sexta-feira, 7 de dezembro de 2007

DESFLORESTAMENTO NO LESTE DO ACRE

Foster Brown
Cleber Salimon
Alejandro Fonseca Duarte



O Acre tem muita ou pouca floresta? A resposta tem implicações para os serviços ambientais e as políticas públicas na região e depende se estamos avaliando o estado como um todo ou no nível de municípios. A área desflorestada do Acre cobre somente entre 10% e 12% do Estado, usando os dados do Projeto Prodes do Inpe para o ano de 2006 ou o relatório recente do Imazon para o ano de 2004. Estes valores só se referem ao corte raso da floresta e exclui a extração seletiva de madeira, que é difícil detectar em imagens de satélite. As porcentagens são aproximadas por causa da mudança dos limites do Estado, dos métodos diferentes de medida e das datas diferentes. Mesmo assim, eles mostram que, se fosse uma propriedade rural, o Estado do Acre seria legal, isto é, bem abaixo do limite de 20% de desflorestamento, estabelecido na medida provisória No 2.166-67, de 24 de agosto de 2001.

Neste caso, parece que o Acre está abençoado com florestas abundantes que fornecem uma série de serviços ambientais – o regulamento do ciclo hidrológico, a manutenção de fertilidade de solo, a manutenção de biodiversidade e estoques de carbono. As florestas também servem como barreiras contra fogo, com a exceção de secas prolongadas como a do ano 2005. De fato há áreas no centro e no oeste do estado onde o desmatamento é quase zero e as florestas dominam a paisagem.

A perspectiva muda, porém, no caso dos municípios no leste do Acre, onde vive a maioria da população acreana. Os dados do Prodes (veja aqui) para os anos de 2000 e 2006, mostram que dez municípios no leste do Acre já têm mais de 20% da sua área desflorestada, isto é, sem a cobertura florestal original, como pode ser visto na figura acima. Os municípios em ordem crescente de porcentagem desmatada são Xapuri (21%), Brasiléia (31%), Rio Branco (31%), Bujari (35%), Porto Acre (43%), Capixaba (47%), Epitaciolândia (50%), Acrelândia (53%), Senador Guiomar (68%) e Plácido de Castro (71%). Os dados do Prodes referem-se à antiga configuração dos municípios, porém os resultados na atualização dos novos limites não alteram muito estes valores; afinal, a área desflorestada só vai mudar de endereço com a reconfiguração, nem aumenta nem diminui no agregado.

Recentemente uma câmara técnica do Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama) recomendou a aprovação o Zoneamento Ecológico-Econômico do estado do Acre que aumentou até 50% a área de propriedades rurais que pode ser legalmente desmatada em algumas áreas do estado. Mas já em 2006, os municípios de Plácido de Castro, Senador Guiomard, Acrelândia, e Epitaciolândia igualaram ou excederam 50% da sua área desflorestada. Dentro de vinte anos, Capixaba, Porto Acre, Bujari, Rio Branco e Brasiléia teriam mais de 50% dos seus municípios desflorestados, se continuar a taxa média de desflorestamento observada entre os anos 2000 e 2006. Se fossem propriedades rurais, quatro destes municípios já seriam ilegais com o novo limite de 50% e mais cinco se tornariam ilegais nas próximas duas décadas.

Além de desflorestamento, as florestas do leste do Acre sofrem o impacto da extração seletiva de madeira e dos incêndios florestais. No ano 2005, os incêndios florestais afetaram pelo menos um terço das florestas remanescentes no extremo leste do Acre nos municípios de Acrelândia, Senador Guiomard e Plácido de Castro, observação esta baseada no relatório sobre queimadas e incêndios florestais feito em colaboração com Ufac, Funtac, Ibama, Centro de Pesquisa de Woods Hole e Univ. of Maryland, disponível no sítio da Secretaria de Meio Ambiente do Acre. Isto significa que muitas das florestas que restam nos municípios do extremo leste do Acre estão danificadas e em risco de queimar novamente; a morte das árvores provacada pelo primeiro incêndio fornece lenha para os incêndios subsequentes.

O leste do Acre abrange a maioria da população acreana, a maior parte da atividade agropecuária do estado e a maior demanda para recursos hídricos. A região tem centenas de propriedades com 50% a 100% das suas áreas desmatadas, uma situação ilegal independente se o limite é 20 ou 50%. As suas florestas remanescentes são fragmentadas em vários municípios e ausentes nas margens de muitos igarapés, reduzindo os serviços ambientais que as florestas fornecem para a região. A continuação das tendências atuais resultaria em mais vulnerabilidade da sociedade regional à variabilidade do clima. Basta ver a disponibilidade de água nestes municípios para entender a situação.

Alguns passos podem ajudar a reduzir esta vulnerabilidade e recuperar um pouco dos serviços ambientais perdidos. O primeiro seria um diagnóstico compreensivo da situação. Para ter informações confiáveis, os pesquisadores e técnicos precisam avançar na análise de dados com transparência e divulgar as informações geradas.

