quinta-feira, 16 de outubro de 2008

SE ESSA LAMA FOSSE MINHA

Moisés Diniz

Não faz tempo, medida de milhares de anos, a humanidade arrancava da terra o alimento com o suor do rosto. Hoje, com o aperto (que virou toque suave) de um botão (que virou marca digitalizada), o homem aciona uma engrenagem que produz toneladas de aço, faz decolar uma máquina que rasga os céus ou ejeta uma conjunção de plutônio e sofisticados gases que pode ceifar milhões de vidas com a sua explosão.

E, inacreditável, a humanidade está mais triste! Proporcional à população, os índices de suicídio são infinitamente maiores hoje do que a milhares de anos. O psicanalista é invenção secular, tão nova quanto o telégrafo ou a máquina a vapor. Angustiado, o homem procura ‘um lugar onde o seu coração possa respirar em paz’, a movimentar-se nas grandes cidades como um cordeiro entre lobos. E estes se dizem seres que amam, raciocinam e dialogam. Mas, como se fossem formigas, esquecem que um dos pais da humanidade foi o aperto de mãos!

As guerras, que acompanham o homem desde que ele começou a apropriar-se dos bens do planeta, já tomaram conta da rotina humana. Imaginávamos que a guerra fosse um produto da barbárie e seus postulados unilaterais, da ganância de quem se apropria do alheio e de um mundo que não se olhava nos olhos e tão pouco ouvia a palavra do semelhante. Asneiras! A tecnologia do diálogo nunca foi tão farta e generosa, do velho telefone à comunicação pela imensa rede da informática. Mas, o homem está guerreando mais, se não entre nações, guerreia entre si mesmo, entre religiões, raças e até entre opções sexuais. E, cada vez mais voraz, guerreia entre os que se apropriam da riqueza e aqueles que a produzem.

Produzíamos a riqueza com as próprias mãos ou, no máximo, com a ajuda de um arado de madeira bruta e de um velho quadrúpede, que ainda não tinha consolidada nas hélices tortas de seus genes a submissão ao trabalho. As máquinas, hoje, produzem por nós. Derramamos menos suor, calejamos menos as mãos! E por que essa angústia a se tornar, continuamente, uma tempestade dentro das veias humanas?

Há poucos milhões de anos, o homem vivia cercado pelas feras da floresta assombrosa. Não compreendia os poderosos sinais dos céus, trovões e tempestades, e tão pouco sabia decifrar e curar as moléstias que dizimavam as aldeias nascentes. Todas essas fontes de angústia foram esmagadas pela ciência em expansão, mas o homem moderno está a gastar milhões de moedas em busca da cura daquilo que ele chama de enfermidades da alma. E nem percebe que o seu semelhante é a fera que o acuava na velha caverna. No lugar de uns galhos e cipós, ele coloca barras de ferro nas entradas das sofisticadas moradias, contra as feras que usam balas mortíferas no lugar de suas ancestrais garras.

Caminhamos pelas ruas, carrões luxuosos de nossos semelhantes a cuspirem dióxido de carbono, como um vulcão, em nossas gargantas. Semelhantes! Bela semântica para esvaziar a nossa rebeldia! Onde foi parar aquele velho sonho de fraternidade? Dorme, amedrontado, nas últimas linhas de uma homilia. Dominamos os céus e a estrutura espetacular dos átomos, mas não adquirimos a tecnologia do amor, a ciência da partilha.

E quando pensávamos que as nossas angústias vislumbravam o primeiro porto, eis que alguns imbecis produzem alguns rombos em nossa embarcação. Eles estão entre nós, soltos, usando as nossas velhas camisetas. Não vêem esses palermas que a direita não perdoa! Não vêem esses bobos da corte que a lama deles vai atingir os inocentes!

O que eu tenho a ver com esses “entes” que nos cercam, nos fazem parecer iguais ao passado de dor e nos deixam tão incomodados? O que você, que está há décadas nas frentes de luta, tem a ver com essa podridão? Simples, doutor, nós estamos sofrendo da síndrome da uva. Diz a Bíblia: “os pais comeram uva e os filhos ficaram com os dentes embotados”. É isso, parceiro, quem não tem nada a ver paga a mesma conta. A conta de ser da esquerda, de defender a ética e de estar do lado de cá da mesa.

O que fazer? Deixar e exigir que a justiça castigue, com os seus instrumentos, aqueles que estão do lado de cá, fazendo as mesmas coisas que a direita fazia. E, por se postarem do lado de cá, por puro oportunismo, merecem pagar dobrado! Pois, dizer que a direita fazia a mesma coisa, não deve servir como atenuante, deve ser agravante. De nossa parte, que não nos enlameamos, precisamos olhar para dentro de nós e ver se não há lá dentro, em formação, uma corrupçãozinha. Perguntar se aquilo que esses palermas estão fazendo não é uma doença adulta, permitida e fecundada em pequenas corrupções.

