domingo, 20 de janeiro de 2013

A HEROÍNA DO CONDE DE JACUTINGA

POR LEILA JALUL

Vejam convite que recebi do prefeito Marcos das Neves Vianna Alvarenga Médicis:

"O prefeito do município Conde de Jacutinga convida Vossa Senhoria e digníssima família a participarem das festividades comemorativas ao aniversário de 10 anos de emancipação da cidade e inauguração da Praça Conde de Jacutinga, no próximo dia 2 de agosto, com a programação abaixo descrita:

6h – Alvorada com a Banda de Música da Guarda Municipal de Conde de Jacutinga com a execução de dobrados marciais, valsas e outras músicas do cancioneiro popular.

8h – Apresentação de canto coral com os alunos da Escola Gildete Luiza Macedo Alvarenga Médicis, benemérita primeira dama da sociedade jacutinguense, educadora por sacerdócio e minha venerável esposa.

9h – Distribuição de doces, pipocas e sacolés às crianças presentes.

10h – Execução do Hino Nacional com a Banda da Guarda Municipal e hasteamento da Bandeira do Brasil pelo Dr. Vereador Alceu de Jacutinga, honrado primogênito do imorredouro Conde de Jacutinga e presidente da Câmara Municipal.

11h – Corte da fita inaugural do portal da praça e arriamento do pano que cobre a placa de bronze afixada no pedestal onde se apóia o busto do fundador da cidade, o eminente Conde de Jacutinga.

11h15 – Bênção do logradouro pelo padre Malvino Splendore, pároco da Igreja de Nossa Senhora das Graças.

11h30 – Desfile de crianças e adolescentes no carro da alegria, animado  por personagens do mundo encantado de Walt Disney e outros amigos e heróis das histórias em quadrinhos.

É importante lembrar que o carro da alegria percorrerá toda a Avenida Conde de Jacutinga após as 14 horas, prolongando-se até às 19 horas. No decorrer da semana de festejos jacutinguenses, por decisão minha, igualmente, a cada hora, o carro partirá do átrio da igreja matriz até a sede da Prefeitura. Após o retorno, as crianças serão deixadas  no mesmo local do embarque, quer seja, no átrio da igreja matriz.

Pedimos aos pais ou responsáveis que vigiem seus filhos e evitem tumulto na hora do embarque e do desembarque.

As crianças farão o trajeto ao som de músicas infantis e outras de sucesso de cantores regionais, tais como: Zé Calango e Peixe Boi,  Kalu e Kalunga, Adonis e Sérvulo, Paulinho e Pinduca, dentre outros.

23h – Salva de fogos com duração de 10 minutos.

Local: Lagoa dos Pioneiros.

24h – Baile no Clube do Conde.

Traje: passeio completo ou distinto.

Agradeço a presença de todos.

Marcos das Neves Vianna Alvarenga Médicis
Prefeito
de Conde de Jacutinga"

No raiar do dia 2 de agosto, como programado, a alvorada começou. Os munícipes madrugadores estavam lá. Queriam aproveitar o dia na sua totalidade. Não era sempre,  afinal, que acontecia uma festa com tantas atividades. Uns cantavam, outros batiam palmas e outros mais, como bons pés de valsa, não deixaram de dançar. Nas redondezas de Conde de Jacutinga, a banda era conhecida pela beleza da farda de gala, afinação dos instrumentos e execução primorosa das peças.

A programação não fugia muito à de outras tantas do mesmo gênero nas cidades do interior. Com um ou outro pequeno atraso, tudo aconteceu de acordo com o previsto.

Fora do script, como costuma ser, apenas um pequeno incidente de última hora ocorrido no carro da alegria. A empresa de recreação foi surpreendida com a ausência dos dois garotos que vestiriam as roupas do Mickey e da Minnie. Uma virose qualquer os impediu de estar na grande festa. Tiveram, então, que contar com dois outros garotos da cidade de Conde de Jacutinga.

Sodré Siqueira Filho e Celena dos Santos Marabak, proprietários do carro, logo encontram uma solução. Um menino e uma menina que nasceram com síndrome de down, por terem estatura pequena, foram os escolhidos. E não foi somente para tapar os buracos das ausências dos titulares. Não! Sodré e Celena Marabak, sensíveis, perceberam a timidez e um certo ar de tristeza nos semblantes dos garotos e, com um pouco de conversa, convenceram-nos a brincar com as fantasias dos mais simpáticos figurantes do elenco. Umas explicações básicas e logo, os dois entraram no clima.

