quarta-feira, 6 de junho de 2007

UNIVERSIDADE DA FLORESTA

Antropóloga Manuela Carneiro da Cunha manifesta
a preocupação de que o projeto vire um pesadelo

Flamínio Araripe

A antropóloga Manuela Carneiro da Cunha, da Universidade de Chicago, manifestou, durante a Reunião Regional da SBPC, em Cruzeiro do Sul, preocupação com o andamento da idéia da implantação da Universidade da Floresta. "Depositamos muitas esperanças no projeto. Mas estou cética com relação ao nosso sonho vir se concretizar. Há muitos empecilhos", afirmou, ao participar da mesa redonda Contribuições da Antropologia para os Direitos das Populações do Alto Juruá.

Manuela Carneiro sugeriu dar a este encontro o nome de Reunião para Fortalecimento da Universidade da Floresta, o que veio a ser adotado. "Não foi para fortalecer uma estrutura burocrática, e sim um certo tipo de relação da academia com a população local - índios e não índios -, que, se se concretizar, este sonho será realizado. Mas estou
francamente preocupada", disse ela.

"É um grande sonho e a gente não gostaria que se tornasse um pesadelo", disse Manuela Carneiro. Na sua palestra, a antropóloga relatou o trabalho que realiza sobre direitos intelectuais dos povos tradicionais, dando como exemplo o Kambô (a secreção de uma rã da Amazônia chamada de 'vacina do sapo'), um conhecimento trazido pelos índios de língua pano (Katukina, Kaxinawa, Yawanawá, Marubo) com registro de uso no passado pelos Tikunas e outros índios do alto rio Negro.

Surgiu o interesse de cientistas da Itália pelo estudo de uma molécula da secreção da rã com fins terapêuticos de forma independente do uso pelos pajés, informa Manuela Carneiro. Nos anos 1989-90 convergiram o saber indígena e o científico. Em seguida, um grande instituto de pesquisa da Embrapa isolou uma molécula derivada de um sapo parente do Kambô. "O conhecimento científico deve ou não ser reconhecido para o desenvolvimento científico?", questiona a antropóloga.

Para responder à pergunta, Manuela Carneiro conta que foi chamada pelo Ministério do Meio Ambiente para dar um parecer sobre o assunto. Segundo ela, há outra dimensão da história: a disputa em cima de um benefício do conhecimento tradicional é uma faca de dois gumes, pois pode favorecer a comunidade mas também ser motivo de briga enorme, a exemplo de caso semelhante ocorrido no Peru.

"A Embrapa se recusa a reconhecer qualquer direito da população tradicional", assinala a antropóloga. Conforme Manuela Carneiro, equacionar o problema é uma das razões do pensamento original da Universidade da Floresta, com uma outra maneira de pensar e de respeitar os direitos intelectuais dos povos indígenas ao fazer a junção entre o conhecimento tradicional e o conhecimento científico.

"Há uma riqueza de conhecimentos acumulados e o Brasil não pode desperdiçar este saber", argumenta Manuela Carneiro. Para ela, deve haver nesta ralação entre o saber científico e conhecimento tradicional justiça, equidade e respeito. A antropóloga externou preocupação também com relação ao projeto de lei para regulamentação da mineração em terras indígenas, que está em tramitação no Congresso, que considerou um problema grave para as comunidades.

O capítulo sobre Direitos Indígenas na Constituinte de 1988, conta Manuela Carneiro, foi discutido e elaborado apesar dos interesses da mineração. Os resultados favoráveis aos índios garantidos no Texto são por ela atribuídos ao trabalho anterior de uma coalizão da Associação dos Antropólogos que ela presidia, da SBPC e da Associação dos Geólogos com apoio do senador Severo Gomes, que chegou a vir a Cruzeiro do Sul.

Manuela Carneiro contou que desde os anos 1977-78 iniciou atividades na área de direitos indígenas, e que em 1979 foi fundada a Comissão Pró-Índio no Acre, uma das mais atuantes, com o antropólogo Terri de Aquino. O movimento reunia antropólogos, médicos, advogados e jornalistas. Dez anos depois, o trabalho desta coalizão desembocou numa atuação conjunta que resultou no capítulo de Direitos Indígenas na Constituinte.

Também relataram suas experiências o mateiro Antonio Macedo, os antropólogos Mauro Almeida, Marcelo Piedrafita, Mariana Pantoja, Eliza Costa, Araci Labiak, Roberto Rezende, Augusto Postigo e Paulo Góis.

Flamínio Araripe escreve para o Jornal da Ciência. Amanhã, tentarei postar o áudio da entrevista que fiz com a professora Manuela Carneiro da Cunha e da qual o Flamínio participou. Ela explica melhor suas preocupações com o projeto. As lideranças indígenas do Acre também não vêem segurança no projeto de educação indígena da Universidade Federal do Acre. Leia aqui.

2 comentários:

Anônimo disse...

Altino,
parabéns pela cobertura do evento.

Que tudo isso chegue aos olhos do povo Acreano.

Anônimo disse...

Caro Altino,

De fato as conquistas indígenas na Constituição Federal foram resultado da mobilização e apoio de muitos. Não podemos menosprezar a atuação de indígenas e organizações acreanas, mas devo lembrar que durante toda a constituinte indígenas do Brasil inteiro se revesavam em mobilizações em brasília. Muitas entidades de outros estados e de todo o Brasil, além é claro de toda a organização indígena, são legítimas a reivindicarem méritos com as conquistas.
Chamo ainda a atenção para os desdobramentos decorrentes dos artigos 231 e 232 da Constituição. A implementação desses dois artigos e a aprovação do Estatuto dos povos indígenas são atualmente as duas frentes de balha mais importantes. Se dermos uma olhada em quem está na luta veremos que há muitos outros abnegados lutadores, mas o número é bem menor do que durante a constituinte. A conferência e marcha indígena de 2000 foi outro ponto extremamente forte e importante para firmar esses direitos. O pós-conferência e o "abril indígena, acampamento terra livre", é hoje a maior expressão da continuidade da luta. Quais as entidades que participam e apoiam?

Bom trabalho.

Lindomar Padilha