nos Estados Unidos, existem algumas salvaguardas que foram deslocadas pelo poderia do lobby interessado. Restam, entretanto, mecanismos oferecendo poder de reação mínimo o que não acontece no caso brasileiro. Os resultados do avanço dos produtores agrícolas sobre a floresta amazônica, divulgados nos últimos dias, formam a imagem do despreparo e da falta de interesse na montagem de um sistema de controle nesse campo.

Até agora, o governo brasileiro apenas disse que o avanço do desmatamento é resultado do crescimento econômico. Como a buscar uma explicação que atribua à população como um todo a responsabilidade pela destruição, afinal a demanda pelo crescimento é dela. Resta esperar pela nova desculpa sobre a destruição dos rins e do sangue dos ratinhos pelos alimentos geneticamente modificados.

*Mário José de Lima é economista acreano e professor da PUC-SP

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