A corrupção humana é bem mais ampla do que um caixa dois, um desvio de dinheiro público, uma compra de votos, um mensalão. Ela caminha desenvolta na hora de uma nomeação, quando se escolhe um fornecedor, num concurso de títulos, numa loja em promoção. Ela alimenta o menino de rua, o desempregado, o sem teto, a prostituta. Sem contar a corrupção privada, que daria outro ensaio, tamanha a sua dimensão.

Fiscalizar esses pequenos sistos, essas pequenas amebas e arrancá-los cotidianamente, é tarefa de primeira hora. Aqui não há segredos! Não é coisa de vontade pessoal ou profissão de fé, é tarefa coletiva. Para essa cirurgia só há um tipo de bisturi. A participação popular, a transparência na gestão pública, o controle social e o diálogo com o povo. O fazer público deve ser verdadeiramente um fazer coletivo, colado no povo e nas suas organizações.

Se a gente assim o fizer, as angústias atuais da esquerda perderão intensidade frente às nossas milenares angústias humanas.

O deputado estadual Moisés Diniz (PC do B) é líder do governo do Acre na Assembléia Legislativa.

11 comentários:

Anônimo disse...

Estou enganado ou este belo ensaio viaja pelos tempos imemoriais para, nos últimos parágrafos, exigir justiça para prefeitos que compraram a consciência do eleitor? É isso? Se for, parabéns pela criatividade!

Anônimo disse...

Que bom que o deputado não partidarizou o seu descontentamento. Que sejam todos punidos! ladrão de consciência merece pagar dobrado! Concordo!

Anônimo disse...

Acho que cada um de nós deve se olhar no espelho! Será que eu também não estou fazendo a minha corrupção? vamos olhar bem....

morenocris disse...

"...E, inacreditável, a humanidade está mais triste! Proporcional à população, os índices de suicídio são infinitamente maiores hoje do que 'a milhares de anos'...

Conserto: há milhares de anos. Nào se preocupe, embaixo está correto.

O homem é mão e razão, mas, utilizamos os dedos para apontar erros, como forma de crítica e não de construção.

Belo texto, como sempre. Parabéns.

Beijos.

Demien disse...

Não li o texto todo, confesso. Toda vez que me deparo com um discusso deste tipo que condena a sociedade moderna usando essa poesia de cabaré, essa ignorância doutrinária,essas distorções, e uma tremenda, irrefreável, incontrolável e indizível vontade de falar mal do homem moderno... como se avanço tecno-cientifico fosse algo mau e ruim. Sinto uma irefratavel vontade de mandar que o interlocutor seja coerente, e tenha a decencia de sair da frente do computador, colocar uma tanguinha na sua bunda indecente, e que vá morar entre os índios!

Talvez esse tipo de gente se sentisse bem á vontade entre os justos, bons e angelicais barbaros, os hunos, ou os godos... quem sabe também entre os neardenthais. Mas eu, não; eu prefiro a modernidade que transformou o homem neste poço de "maldade" insondavel[ironic mode on].

Anônimo disse...

Nossa! Como esse(a) Demien é má(u)! Quanto preconceito contra os povos indígenas... Quanta ignorância em relação a um ensaio que condena a sociedade do consumo. Pobre Demien.... Acho que nem alma tem. Começo achar que esse(a) Demien é um político que se esconde, daqueles de mão suja. Rssrss....

Demien disse...

Anonimo, não adianta especular sobre minha vida. Isto não invalidará o que eu disse, caso queira debater o objeto em discussão, refute o que eu disse. Será uma atitude mais digna e proveitosa para ambos.

Eu, realmente não me impressiono com este tipo de discurso. O autor tenta colocar-se em uma situação hipoteticamente superior a toda raça humana para criticar aquilo que é inerente a ela. Contudo, caso ele vá viver no meio do mato, e passe a viver como os barbaros de antigamente eu aceitarei este tipo de postura contra a modernidade e o desenvolvimento que ela trouxe. porque ele estaria sendo etico e coerente com o que pensa. Do contrario, não passará de empulhação barata!

Anônimo disse...

Demien,
Não mude o discurso. Você foi preconceituoso sim com os povos originais. Peça desculpas! O autor do ensaio não condena os avanços tecnológicos, apenas afirma que estes não resolveram as dores da alma. Acho que você está com ciúmes do belo texto. Escreva o seu e pare com essa inveja barata. Aliás, essa palavra empulhação é típica de alguém que eu conheço.... Rssrss

Anônimo disse...

Nossa muito lindo!
num tempo em que estamos acostumados a acomodar-nos diante das mazelas de nosso tempo, uma leitura como esta nos fasz refletir sobre o que estamos fazendo e para onde estamos indo!

Mambira xixica disse...

Não vamos só poetizar a vida, a miséria....
Caro, vamos colocar em prática essa poesia!
Queremos projetos, queremos poucos poemas, pouca hipocrisia e mais ação!
Acho que vossa excelência está a poetizar em demasia!
volte seus olhos ao seu redor e veja que a realidade não é nada poética e nem romântica .
Elegemos um deputado para elaborar programas e leis que atendam os interresses da população.
Resumindo: vai trabalhar meu filho! Vai cumprir teu papel!

morenocris disse...

Eu não falei?...

Beijos.