segunda-feira, 3 de dezembro de 2012

A PEC DA IMPUNIDADE

POR PATRÍCIA DE AMORIM RÊGO E ILDON MAXIMIANO PERES NETO

A Constituição Federal de 1988 foi prodigiosa na definição de direitos e garantias às pessoas, representando um marco na construção do Brasil democrático, o que se reflete na série de conquistas sociais alcançadas nos seus mais de vinte anos de vigência.

Erigido a condição de órgão responsável pela proteção dos mais importantes valores definidos pela Carta de 1988, notadamente a ordem jurídica, o regime democrático e os interesses sociais e individuais indisponíveis, o Ministério Público teve posição de destaque nestes anos, com especial ênfase no combate à criminalidade, assim como no enfrentamento a corrupção na Administração Pública. São muitos os poderosos interesses que foram enfrentados neste período, do que decorreram ferrenhos ataques às prerrogativas e atribuições da instituição, que tem resistido, muito, graças ao apoio que vem recebendo da sociedade.

O mais recente decorre da Proposta de Emenda à Constituição n. 037/2011, a PEC 37, que visa conferir às Polícias Civil e Federal o monopólio da investigação de infrações penais, retirando do Ministério Público o poder de investigação nesta seara. Tal projeto foi recentemente aprovado por uma Comissão Especial da Câmara dos Deputados, o que despertou o receio por sua futura aprovação, por representar um retrocesso à eficiência do sistema de apuração de infrações penais no Brasil, ainda mais aquelas para as quais têm sido notórias as dificuldades de atuação policial.

Da leitura da justificativa da proposta fica claro o interesse de impedir a realização de investigações pelo Ministério Público. Como não haveria regulamentação legal, defende-se que as investigações realizadas pela instituição deveriam ser proibidas. Afora o desacerto desta afirmação, visto que as investigações ministeriais encontram regramento na Resolução n. 13/2006 do Conselho Nacional do Ministério Público, é no mínimo inusitado que o órgão responsável pela construção das leis brasileiras possa vir a reclamar da falta desta regulamentação. É como se o síndico de um condomínio quisesse proibir o uso da área de lazer comum de um prédio, porque não existe regulamentação a respeito de sua utilização.

Se a consideração é esta, de vácuo legislativo, basta que o Congresso Nacional cumpra sua função institucional e legisle, editando uma norma que venha a tratar do assunto, isso, claro, em acordo com o que preconiza a Constituição Federal.

Interessante ver, ainda, que a ideia do monopólio investigatório da Polícia não encontra grande respaldo mundo afora. Ao contrário, a quase totalidade dos países defere ao Ministério Público, de alguma forma, o poder investigatório de infrações penais. Na verdade, do que se tem notícia, apenas Quênia, Indonésia e Uganda deferem exclusividade à Polícia nos trabalhos de investigação criminal. Logo, com a aprovação da PEC 37/2011, estaremos nos distanciando do paradigma mundial para nos unirmos a um seletíssimo grupo de países que, convenhamos, jamais poderiam ser considerados como de vanguarda na proteção dos direitos humanos e no combate à criminalidade.

Ademais, embora não se mencione na sua justificativa, a proposta também atinge outros órgãos públicos, como o Banco Central, a Comissão de Valores Mobiliários, a Controladoria Geral da União e o Conselho Tutelar, que ficarão impedidos de realizar investigações de situações que configurarem crime. A tais órgãos caberia apenas informar a situação e aguardar que a Polícia – que com a estrutura atual já não tem condições de investigar todos os crimes – realize o trabalho de elucidação desses fatos.

Outro problema da proposta é que a Constituição atribuiu ao Ministério Público o controle externo da atividade policial. O Parquet é fiscal da Polícia. Como, então, ele poderia exercer essa função no caso de crimes praticados por policiais, se não tem competência investigatória? Seria o caso inusitado de um fiscal cego, sem força, quase que decorativo. Aliás, se é monopólio da Polícia a investigação criminal, com a mudança pretendida, quem investigaria os crimes praticados por policiais, senão a própria Polícia?

Em um momento em que as facilidades tecnológicas têm garantido um incremento na criminalidade organizada, sendo evidente, ainda, o aumento dos índices de violência e de crimes sem efetiva elucidação especialmente nas capitais brasileiras, seria razoável esperar que houvesse uma união, não a criação de um monopólio na investigação criminal. É necessária a soma de esforços na repressão ao crime, especialmente com relação à corrupção e os desmandos no trato da coisa pública, assim como o combate a outros tipos de crimes que envolvem a participação de intrincadas organizações criminosas, com infiltrações no próprio Estado.

