domingo, 10 de julho de 2016

Conheça como funciona os fluxos de usuários com indicação de cirurgia no Acre

POR LUCIA CARLOS PAIVA 



Tornou-se elementar constatar que, em todas as épocas e em todos os tempos, as águas do revolto mar da política nunca foram muito limpas. Há sempre alguém ou grupo específico a turvá-las. É praça de guerra e de escaramuça em defesa, busca e manutenção no poder. É um jogo muito sujo. Maquiavel já definiu como jogo de aparências, como a mistura da força do leão com a sagacidade da raposa. Aristóteles, por sua vez, sentenciou: somos animais políticos em essência, desde sempre.

Conceituações à parte, fato é que não podemos ficar alheios ao processo político, até porque uma postura totalmente apolítica não chega sequer a ser uma opção, não passa de abstração desprovida de sentido. É preciso ficar atento neste período, todavia, muito raramente leio matérias jornalísticas impressas ou assisto jornal.

Não quero, de modo algum, insinuar que não admiro ou respeito a imprensa. Muito pelo contrário, tenho total respeito e a considero crucial, desde que utilizada de forma imparcial, pautada na verdade. Tenho uma boa relação com todos esses profissionais e estou sempre à disposição quando solicitada para qualquer informação.

Não há profissão livre de falhas, e no contexto jornalístico não é diferente, talvez até mais desafiador, e ouso dizer que mais recorrente, já que precisam lidar com a rapidez da notícia. Justamente por isso, é indispensável, antes de construir e publicar uma matéria verificar questões essenciais como: Qual a fonte? Ela é segura? Qual o objetivo e interesse social dessa notícia? Averiguei bem antes de publicar? Mensurei o quão problemático pode ser a publicação não suficientemente apurada?

Reitero, precisamos ficar atentos a tudo que é noticiado, e ainda mais neste período, onde há um aguçamento de múltiplos interesses. Assim como os homens da mídia tem o dever de vigiar quem governa, o povo todo deve vigiar quem dá as notícias. É a velha e instigante questão: quem vigia os vigilantes? Pois bem, para toda e qualquer matéria falsa ou frágil é preciso que haja mecanismos de correção com a verdade já na edição seguinte.

Se a notícia e o furo jornalístico correm contra o tempo, porque a retratação não segue a mesma velocidade? Sinto certa estranheza quando me mostram uma matéria estampada em um blog, com título em destaque dizendo: “Mulher com hemorragia intensa, cansada de aguardar na fila de cirurgia vai procurar atendimento na Bolívia”.

Novamente, qual a fonte? Alguém procurou saber o tempo exato ou sequer aproximado de espera dessa senhora na fila da Central de Agendamento de Cirurgia no Hospital das Clínicas, ou a inexatidão é oriunda de uma investigação rasa? Não seria interessante conhecer como ocorre o processo de cirurgia eletiva no Estado?

Vejam, hemorragia intensa, como assim estampado, não é caso de cirurgia eletiva e sim, procedimento cirúrgico de urgência, a ser realizado na Maternidade Bárbara Heliodora ou referenciada com prioridade para a Fundação Hospital do Acre (Fundhacre).

Ademais, nenhum ser humano consegue aguardar um tempo de cirurgia prolongado com “hemorragia intensa”. Esse termo na medicina é sinônimo de “choque hipovolêmico seguido de morte”. O atendimento deve ser imediato. Ela não conseguiria chegar na Bolívia. Se querem conhecer como funciona o sistema de regulação de cirurgia no Estado, que considero uma pauta riquíssima para a sociedade, me procure que darei todas as informações precisas. Temos fila de espera? Antecipo que sim.

Toda unidade de saúde que trabalha de forma organizada tem que ter todos os seus pacientes cadastrados com indicação de cirurgia e prioridade clínica justificada pelo médico, é um modelo organizacional necessário, visa eficiência e eficácia. Ora, a burocracia, em seu âmago, visa equidade e celeridade, embora corriqueiramente esqueçamos disso. É desta fila de espera que sai os mapas cirúrgicos com dias e horas estabelecidas no bloco cirúrgico. Atualmente temos pacientes sendo operados na Fundhacre, no Hospital Santa Juliana, Hospital Ari Rodrigues em Senador Guiomard e, alguns mutirões agendados nas Regiões de Saúde, evitando assim o deslocamento do paciente para Rio Branco.