Matheus e Marcela, os dois meninos,  dentro da comunidade, eram um tanto vítimas da crueldade das outras crianças. Tinham pouquíssimos amigos. Na escola, via de regra, eram excluídos dos grupos, ou pela deficiência da fala, ou pela aparência física, ou, tão somente, por conta da crueldade pela crueldade. As crianças sabem ser cruéis, muito cruéis, quando assim querem.

Foi na antepenúltima viagem do carro da alegria que aconteceu o pior. As luzes dos piscas-piscas, um tanto fraquinhas, deixavam o interior do carro quase em penumbra. O som que brotava das caixas com as formosuras de músicas da Mara Maravilha e da Xuxa era ensurdecedor.

Quem conhece os trens da alegria pelo mundo afora, deve e tem obrigação de saber que as roupas de pelúcia são uma afronta para quem vive no brasileiro calor dos trópicos dos diabos. E deve saber, também, que os fantasiados têm várias funções durante o trajeto, quais sejam: alegrar as crianças, cuidar da proteção delas e tirar fotos para a posteridade.

Num determinado momento, Pateta, um grandalhão desengonçado de quase dois metros, dá uma esbarrada no homem aranha e este se esborracha no corredor do veículo. As crianças começaram a gritar pilhérias por conta dos contorcionismos que este fazia para levantar com o carro em movimento.

Nesse mesmo instante, no fundão do corredor, Mickey teve um mal estar, sentou-se na grade da carroceria e caiu fora do carro. Ficou imóvel, estatelado no preto e esburacado asfalto. Apenas Minnie pulou e saiu em seu auxílio, gritando:

- Socorro, o Mickey morreu! O Mickey morreu! Socorro! Ajudem o meu amigo!

Vendo que não era ouvida, a passos curtos, ligeirinhos e muito  corajosamente correu até a frente do carro e fez sinal para que o condutor parasse. Falou com ele e, juntos, foram prestar atendimento ao pequeno rato da Disneylândia jacutinguense caído no chão. O susto foi maior por conta de um pequeno filete de sangue que escorria do braço do Mickey de aluguel.

Felizmente, ao retirarem a cabeça da fantasia, Mickey estava já retornando do leve desmaio causado pelo calor. Minnie, felicíssima, também arrancou sua cabeça orelhuda e, carinhosamente, enxugou o suor do rosto do amigo e retirou-lhe a roupa de pelúcia. Ficou apreensiva quando viu os garotos em volta deles. Todos com ares de desolação. Muitos dispostos a ajudar a conduzir o amigo até a sua casa, não muito longe do local do acidente. Naquele momento, ao invés da habitual crueldade, demostraram, isso sim, a beleza da solidariedade. Tal gesto deveu-se, talvez, à quantidade de abraços e beijinhos distribuídos nas viagens para lá e para cá da Av. Conde de Jacutinga.

Minnie foi abraçada e acariciada por todos e conduzida nos braços como heroína do reino infantil.

Novamente, sem lembranças ruins, o arremedo de trem da alegria retornou às suas funções com todas as atrações, à exceção do Mickey que, em casa, foi hidratado com soro caseiro, para bem se recuperar  do susto pelo qual passou.

Em Conde de Jacutinga, ao raiar do dia 3 de agosto, o baile das autoridades deu por encerrada a festa. O carro da alegria, a mando do prefeito Marcos das Neves Vianna Alvarenga Médicis, enquanto na cidade, passaria a funcionar somente após as 17 horas, quando amainasse o sol.

Na volta às aulas, para alegria dos pais de Marcela e Matheus, o pobre Mickey, vivíssimo da Silva e a sua salvadora Minnie, graças a Deus (e ao desmaio), não mais foram vítimas da crueldade dos amigos. E ainda, das mãos  do prefeito Marcos das Neves Vianna Alvarenga  Médicis, com direito a discurso, receberam um diploma de agradecimento pela participação nas solenidades comemorativas aos 10 anos de emancipação do município de Conde de Jacutinga.

Uma história com final desejado, pois.

P.S.: O mote deste conto, no que diz respeito ao tombo do personagem Mickey, fato verdadeiro, me foi passado pelo porfessor Juarez Nogueira, autor dos livros "O Menino Alquimista" e "Ninauá", recentemente publicados pela Editora Gulliver. No mais, deixei rolar os meus delírios.

Leila Jalul é cronista

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