quinta-feira, 19 de fevereiro de 2009
PAJÉ NEGA CANIBALISMO NO AMAZONAS
Ao contrário do que foi alardeado pela mídia, o velho pajé Tata Yawanawá, 94, da Terra Indígena do Rio Gregório, no Acre, afirma que o canibalismo não faz parte da tradição dos índios da etnia kulina.
Quatro índios kulina foram indiciados no começo do mês pela Polícia Civil acusados de matar e esquartejar o branco Océlio Alves de Carvalho, 21, no município de Envira (AM), na divisa com o Acre. Os indígenas foram acusados de comer parte das vísceras da vítima em um ritual de suposto canibalismo.
- Fiquei sabendo que nossos parentes txapunawa, conhecidos como kulina pelos brancos, estão sendo acusados de prática de canibalismo contra um branco no município de Envira, no estado do Amazonas. Fui convidado a falar sobre este assunto pelo Blog da Amazônia e devo esclarecer que jamais meus avós e pais mencionaram a prática desse tipo de ritual entre nossos parentes txapunawa - disse com exclusivdade o pajé.
Tata conhece os txapunawa (kulina) como grandes cantadores, fortes pajés e por gostarem de comer cobra jibóia. Desde jovem, o pajé aprendeu com os mais velhos a tomar uni, uma bebida considerada sagrada, também conhecida como ayahuasca. Ele reza e usa as plantas para tratar pessoas enfermas com a medicina tradicional indígena.
O pajé ouviu do pai dele que existiram alguns povos muito antigos que guerreavam entre si e quando morriam comiam os mortos.
- Não perdiam nada, cremavam o falecido e faziam uma sopa. Faziam isso porque acreditavam que podiam incorporar o espírito do falecido. Mais isso foi há muito tempo atrás. Há muito tempo não escuto que isso esteja acontecendo em nossa realidade - acrescentou.
Tatá considera que os brancos “não são animais para a gente comer”. Segundo ele, tanto os yawanawá quanto os kulina não são urubus para comer humanos mortos.
- Devem estar enganados ou mentindo quando dizem que os kulinas estão comendo os mortos. Não podemos comer uma pessoa igual a gente. Segundo os mais velhos, os povos que comiam seus mortos, só comiam seus próprios parentes. Eles não comiam os brancos. Eles diziam que os brancos era azedos e amargos. Por isso nunca comiam os brancos.
Estudiosos negam canibalismo
A ONG Survival International anunciou hoje que vários especialistas mundiais duvidam seriamente da autenticidade da cobertura dada pela mídia sobre o suposto canibalismo entre os kulina.
Donald Pollock, presidente do Departamento de Antropologia da Universidade Estatal de Nova Iorque em Buffalo, disse que os Kulina não tem história ou tradição de canibalismo, e expressaram aversão à idéia muitas vezes.
- Estou confiante que as acusações atuais serão refutadas como falsas quando forem completamente investigadas - acrescentou Pollock.
Domingos Silva, antropólogo da Universidade Federal de Santa Catarina, disse à Survival que os kulina, em toda a bibliografia que conhece, nos anos todos em que os estudou, na convivência que teve com eles no Alto Purus, ou na troca de informações com sertanistas experimentados da região, nunca deram qualquer sinal de prática canibalística.
Daniel Everett, presidente do Departamento de Línguas, Literaturas e Culturas de Universidade do Estado de Illinois, e autor do best-seller "Não Durma, Aqui tem Cobra", trabalhou com todos os grupos da família Arawan, da qual fazem parte os kulina.
- Não conheço nenhuma prova de que os kulina ou qualquer outro grupo Arawan tenham alguma vez praticado canibalismo.
Segundo a ONG, a fonte das reportagens parece estar limitada ao prefeito de uma cidade próxima, que disse à polícia ter sido informado por um membro do povo de que o "ritual" teria acontecido.
- Fatos foram atribuídos aos índios sem ter sido feito um inquérito. Houve sim um pré-julgamento dos índios, parte de uma grande campanha de difamação que tem por detrás outros interesses - afirmou Ivar Busatto, coordenador da organização não-governamental OPAN, que há anos trabalha com os Kulina.
O depoimento do pajé foi gravado, editado e traduzido pelo líder indígena Joaquim Tashka Yawanawá, que mantém o blog Yuxinawa sobre a vida de seu povo.
Saiba mais no Blog da Amazônia.
Assinar:
Postar comentários (Atom)
2 comentários:
Os únicos canibais que conheço são os latifundiários, as gentes sem sensibilidade com O Outro, a cultura branca racista, os tribunais, as ONGs e o Estado.Esses canibalizam mesmo, as culturas originárias, suas identidades e saberes.
Canibalismo é o encobrimento desses mais de 500 anos de espolicação!
Afinal, acharam o corpo do rapaz? Onde? Em que condições? Fizeram um investigação séria ou são acusações sem base?
Postar um comentário