terça-feira, 18 de março de 2008

O DESABAFO DE ABRAHIM FARHAT

Maracimoni Oliveira e Elson Martins


"Lhé" está sob as garras do MPE e de amigos-da-onça

Há três semanas a vida prega uma peça ao guerreiro Abrahim Farhat, o Lhé. Ele, que sempre militou pelas causas sociais e pela cidadania para todos, que foi o primeiro homem a brigar pelos direitos das mulheres no Acre e costuma brincar dizendo que tem um lado feminino forte, que ajudou a criar o Centro de Defesa dos Direitos Humanos, entre outras entidades, foi acusado e é inquirido pelo Ministério Público Estadual de violar os direitos de sua própria mãe, dona Elza. Ou seja, o Lhé, que tanto se orgulha da luta que empreende há mais de 40 anos com admirável coerência, se vê humilhado na condição de transgressor dos direitos humanos. E contra a mulher que considera seu grande tesouro, a quem dedica um amor evidente para todos que o conhecem.

Baseado no depoimento de uma das filhas de dona Silvia Maluf Farhat, ou dona Elza (como é conhecida), o MPE abriu um procedimento administrativo onde diz que Abrahim e seu irmão Jorge brigam causando constrangimento à mãe, impedindo-a de transitar dentro de casa. Passou então a inquirir dona Elza, que tem 86 anos e sofre do mal de Parkinson, como principal testemunha do processo que também arrola duas irmãs Farhat, uma delas vítima com doença crônica que a obriga tomar remédio controlado há 20 anos.

Na segunda-feira de fevereiro, dia 25, a família Farhat foi convocada para prestar testemunho a duas assessoras da promotora de justiça de Defesa da Cidadania e Saúde, Gilcely Evangelista. Segundo Lhe, foi uma sessão de puro constrangimento: dona Elza foi submetida a uma inquirição para responder se os dois únicos filhos homens dela (tem mais cinco mulheres) brigavam e a constrangiam, causando mal a sua saúde. A mãe dos Farhat ficou indignada, passou mal e agora está com a saúde realmente comprometida. Além de passar pelo rosário de perguntas, ela presenciou a inquiridora mandar seu filho Abrahim calar a boca, quando este pediu que tivesse calma com sua mãe. Além disso, o Lhé, que também é idoso, foi afrontado com o Estatuto do Idoso, exibido pela assessora que dizia estar apenas cumprindo a lei.

Ferido e decepcionado, porque se viu sozinho, sem apoio dos companheiros de luta e dos movimentos que ajudou a construir no Acre, Lhé faz um desabafo sincero afirmando que ninguém o ouviu. Aos 66 anos, reconhecido pela sua alma bondosa e solidária, ele está mesmo abalado e quer “descarregar”. Por isso concedeu esta entrevista durante um almoço em sua casa, num clima amoroso, de ambiente familiar bem diferente do que sugere o processo.

Desrespeito
-Eu jamais imaginava que um homem, que desde 1968, com o bispo Dom Giocondo, procurava formar o Centro de Defesa dos Direitos Humanos, fosse acusado de violar os direitos humanos. Eu estou sendo acusado de violar os direitos da minha mãe dentro de casa. Naquele ano, quando o Ministério Público – que agora me inquire - estava dormindo, a gente já lutava para dar cidadania e respeito aos velhinhos e às mulheres. Mas esse Ministério não fazia nada, pelo contrário. Era um ministério que servia à ditadura militar (1964-1985) para nos processar. A gente sabendo da importância da instituição, pressionava para que ela se transformasse num ministério de justiça, de direitos.

Nós queríamos naquele tempo formar centros de defesa para defender as mulheres que apanhavam dos ricos e dos pobres, para defender os velhinhos maltratados, os pacientes mentais, os nossos irmãos aleijados que eram acorrentados. A idéia de que eu esteja agindo contra os direitos humanos, sobretudo contra minha mãe, me machuca muito. Não me constrange ir à justiça prestar esclarecimentos. Eu quero esclarecer e responder o que for necessário. O que me preocupa é a forma como trataram e continuam tratando minha mãe. Como sou um homem de direitos humanos, claro que minha mãe é um espelho. Ela foi desrespeitada - e eu também - quando foi inquirida no inquérito que me acusava de brigar com meu irmão Jorge, o que é absurdo, porque nunca briguei com ele. No dia da audiência uma senhora e uma jovem do MPE inquiriram minha mãe perguntando assim:

- Dona Elza, é verdade que seus filhos Abrahim e Jorge brigam causando constrangimento à senhora?