Trabalhamos com a maior transparência e limpidez. Todo processo organizacional de regulação de cirurgias está sendo acompanhado pelo Promotor de Justiça Glaucio Ney Shiroma Oshiro, que participou de todas as discussões de fluxos e protocolos de cirurgia segura e é pleno conhecedor de toda nossa lista de espera. O nosso objetivo é único: melhorar a vida do paciente e seguir os princípios da equidade.

É preciso esclarecer que na indicação de uma cirurgia eletiva, de sua indicação até a realização da mesma, ocorre um tempo de espera para realização dos exames (risco cirúrgico), que a depender da idade do paciente ou de algumas doenças prévias existentes pode aumentar, significativamente para que ocorra de forma segura. Esse tempo decorre de variáveis que não cabem num título jornalístico.

Permita-me um questionamento: alguém sabe quantos médicos nas diversas especialidades cirúrgicas atendem no ambulatório do Hospital das Clínicas? Então, são 20 especialidades médicas, a saber: Cirurgia Geral, Cirurgia Ortopédica, Cirurgia Urológica, Cirurgia Oncológica, Cirurgia Pediátrica, Cirurgia Ginecológica, Cirurgia Mastologia, Cirurgia Plástica, Cirurgia Cabeça e Pescoço, Cirurgia Proctológica,, Neurocirurgia, Cirurgia Cardíaca, Cirurgia vascular, Otorrino, Cirurgia Bariátrica, Transplante de Fígado, Transplante de Córnea e transplante de Rim.

É difícil entender, que com este número de profissionais, gerando em tornos de 30 indicações de cirurgias dias, 600 mês, não vai ter uma fila de espera para programação do procedimento? Claro que vai. É necessário que tenha. Mas, fiquem tranquilos. Esta fila está funcionando sob a égide de uma regulação, e até a data de 30 de julho o mapa será confeccionado pelos médicos reguladores, juntamente com os cirurgiões que realizarão o procedimento.

E a nossa oferta? Produzimos 672 cirurgias mês, entre HC Ari Rodrigues e Hospital santa juliana. Isso é muito. Mas não esqueçam que tem os traumas e a neurocirurgia, referenciadas do Hospital de Urgência e Emergência de Rio Branco, maioria decorrente dos acidentes de trânsito, majoritariamente sinistros de motocicletas, estes ocupam um número significativo de procedimentos nos blocos cirúrgicos, em torno de 35% a mais na demanda do Hospital das Clínicas. Esse paciente faz o primeiro atendimento na urgência do Pronto-socorro e, a depender do caso, vai para fila dos procedimentos eletivos do Hospital das Clínicas. Com isso, o bloco fica sobrecarregado para as cirurgias indicadas ambulatorial.

Complexo para entender? Não necessariamente, não quando se tem um modelo organizacional a seguir. Em 2014, com a implantação do Sistema de Agendamento na Fundhacre, para podermos conhecer a real fila de espera, telefonamos para todos os usuários com telefone de contato no cadastro, aqueles que atenderam, em torno de 8,5 mil pessoas, em fila de espera há mais de três ou quatro anos, tiveram seus exames preparados e zeramos esta fila.

Eu passaria horas escrevendo e desenhando os fluxos dos usuários com indicação de cirurgia, mas, para não me estender muito a uma matéria que me chamou a atenção pela lamentável superficialidade informativa, vou deixar aqui uma frase de um escritor, padre e muito especial para mim. Assim ele falava: “Um jornalista que extrapola em suas matérias, equivale a um político que desvia dinheiro. O desvio da verdade corrompe até mais do que o desvio de verbas”.

É triste admiti-lo, mas no meio jornalístico com excelentes profissionais, parece não haver fôlego suficiente para a extinção desse tipo de matéria.

A enfermeira Lucia Carlos Paiva é coordenadora estadual da Rede de Urgência

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