segunda-feira, 2 de março de 2015

Com geoglifos, indígenas mais experientes ensinam como evitar cheias do Rio Acre


Até hoje tão criticados e massacrados pela cultura da sociedade ocidental, os indígenas vêm sendo reconhecidos pelos pesquisadores por terem transformado consideravelmente a Amazônia, construindo sistemas de aquacultura, plataformas de terra, sistemas de irrigação, barragens, caminhos elevados, estruturas defensivas e terras férteis. As estruturas dos geoglifos do Acre, construídas a partir do início da era Cristã até o século XIV, são a maior evidência de que antigas sociedades amazônicas eram mais sábias que a nossa, cuja maioria prefere habitar o charco. A ponto de, a pretexto de socorrer quem habita áreas de risco, construirmos conjuntos habitacionais em áreas de inundação.

No artigo "Florestas antrópicas no Acre: inventário florestal no geoglifo Três Vertentes, Acrelândia", de William Balée (Tulane University, New Orleans, Estados Unidos), Denise P. Schaan (Universidade Federal do Pará, Belém, Brasil), James Andrew Whitaker (Tulane University, New Orleans, Estados Unidos) e Rosângela Holanda (Universidade Federal do Acre, Rio Branco, Brasil), os autores assinalam que, entre os anos 1950 e 1980, a arqueologia amazônica esteve dominada pela tese de que a floresta tropical teria abrigado ao longo do período paleoíndio até a conquista europeia, apenas sociedades do tipo caçadoras-coletoras e agricultores incipientes. A justificativa para esta posição era de que as condições ecológicas não favoreceriam o desenvolvimento de sociedades complexas como as que existiram na Meso-América, nos Andes ou mesmo no Caribe.

De acordo com os pesquisadores, inicialmente, esses desenvolvimentos foram pensados como possíveis apenas para as áreas de várzea e savanas, porém, percebeu-se que, também na terra firme, sociedades demograficamente densas e politicamente complexas haviam se desenvolvido.

- Nesse sentido, a descoberta dos geoglifos do Acre veio somar-se a estas evidências uma vez que, por se localizarem esses sítios em área de interflúvio, indicava que sociedades de terra firme também realizaram grandes transformações sobre a paisagem - afirmam.

Em julho de 2009, entrevistei a arqueóloga Denise Schaan, a quem indaguei se ela continuava convencida de que os geoglifos questionam os estudos que concluem que a presença de populações primitivas na Amazônia era restrita às margens dos rios. Ela respondeu:

- Sem dúvida. A gente tinha conhecimento da existência de valetas, de estruturas defensivas, no Alto Xingu. Nessas áreas de interflúvio para terra firme, que a gente achava que só havia povos nômades ou aldeias que estavam sempre mudando de lugar, temos visto indícios de estruturas mais permanentes cujo espaço foi ocupado por um grande número de pessoas por um longo período de tempo. Essa região do Acre merece um estudo especial porque está afastada do curso do Rio Amazonas, mais próxima dos Andes. Estamos num ambiente que está no caminho entre duas coisas. Povos andinos faziam trocas com povos da Amazônia. Esses geoglifos podem indicar um local de passagem que a gente ainda não conhece.

Detalhe intrigante: as valas dos geoglifos não acumulam água.

Clique aqui para ler o artigo mencionado.

Destaque para o comentário do mestre José Ribamar Bessa Freire:


- O antropólogo Darell Posey explicou que existem índios especialistas em solos, plantas, animais, colheitas, remédios e rituais. Mas tal especialização não impede, no entanto, que qualquer Kayapó, seja homem ou mulher, tenha absoluta convicção de que detém os conhecimentos e as habilidades necessárias para sobreviver sozinho na floresta, indefinidamente, o que lhe dá uma grande segurança. Escreveu Posey: “Se o conhecimento do índio for levado a sério pela ciência moderna e incorporado aos programas de pesquisa e desenvolvimento, os índios serão valorizados pelo que são: povos engenhosos, inteligentes e práticos, que sobreviveram com sucesso por milhares de anos na Amazônia. Essa posição cria uma “ponte ideológica” entre culturas, que poderia permitir a participação dos povos indígenas, com o respeito e a estima que merecem, na construção de um Brasil moderno”.

Um comentário:

José Bessa disse...

o antropólogo Darell Posey, explicou que existem índios especialistas em solos, plantas, animais, colheitas, remédios e rituais. Mas tal especialização não impede, no entanto, que qualquer Kayapó, seja homem ou mulher, tenha absoluta convicção de que detém os conhecimentos e as habilidades necessárias para sobreviver sozinho na floresta, indefinidamente, o que lhe dá uma grande segurança. Escreveu Posey:
“Se o conhecimento do índio for levado a sério pela ciência moderna e incorporado aos programas de pesquisa e desenvolvimento, os índios serão valorizados pelo que são: povos engenhosos, inteligentes e práticos, que sobreviveram com sucesso por milhares de anos na Amazônia. Essa posição cria uma “ponte ideológica” entre culturas, que poderia permitir a participação dos povos indígenas, com o respeito e a estima que merecem, na construção de um Brasil moderno”.