Eu até ri, considerando aquilo infantilidade: como se briga em família não fosse coisa normal! Não estava esperando perguntas sem fundamento. E fiquei mais surpreso com a reação da minha mãe, que foi logo contestando:

- Quem disse isso? Eu não disse isso. Ela começou a bater na mesa, trêmula, e insistiu falando: - Quem disse isso? Eu não disse isso.

Maracimoni Oliveira e Elson Martins são colaboradores do blog. Na foto abaixo, tirada em novembro de 1982, o ainda jovem Lhé, aparece atrás do metalúrgico Lula, que carrega no braço o guitarrista João Eduardo, da banda Los Porongas. O desabafo continua. Clique aqui.

6 comentários:

Elisson Magalhães disse...

Solidariedade ao Lhé!!!

Jalul disse...

É realmente constrangedor ver o Lhé nesta situação. Só quem não o conhece desde sempre é que não sabe da bondade que carrega consigo.

Até posso crer que em algum momento Lhé tenha perdido as estribeiras. Afinal ser bom, não significa ser santo.

As dificuldades com doenças familiares se arrastam há muitos anos. Tragédias e mais tragédias, suicídio e tendências de, fazem do Lhé, praticamente, o único são de uma família de muitos. Lhé bem poderia ter abandonado o barco, mas arrasta a cruz familiar com paciência de Jó.

Ao amigo Lhé Brachula minha solidariedade e compreensão.

Brima Leila

Unknown disse...

Conheço o Lhé desde sempre. Vivemos experiências políticas nos momentos em que a mão pesada da ditadura ainda marcava os rumos da vida em nosso país, mesmo no nosso pequeno Acre. Somos parceiros no esforço de dar vida ao GESCA, quando contávamos com o apoio de Mauricila, Marilia, Irene, Raimundo Guilherme e a mão protetora de D. Giocondo. Isso aconteceu lá pelos anos sessenta, ali, logo depois do golpe e quando o Kalume procurava, afoito, mostrar serviços para os senhores do país. Lhé ainda vivia a sua luta para tentar vencer Paulo Nazaré nos embates pela direção da Casa do Estudante Acreano.

Nos finais de semana, domingo, mais precisamente, era dia do Lhé. Graças a ele, o salão do Rio Branco transformava-se em ponto de encontro dos mais jovens. Dançávamos, namorávamos, muita gente casou por conta das domingueiras do Lhé.

Esses dois lados da personalidade do Lhé, a disposição para sempre construir um ambiente de confraternização e o desejo e a vocação para se pautar por uma luta política pela emancipação, sempre foi socialista, fazia do Lhé um personagem de grande exposição. Não sei se alguém em Rio Branco, pelo menos, naqueles tempos, não conhecia o Lhé. Conhecer, mesmo. Saber de suas aspirações, de suas lutas, de suas paixões, das suas namoradas, dos seus amigos.

Muitas foram as vezes que terminávamos, em grupo, aumentando os pratos postos a mesa por sua mãe, D. Elza. Assim mesmo, de surpresa. Nessa convivência, terminamos tomando conhecimento das relações familiares do Lhé. A forma como sua mãe nos recebia, demonstrava ter pelo Lhé o mais expressivo sentimento de amor materno. Depois do passamento do seu pai, Lhé assumiu, pelo menos por algum tempo, um papel central na condução dos negócios da sua familia. Dividia essa tarefa com os irmãos. Sabiamos das dificuldades nesse dificil relacionamento marcado por questões muito sérias de saúde, de dificuldades financeiras e por ai vai.

Lhé diante das adversidades mantinha seu interesse pela política sendo a presença mais efetiva em todos os acontecimentos relevantes, contribuindo para a construção do movimento progressista em qualquer momentos ou perspectiva, e, sempre, mantendo uma posição de calma, tolerância, tranquilidade diante das adversidades que atingissem sua vida familiar. Nunca, assisti o Lhé assumir uma posição agressiva, mas, era capaz de interpor seu corpo frágil entre algum agressor e sua vítima, esperando resolver a confusão com seu poder de persuassão. Isto é o que marca de forma mais clara, mais forte, a personalidade do Lhé: a defesa intranzigente da não-violência. Inventava os mais complicados argumentos para desfazer um quadro de tensão.

