João Bosco Guerreiro
Cara Deputada Perpétua Almeida, tenho que discordar da sua visão romântica e por vezes ingênua em "Reconhecer é preciso", postado em seu blog.
Sou médico, já trabalhei no Acre, em comunidades indígenas nos anos 80. Estive em Cuba, em 2000, e conheci inúmeros estudantes brasileiros fazendo medicina, inclusive vários do Acre, dos quais não tive mais contato. Não conheci a jóia da Coroa, a ELAM. Porém, muitos daqueles alunos estavam loucos para se transferir para o Brasil, o que conseguiram muitos, e continuar seus estudos por aqui, aproveitando a estada em Cuba apenas para escaparem do Vestibular.
É um erro, uma injustiça e mesmo um preconceito querer jogar nas costas do médico a conta pela má distribuição de renda no país. O médico, ou a maioria deles, como qualquer outro profissional, busca também melhores condições de vida para si e sua família.
O saudoso professor Gentile de Melo, nos anos 70, fez uma pesquisa interessante correlacionando a presença de médicos e outros profissionais universitários à presença de banco na cidade. Dizia ele, se a cidade não tem banco, dificilmente terá estrutura para ter esse tipo de profissionais.
É uma temeridade acreditar apenas em um ideal para manter as pessoas em locais remotos e desprovidos de infra-estrutura. Mesmo os nascidos lá querem, na maioria das vezes, emigrar em busca de melhores condições. Não poderíamos culpar Adib Jatene, Enéas Carneiro, Armando Nogueira ou João Donato, por exemplo, por deixarem o Acre e serem bem sucedidos mundo afora.
Nos anos 80 ajudei a formar auxiliares de saúde indígena, principalmente em Roraima, mas também no Acre. Seria injusto dizer que todos, mas boa parte deles, ao conquistar certo conhecimento eram tentados a procurar emprego e melhores condições de vida nas cidades, o que aconteceu em vários casos.
Mesmo o programa de médico de família, que deveria interiorizar médicos, padece de crise de confiança. Os médicos sofrem nas mãos de prefeitos desonestos, que só querem tirar vantagem política da situação, não têm garantia de emprego nem de salário e têm, na minha modesta visão, duas chances de dar errado.
A primeira é simplesmente dar errado. Ele não gostar do serviço e/ou nem a população gostar dele. Então mete-se a viola no saco e volta-se a tentar a vida em outro local.
A segunda chance de dar errado é quando dá certo. O médico é bom, gosta do serviço e a população dele. O problema aí é político. Um bom médico é visto logo como rival político e um inimigo importante dos poderosos locais.
Cara deputada, direcione a sua energia, ideal e boa vontade, que sei são imensos, para, por exemplo, lutar pela transformação do médico de família em um cargo federal, com plano de carreira, garantia de emprego, condições de transferência, como no Exército, para que o indivíduo possa prestar serviços em locais ermos por algum tempo, e tenha possibilidade de crescer na profissão, mudando de cidade dependendo das necessidades momentâneas, reciclar-se, educar os filhos e repassar a sua experiência.
Não precisamos de mais médicos no país, pois já os temos em quantidade suficiente. Não temos é condição de lhes interiorizar com dignidade. Agora achar que só o fato de formar-se em Cuba vai transformá-los em missionários da saúde...
◙ João Bosco Guerreiro é médico pela Unifesp, mestre em saúde pública pela Usp, doutor em medicina pela Unifesp e professor adjunto da Faculdade de Medicina de São José do Rio Preto. Trabalha com acupuntura e fitoterapia. Ele escreve no blog Reviver Saúde Holística, onde discute com clientes e alunos uma nova concepção de saúde.
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