Não faltam bons exemplos de atuação do Ministério Público, seja em investigações solitárias, seja em atuação conjunta com outros órgãos. Em nível nacional são muitos os exemplos que culminaram com ações de ampla repercussão no que toca o combate à corrupção na Administração Pública, ao crime organizado e até mesmo nos crimes praticados por alguns maus policiais.

No Acre a atuação investigatória trouxe grandes benefícios, dentre eles boa dose de contribuição no desmantelamento do esquadrão da morte, grupo criminoso que solapava as bases do nosso Estado ao fim dos anos 1990. Tem-se também o caso da Operação Tentáculos, em que Ministério Público, Polícia e DETRAN lograram êxito na prisão de inúmeras pessoas, suspeitas de participar de um esquema de falsificação de carteiras nacionais de habilitação.

Mais recentemente, o Estado do Acre assistiu a deflagração da operação Delivery, que, fruto de uma atuação conjunta entre Ministério Público e Polícia Civil, representou um duro golpe a uma complexa, extensa e bem organizada rede de prostituição e exploração sexual de mulheres, a qual contava, inclusive, com a participação de pessoas dos mais altos escalões sociais.

Parece evidente, assim, que não se pode esperar que um órgão, sozinho, consiga fazer aquilo que, hoje, muitas outras instituições se esmeram com afinco para tentar realizar. É a união de esforços que garantirá a diminuição dos crimes e a punição efetiva dos agentes, não o encastelamento institucional, com rígida separação das instituições, que atuariam em feudos consubstanciados em suas respectivas atribuições.  Esta, aliás, é a diretriz que se encontra na maioria dos países, nos quais são evidentes os bons resultados decorrentes de parcerias institucionais.

É quase um lugar-comum afirmar que o grande problema do país é a impunidade. Difícil acreditar que ele será resolvido com a concentração de investigações num único órgão, ainda mais nos últimos anos em que, finalmente, tem se sentido o alcance do sistema penal em todos os setores da sociedade.

Enquanto o crime se organiza com a união de esforços entre os agentes, pela aprovação da PEC 37, as entidades públicas se separariam em seus feudos, cada uma atuando em separado, em um modelo de efetivo isolamento institucional. Certamente não é o cidadão quem ganha com isso, mas a criminalidade, o que justifica o apelido de PEC da impunidade.

Esperamos que o Congresso Nacional atue com sabedoria no exame da questão, rejeitando esta proposta que depõe contra toda a sociedade. É um alento, aliás, que vários Parlamentares de escol já tenham manifestado seu repúdio, o que se espera seja seguido por seus Colegas acreanos e por toda a sociedade, que não pode permanecer estática diante da diminuição das garantias de proteção e efetividade no combate à criminalidade, especialmente a organizada e de colarinho branco.

Patrícia de Amorim Rêgo é Procuradora-Geral de Justiça do Ministério Público do Estado do Acre.

Ildon Maximiano Peres Neto é Promotor de Justiça da Promotoria de Justiça Cível da Comarca de Cruzeiro do Sul (AC).

2 comentários:

ELSOUZA disse...

Caro Altino! Abaixo e na íntegra, transcrevo em duas partes, a PÉROLA JURÍDICA que fui buscar na WEB.
Poder de investigação – PEC 37 ajudará o país no combate à corrupção
06 / 07 / 2012
Por Paulo Roberto D’Almeida
Objeto de inúmeras críticas e falsas interpretações por parte de promotores e procuradores de Justiça, a Proposta de Emenda à Constituição (PEC 37/2011) que estabelece que a apuração das infrações penais seja de competência privativa das polícias Civis e Federal será um auxílio para o país, principalmente no que diz respeito ao combate à corrupção. É o que garantem a Associação dos Delegados de Polícia do Brasil (Adepol/BR) e a Associação Nacional dos Delegados da Polícia Federal (ADPF).
De autoria do deputado federal Lourival Mendes (PTdoB-MA), a PEC acrescenta um parágrafo ao artigo 144 da Constituição Federal, que trata da organização da Segurança Pública no Brasil, e deixa claro que a missão de investigar crimes é da Polícia Judiciária, ou seja, da Polícia Federal e das Polícias Civis dos Estados e a do Distrito Federal.
Defensores da PEC 37, a Adepol/BR e a ADPF elaboraram um documento público desmentindo ponto a ponto as falácias ditas pelo Ministério Público (MP) sobre a proposta de emenda à Constituição. Sob o título “10 Mentiras sobre a PEC 37. Diga Sim à PEC da Cidadania”, o documento mostra que, ao contrário do que diz o MP, não existe no ordenamento constitucional nenhuma norma expressa ou implícita que permita ao Ministério Público realizar investigação criminal. “Pelo contrário, a Constituição impede a atuação do MP ao dizer que a investigação criminal é privativa da Polícia Judiciária”, diz o documento assinado pelas duas associações.
No Brasil, funciona o sistema acusatório de investigação, ou seja, o Ministério Público oferece a denúncia e a Polícia Judiciária investiga. Até os países europeus que atualmente adotam o sistema misto de investigação estão migrando para o mesmo sistema adotado pelo Brasil. Além disso, ao contrário do que diz o MP, a PEC 37 vai de encontro com os tratados internacionais assinados pelo Brasil.
As convenções de Palermo (contra o crime organizado), de Mérida (contra a corrupção) e a das Nações Unidas contra o Crime Organizado Transnacional determinam tanto a participação do Ministério Público quanto da Polícia Judiciária no combate a esses crimes. Mas frisa que a atuação de cada um, assim como das demais autoridades, está regulada no ordenamento jurídico pátrio que não contempla a investigação criminal autônoma produzida diretamente pelos membros do Ministério Público. ...