A forma como mergulhou nas lutas políticas, em nada abalou a sua permanência no interior das relações familiares, onde assumia o papel central na resolução das questões que se desdobravam muitas das quais insolúveis.

Assim, nós de sua geração, envelhecemos vendo o Lhé dobrar-se, ano a ano, ao peso de uma vida que teima em negar-lhe a valoração que merece por sua conduta como filho, como irmão, como pai.

Nós, seus amigos, sei que falo em nome de muitos, sabemos da injustiça que se pratica contra esse acreano, quando se pretende atribuir-lhe uma conduta absolutamente equivocada e avessa ao que de fato pratica ao longo da vida.

Tenho a mais absoluta certeza que, houvesse o cuidado de uma rápida investigação, não teriam acontecidos as constrangedoras cenas no Tribunal.

Certamente, quem conhece, pouco que seja, da vida do Lhé, estará solidário com ele em mais um momento de dificuldade. Que fique registrada a nossa indignação pelo desconforto imposto a D. Elza que, fragilizada pelo envelhecimento e pela doença, demonstra a relação que construiu com seus filhos, ainda tem forças para partir para a defesa dos seus filhos.

Querido Lhé, continue o Lhé de sempre.

cadu.lopes disse...

Lhé, força sempre. Ela nunca lhe faltou.

Fatima Silva disse...

Nasci e creci no bairro 6 de Agosto, portanto conheço o Lhé desde que eu era criança, e a partir dos meus 16 anos tenho no Lhé uma das mais fortes referencias para a minha formação de cidadã. Com o Lhé conheci os conflitos de ocupação de terras urbanas, o movimento de seringueiros, o jornal Varadouro e também dancei muito forro. Ainda hoje encontro o Lhé em algumas festas, as vezes acompanhado de sua mãe. Lhé sempre foi e continua sendo um defensor dos que precisam de proteção contra aqueles que abusam de suas atribuições. Tudo isso é chover no molhado, todos sabem do Lhé.
Querido Lhé muito obrigado por tudo que você me ensina até hoje sobre respeito a todos os seres.
Um beijo

ALTINO MACHADO disse...

Mensagem do André Kamai:

"Toda solidariedade do mundo ao companheiro Lhé e sua Mãe (sua gata, como ele mesmo a chama carinhosamente).
Fiquei sinceramente estarrecido com isso tudo. Sou testemunha do carinho que o Lhé tem por sua mãe. Não foram poucas as vezes que encontrei com ele e ela passeando pela cidade. Se dona Elza sai de casa para tomar ar fresco, ver a cidade, o movimento, deve isso ao Lhé.
As pessoas não conseguem imaginar o coração grandioso e o idealista de esquerda convicto que se esconde por traz daquela figura exotica que transita pelas ruas de Rio Branco. Nunca ví o Lhé presenciar uma injustiça que não o deixasse indignado. Nunca vi o Lhé agredir ninguém, pelo contrário, ele chama de amor todas as pessoas, inclusive as que de alguma forma o atacaram.
O Lhé é um exemplo de socialista. Certa vez eu estava com o João Eduardo, esse da foto com o Lula, conversando na casa da Célia Pedrina, quando de repente o Lhé chegou pedindo para tomar banho lá, pois a fila tava grande no banheiro da casa dele. Aí perguntamos que fila era essa e ele explicou que tinha chamado o pessoal do movimento dos sem teto, que tava acampado em frente a prefeitura para tomar banho lá na casa dele e não podia furar a fila. Digam-me, como podemos duvidar da índole de alguém assim? Como podemos tratar alguém que tem atitudes e princípios de justiça como esse que parece tão simples, porem é tão significativo, como um criminoso qualquer sem se questionar se isso seria realmente possivel?
Não estou aqui, querendo fazer qualquer acusação ou avaliação da ação do MP. Penso que é uma instituição fundamental na garantia dos direitos da sociedade, dos direitos individuais, da família, no combate ao autoritarismo, a violência física, psicológica, ética e moral. Só não posso deixar de dar meu depoimento em favor de um companheiro que tanto estimo, respeito e admiro.
Companheiro, sigamos firmes, fortes e juntos na luta. Confio em ti e sei que és bom, que és Lhe.
André Kamai
Militante do PT"