segunda-feira, 27 de agosto de 2007

RAIO "X" DAS UNIDADES DE CONSERVAÇÃO

Estudo indica deficiências na gestão como um dos principais desafios na Amazônia brasileira

Uma análise atualizada de dados sobre a gestão de 200 unidades de conservação (UCs) da Amazônia brasileira mostra que elas estão sendo mal gerenciadas devido à falta de instrumentos de planejamento, recursos humanos e infra-estrutura básica. A pesquisa, realizada pela Fundação Vitória Amazônica, foi lançada na quarta edição da revista eletrônica Política Ambiental, publicada pela ONG Conservação Internacional e que estará disponível para download no site da Conservação Internacional - Brasil.

De acordo com o estudo, um dos grandes desafios institucionais na Amazônia é a gestão de uma vasta gama de unidades de conservação estaduais e federais espalhadas em extensas regiões - são ao todo 287. As UCs são consideradas por especialistas em todo o mundo como a estratégia mais eficaz para a conciliação entre a proteção e o uso sustentável da biodiversidade. “A simples criação de uma UC não garante que sua implementação seja efetivada. Agora, se forem bem gerenciadas, elas oferecem uma valiosa contribuição para que consigamos evitar a extinção de espécies, o desmatamento em larga escala e o mau uso dos recursos naturais”, explica José Maria Cardoso, vice-presidente de ciência da CI-Brasil. Ele ressalta que torna-se primordial, portanto, concentrar a atenção na avaliação sobre a forma com que as UCs criadas estão sendo gerenciadas e garantir esforços para a plena implementação destas áreas.

Mudanças importantes ocorridas no cenário recente - como a criação de várias novas áreas protegidas na região e a Lei que em 2000 regulamentou o novo Sistema de Unidades de Conservação do Brasil (SNUC) - foram fatores motivadores da pesquisa. “Percebemos que era necessária a realização de uma nova análise geopolítica do atual sistema de UCs da Amazônia brasileira”, afirma Sérgio Borges, Coordenador do Programa de Pesquisa Científica da Fundação Vitória Amazônica e autor principal do estudo.

Para tanto, foram feitas análises quantitativas e qualitativas sobre o presente conjunto de UCs da região, com a elaboração de um banco de dados das unidades federais e estaduais baseado em documentos legais atualizados até dezembro de 2006, além das informações de outros bancos de dados e informações de órgãos estaduais de meio ambiente.

Cenário atual – O sistema de unidades de conservação na Amazônia se configurou graças às contribuições dos governos estaduais e do governo federal, que influenciaram de modo diferenciado no desenho das UCs. Os governos estaduais deram prioridade à criação de unidades de uso sustentável, enquanto o governo federal parece buscar um equilíbrio entre unidades de proteção integral e aquelas de uso sustentável, onde o manejo de recursos naturais é permitido.

Hoje, 23% da Amazônia Brasileira encontram-se dentro dos limites das 287 Unidades de Conservação, o que equivale a uma área de mais de 116 milhões de hectares, configurando um dos maiores sistemas de áreas protegidas do mundo. As unidades de uso sustentável continuam sendo dominantes, ocupando 61% da área total de UCs da região. Além das UCs, o estudo aponta as Terras Indígenas (TI) como parte importante do abrangente sistema de áreas protegidas da Amazônia. Ainda que não sejam formalmente reconhecidas como UCs, os autores defendem que, do ponto de vista prático, elas desempenham um papel importante na proteção dos recursos ambientais. Um exemplo disso é a TI Kaiapó, no sul do Pará e norte do Mato Grosso, que tem se mostrado uma exceção numa paisagem altamente degradada pelo desmatamento para a implementação de agricultura extensiva.

Análise estrutural – Para o estudo, foi elaborado um diagnóstico geral das UCS da Amazônia brasileira a partir de entrevistas a técnicos de órgãos estaduais de meio ambiente, solicitação de informações aos técnicos do IBAMA, consultas a páginas de internet e literatura existente. Foram utilizados três indicadores simples dos processos de gestão: documentos de planejamento, infra-estrutura local e número de técnicos lotados na unidade. Outro indicador de gestão importante, o conselho gestor, não foi incorporado na pesquisa devido ao fato de que a composição de conselhos ainda é bastante incipiente nas UCs da Amazônia.

Ao todo, foram analisadas 200 UCs, o que corresponde a quase 68% das unidades locais. Uma parte muito pequena das UCs da Amazônia possui estratégias definidas de gestão, sendo que vários dos planos amostrados estão desatualizados, 63% das UCs não possuem planos de manejo e em 12,5% dos casos, estes estão em andamento. Os recursos humanos são insuficientes, com 80% das UCs estaduais sem ter sequer um técnico lotado e média de 0,6 funcionário por unidade, enquanto as federais apresentam média de quatro funcionários. A infra-estrutura tampouco é adequada, sendo que a grande maioria das UCs estaduais não dispõe de nenhum tipo de infra-estrutura.

Estes dados revelam que, apesar dos avanços importantes nas últimas décadas no processo de criação de unidades, os órgãos ambientais responsáveis por estas unidades pouco têm feito para implementar estas unidades em campo. Segundo o estudo, estas estatísticas são piores nas UCs estaduais. Um caso ilustrativo é o de Rondônia, onde as UCs do estado estão sofrendo taxas alarmantes de desmatamento, superiores aos índices registrados nas UCs federais e Terras Indígenas.

Para Sérgio Borges, “se a implementação das UCs da Amazônia for mesmo uma prioridade de governo, nos próximos anos deverão ser investidos um grande volume de recursos financeiros pelo governo federal e pelos governos estaduais para fortalecer seus respectivos órgãos ambientais, dotando-os de recursos humanos adequados (em número e capacidade técnica) e orçamentos condizentes com o desafio de implementar um dos maiores e mais complexos sistemas de Unidades de Conservação do mundo”.

Iniciativas e recomendações – O estudo destaca algumas novas abordagens empreendidas nos últimos anos pelos governos estaduais e federal, em parceria com entidades da sociedade civil organizada, para o gerenciamento das UCs já existentes e a identificação de áreas prioritárias para a conservação. Dentre elas, o Projeto Corredores Ecológicos das Florestas Tropicais do Brasil (Projeto Corredores, 1997) e o Programa Áreas Protegidas da Amazônia (ARPA, 2000), que têm concentrado os esforços de uma grande parte dos órgãos ambientais estaduais, federais, organizações não-governamentais, populações locais e doadores internacionais. Com objetivos similares, mas estratégias e escalas de atuação distintas, ambas iniciativas são apontadas pelo estudo como tendo uma enorme influência na gestão futura das áreas protegidas da Amazônia. “Se bem gerenciados e devidamente implementados, poderão garantir a conservação de uma significativa porção da biodiversidade amazônica”.

Os autores indicam algumas recomendações gerais, que podem auxiliar na gestão de UCs na região amazônica, tais como a implementação e a manutenção de um sistema de informações sobre as UCs, conforme previsto no SNUC; o fortalecimento das organizações estaduais de meio ambiente; o estabelecimento de parcerias com organizações da sociedade civil; avaliações regulares da gestão e a capacitação dos atores que compõem os Conselhos das UCs, dentre outras.

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