ELSOUZA disse...

Continuação... Outra falsa alegação sobre a PEC 37 é a de que, com sua aprovação, a quantidade de órgãos fiscalizadores sofrerá drástica redução. De acordo com as associações, quando o Ministério Público tenta realizar investigações criminais por conta própria, ele deixa de cumprir uma de suas principais funções constitucional: o de ser fiscal da lei. Sendo assim, deixa de dar a atenção aos processos em andamento, os quais ficam esquecidos nos tribunais, para exercer um papel que não é seu.
Aliás, a Constituição Federal é taxativa ao elencar as funções e competências do Ministério Público. E fazer investigação criminal não é uma delas. “Quando o Ministério Público, agindo à margem da lei, se aventura numa investigação criminal autônoma, quem agradece é a criminalidade organizada, pois estas investigações serão anuladas pela justiça”, acreditam a Adepol/BR e a ADPF.
Além disso, o MP alega que a PEC 37 vai contra as decisões dos Tribunais Superiores, que garantem a possibilidade de investigação pelo Ministério Público. Na verdade, a matéria está sendo examinada pelo Supremo Tribunal Federal. Em seu parecer, o relator do caso, ministro Cezar Peluso, votou favoravelmente à pretensão dos delegados. Segundo ele, “a Constituição de 88 conferiu o poder de investigação penal à Polícia. A instituição que investiga não promove ação penal e a que promove a ação penal não investiga”, afirmou Peluso. O ministro Marco Aurélio Mello esclareceu: “Não imagino procurador com estrela no peito e arma na cintura para enfrentar criminosos na rua como se fosse policial”, disse.
Outras verdades sobre a PEC 37
Ao contrário do que dizem promotores e procuradores de Justiça, a PEC 37 não gera insegurança jurídica e não desorganiza o sistema de investigação criminal. Afinal, a investigação criminal feita pela Polícia Judiciária tem regras definidas por lei, além de ser controlada pelo Ministério Público e pelo Judiciário. Já no caso do Ministério Público, não há regras, controle, prazos, nem acesso à defesa. Além do mais, a atuação é arbitrária.
Sobre a alegação de que a PEC impede o trabalho cooperativo e integrado dos órgãos de investigação, as entidades esclarecem que quando cada um atua dentro dos seus limites legais, a Polícia Judiciária e o Ministério Público trabalham de forma integrada e cooperada. Mas lembram que a Polícia Judiciária — cujo trabalho é isento, imparcial e está a serviço da elucidação dos fatos — não está subordinada ao Ministério Público.
O Ministério Público tenta diminuir o trabalho das polícias Civis e Federal alegando não haver capacidade operacional para levar adiante todas as investigações. A Adepol/BR e a ADPF rechaçam tal afirmação e garantem que o Ministério Público não está interessado em todas as investigações, mas só os casos de potencial midiático. “É uma falácia dizer que o Ministério Público vai desafogar o trabalho das polícias”, diz o documento assinado pelas duas associações.
A PEC 37 tem o apoio unânime de todos os setores da Polícia. Para Adepol/BR e a ADPF, “quem estiver contra a PEC da Cidadania deveria ter a coragem de revelar seus reais interesses corporativos, os quais estão longe do ideal republicano. Não é possível conceber uma democracia com o Ministério Público reivindicando poderes supremos de investigar e acusar ao mesmo tempo, comprometendo, por conseguinte, o saudável equilíbrio dos poderes”.
Paulo Roberto D’Almeida é presidente da Associação dos Delegados de Polícia.
Revista Consultor Jurídico, 5 de julho de 2012
Fonte: www.conjur.com.br