O segundo seria um programa de intercâmbio de informações com diversos segmentos da sociedade ajudaria a refinar estas informações e a capacitar estes segmentos no uso das mesmas. Um componente deste programa poderia ser a inclusão destas informações no ensino básico do estado, especialmente em escolas rurais de 1a a 4a série.

O terceiro seria que os segmentos da sociedade, especialmente os mais afetados por decisões de póliticas públicas nesta situação – os produtores rurais e as populações urbanas – precisam fazer parte efetiva da formulação de soluções que inevitavelmente afetarão a trajetória de desenvolvimento e conservação no Acre nas próximas décadas.

A taxa de desflorestamento pode chegar a zero, seja via uma decisão consciente ou quando não há mais floresta original para desmatar. A Mata Atlântica é prova disso. A sociedade acreana tem que decidir se ela quer parar o desflorestamento enquanto ainda existe floresta no leste do Acre.

Foster Brown é pesquisador do Centro de Pesquisa de Woods Hole, Docente do Curso de Mestrado em Ecologia e Manejo de Recursos Naturais (MEMRN) da Universidade Federal do Acre (Ufac) e Cientista do Experimento de Grande Escala Biosfera Atmosfera na Amazonia (LBA)

Cleber Salimon é professor do Departamento de Ciências da Natureza e do MEMRN da Ufac e Cientista do LBA.

Alejandro Fonseca Duarte é professor do Departamento de Ciências da Natureza e do MEMRN da Ufac e Cientista do LBA.

3 comentários:

Unknown disse...

Há pouco tempo, nas trocas de opiniões sobre o empreendimento Álcool Verde, a partir de uma matéria neste blog, o secretário da Agricultura do Acre, Mauro Ribeiro, usou cálculos que tornavam os efeitos dos grandes empreendimentos algo quase imperceptível, desprezível, no andamento da paisagem regional.

Talvez fosse interessante ele analisar tais empreendimentos indo além do mero levantamento da área que ocuparão e colocá-los à luz das informações como as deste artigo. Aliás, faz anos, ele ocupava alguma função ou no IMAC ou outro que lhe permitia influenciar as ações deste instituto, quando chegamos a falar sobre o Rio Acre. Naquele momento chamei a atenção para a necessidade de um programa, em caráter de urgência, visando a recuperação do rio.

O que é muito evidente é que o nível de desmatamento da parte ocidental acreana rebate de forma intensa sobre essa bacia hidrográfica. O quadro atual é de uma tragédia anunciada.

Hoje, recuperar o Rio Acre exige, antes de tudo, uma decisão política firme, envolvendo o governo estadual, a quem compete uma ação de coordenação, e aos governos municipais para montar normas rigorosas de uso do rio e ocupação de suas margens e muito esforço e recursos para recompor aspectos da base natural, tais como floresta ciliar, atendendo um amplo espectro do desenho da bacia.

O Mauro, como gestor do campo do desenvolvimento agrícola, ainda tem responsabilidade sobre esse encaminhamento.

Mário José de Lima

Unknown disse...

Eu cometi uma impropriedade. Relendo meu comentário vi que troquei oriental por ocidental. Desculpem.

ALTINO MACHADO disse...

Comment enviado por Foster Brow:

"Os valores de 20% e 50% para limites da área desflorestada carecem de fundamentos científicos. Eles simplificam a aplicação da lei e incorporaram a preocupação de que desflorestamento excessivo é prejudicial, mas não dizem quanto é este prejuízo em relação a porcentagem de desflorestamento.

Em uma palestra recente na Universidade Federal do Acre, o Dr. Carlos Nobre, climatologista do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), alertou que nos seus modelos climatológicos, quando o desmatamento (desflorestamento + corte de florestas secundarias) chegarem perto de 40% da Amazônia, os processos de savanizaçao acelerariam.

A savanização significa que partes da Amazônia, inclusive esta região, se tornam aptas para vegetação de cerrado e não de floresta, com a estação seca se tornando mais prolongada. O Dr. Nobre também enfatizou a importância das florestas para manter o ciclo d’água na região, especialmente quando as previsões indicam que extremos climáticos – secas, enchentes e ondas de calor - se tornarem mais prováveis nos anos que vêm.

Se usarmos como referência o limite de 40% de desflorestamento por município, seis municípios do leste do Acre já excederam este valor com mais três alcançando-o na próxima década, se continuar a taxa de desflorestamento de 2000 a 2006. Além de desflorestamento, as florestas do leste do Acre sofrem o impacto da extração seletiva de madeira e dos incêndios florestais.

Se a situação do extremo leste do Acre for extrapolada para o resto da Amazônia, teríamos uma situação muito séria, excedendo o limite que o Dr. Nobre colocou para savanização".