sexta-feira, 21 de janeiro de 2011

PASSEIOS NORDESTINOS

José Augusto Fontes



Nas férias a vista pousa e passa, o olho arredio registra novas e diferentes imagens, vai seguindo e abicorando. Há cheiros, sabores e desenhos diversificados e o corpo dança a música que tocar. Pode ser o tambor do Maranhão ecoando pelo centro histórico de São Luís, pode ser o reggae misturado com o folclore do boi. Quer outros rumos? Vá a Raposa e veja a vila dos pescadores e seu artesanato, passeie pelos igarapés e mangues. Em outro estilo, apenas aprecie a paisagem e a religiosidade em São José do Ribamar. Ou se deixe estar em Alcântara, diante das ruínas históricas e dos casarões azulejados, pertinho da base militar de lançamento de foguetes. Ali vimos um antigo pelourinho, por capricho instalado bem em frente de onde era uma igreja (dos brancos, pois lá havia igreja só para negros), o que nos fez refletir sobre as desigualdades no mundo. É tudo viagem. Se preferir, deixe o rio Preguiças te levar para Barreirinhas, passeie com ele e siga para os Lençóis, onde as areias e os ventos podem deslocar seu pensamento, com o corpo lavado de suor. Vai sempre haver uma lagoa para refrescar o juízo. Quer outras turmas? Vamos em frente, seja por água, pela areia ou por trilhas. Nas férias, nada nos aborrece.

Dos infinitos lençóis de areias que moldam lagoas dançarinas, vamos em caminhada lenta para um labirinto de águas. Seguimos de lancha voadeira para Caburé, um pedaço de terra e areia entre o rio Preguiças e o mar. Ali as pousadas não têm energia elétrica para possibilitar uso de geladeira, ar condicionado ou televisão. A luz apaga as dez da noite e nós ficamos com o luar, com o barulho do mar e com a escuridão reticente. Pernoite quente e amanhecer de expectativa. Andar pela praia e pelas trilhas, saindo do Maranhão para o Piauí, com destino a Parnaíba. Uma Land Rover percorreu as areias e as vilas, beirou riacho e lagoa, enquanto nossa vista registrava o balançar de corpos nessas pistas  multifacetadas.

Deixamos a revoada de guarás em Caburé e chegamos para ver outro delta, diferente daquele dos pássaros. No delta dos guarás, há pássaros escuros e há os vermelhos, que são assim porque já comeram muitos caranguejos e incorporaram a cor. Os mais novos já foram brancos, estão negros acinzentados, mas logo ficarão vermelhos. No Delta do Parnaíba, o conjunto é de rios, com cinco grandes canais de água derivados da ramificação do rio Parnaíba, formando o Delta que se acaba no mar.

Nesse labirinto de águas que se esparrama do rio Parnaíba, nosso barquinho adentra pelo rio Tatus. Andamos pelos igarapés ladeados de mangues, vimos o peixe de quatro olhos, navegamos os banzeiros. Também nós ficamos divididos, na confusão de tantas belas paisagens, com os sentidos embalados pelas águas do Delta, até que uma chuva fina veio da cabeça do mundo e nos lavou o pensamento. No encontro das águas, as diferenças fingem que se acabam e quase tudo é intersecção, com uma pontinha de areia de testemunha.

Voltamos, empurrados pela chuva, paramos em uma ilha acolhedora e reunimos as ideias. A fumaça do meu cigarro me levou para a varanda do sem fim. Na descida para a praia, uma estranha cerca de galhos secos dividia um jardinzinho de flores tímidas, da areia de conchinhas e pedrinhas, como a dizer aos caranguejos que com suas patinhas, eles só poderiam ir até ali. Também nós voltamos para mais um pouso, e de Parnaíba passamos a vista em Luís Correia e em seus arredores, tirando umas casquinhas na praia de Macapá e volteando Coqueiros. A festa das férias pede novas cores e rumos. É já que vamos picar o jegue.

Teresina está nos esperando, mas antes vamos ao Parque Nacional das Sete Cidades. As formações rochosas são imponentes e o lajeado dá solidez aos nossos passos entusiasmados. Aqui e acolá, um mocó permeia a paisagem de caatinga misturada com serrado. Eles são mais quietos do que o gato maracajá que cruzou a estrada, a caminho do parque. Chegamos passando pelo olho de uma água cristalina e logo começaram a surgir pedras imponentes, como desenhos em um tapete sólido e multicor. Volteamos, passamos pela base onde há hotel, restaurante e instalações administrativas, para logo seguir nas trilhas das cidades. A pedra em forma de tartaruga é uma maravilha de peças incisivas e o elefante em perspectiva parece insinuar a grandeza do lugar. Mandacaru, chique-chique e até gameleira margeavam nossas trilhas. Passamos pelo Arco do Triunfo (ou Portal dos Desejos, onde fiz o meu) e depois subimos ao mirante. Lá embaixo, vimos um mundo de verde calcado numa imensidão de pedras pra todo lado. Respiramos fundo, tomamos vários goles de água e fomos ver as opalas. Aos poucos, vamos armazenando na lembrança e no disco rígido das nossas sensibilidades, tanta beleza natural percorrida na viagem.

Já sabemos que nas férias a vista pousa e passa. O rumo agora é Teresina, mas é preciso cantarolar em Piripiri e não se pode dispensar um bode assado, em Campo Maior. Ali também há uma lagoa. Em sua margem, umas arvorezinhas acolhem as garças para a noite que se avizinha. Atrás delas, um manto vai chegar cobrindo o mundo e apagando o dia, que em seus penúltimos raios nos mostra Teresina. Chegamos avistando as pontes, na paisagem serpenteada de rios. O Parnaíba parecia nos seguir e o Poty nos acolheu em suas margens. A capa escura da noite caiu, mas as luzes nos mostram uma cidade brilhante e movimentada, nos chamando para passear. Um banho no cansaço e já estamos pelas ruas, junto com o som do forró. Outra vez, o olho arredio registra novas e diferentes imagens. Há cheiros, sabores e desenhos diversificados. Passa a noite e no novo dia vamos ver o encontro das águas do Poty com o Parnaíba. Passeamos pela cidade, enquanto o dia passa. E nesse passar, já pensamos em Fortaleza.

O Ceará é outra conversa, é nosso porto. Seguimos pra lá, passando pela serrinha em Tianguá, numa longa viagem por várias cidadezinhas, com parada em Canindé. Ali, umas preces e uns picolés, na praça festiva do interior. Mais um cafezinho no moinho da vida. O cansaço bateu e noite avançou, enquanto estamos no carro comprido, percorrendo o sertão e a imensidão. Mas o cansaço não é nada, diante do vai e vem da vida. Na minha rede não tem disso, não. A viagem tem que continuar. Vamos seguindo e abicorando. Vão vir outras histórias pra contar, de tudo que se tem pra viver. Enquanto isso, o corpo dança a música que tocar.

José Augusto Fontes é poeta, cronista e juiz de direito acreano

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