quinta-feira, 24 de maio de 2007

ESCASSEZ EM ABUNDÂNCIA

Mário Menezes

Este ano, o Brasil está colhendo nova safra recorde de 130 milhões de toneladas de grãos e produzindo em torno de 22 milhões de toneladas de carnes bovina, suína e de aves. Respondemos por 6,5% da colheita mundial de grãos e 8,5% da produção de carnes, mas não chegamos a 3% da população do planeta. Nossa produção é bastante para alimentar os 188 milhões de brasileiros e muito mais gente mundo afora.

Entretanto, esse quadro não é tão auspicioso quanto parece ser. Há 72 milhões de pessoas em situação de insegurança alimentar, entre nós, 14 milhões das quais passando fome (IBGE, 2006). Somos líderes em produção de alimentos e campeões em desnutrição endêmica. Qual a explicação para essa tragédia nacional?

Esses milhões de brasileiros sofrem de escassez crônica de poder aquisitivo, condicionada pela falta de oportunidades de emprego e baixa renda, para comprar o que nós mesmos produzimos.

Apesar disso - ou por isso mesmo -, somos o país que mais exporta a maioria dos produtos agrícolas, e a participação do agronegócio na balança comercial brasileira denota essa incongruência: de março de 2006, a fevereiro de 2007, gerou superávit da ordem de US$ 44 bilhões, ou nada menos que 95% (!) do saldo comercial do Brasil com o resto do mundo.

Mas, nossas mazelas não se resumem ao baixo poder aquisitivo da população. Temos escassez de legalidade no modo de apropriação e uso de terras e de recursos naturais. A grande maioria dos proprietários rurais não respeita o Código Florestal brasileiro, e nossas florestas estão desaparecendo, com boa parte da produção agrícola se dando à custa da exploração insustentável de nosso patrimônio natural, em detrimento das gerações futuras. Trabalho forçado e trabalho infantil também são chagas renitentes: há 163 fazendeiros na “Lista Suja” do Ministério do Trabalho, que empregam mão-de-obra em condições semelhantes às do trabalho escravo, 1/3 dos quais aqui do Pará, e pelo menos 13 cortadores de cana morreram de exaustão nos canaviais paulistas, desde 2004.

Também temos escassez de produtividade, que leva ao uso extensivo das terras e a maiores custos socioambientais da produção. Possuímos um rebanho bovino de 207 milhões de cabeças, ocupando 220 milhões de hectares. Menos de uma cabeça por hectare, portanto, quando países há com 5-6 cabeças nessa mesma unidade de área. Nas pastagens brasileiras caberia todo o rebanho mundial de bovinos, de 1,4 bilhão de cabeças, ou o nosso poderia estar ocupando menos de 50 milhões de hectares de pastos. Metade do desmatamento na Amazônia teria sido evitada.

É evidente que a produção agropecuária é importante para o país, mas o fato de não alimentar de forma adequada 40% de nossa população, não atender às demandas socioambientais requeridas pelo mundo contemporâneo e ser tão ineficiente no uso das bases de recursos naturais, teria que ser motivo de mobilização transformadora da sociedade, em geral, e dos governantes, empresários do setor e parlamentares brasileiros.

O Brasil deveria aproveitar a corrida aos biocombustíveis para reduzir os passivos ambientais e trabalhistas da atividade agropecuária. Entretanto, a incontornável dimensão ética que envolve essa questão pode ser ainda mais aviltada nesse processo, pelo qual enorme energia está sendo mobilizada – inclusive, literalmente - no âmbito do governo e do setor agropecuário brasileiros para garantia de maior volume de produção, não necessariamente sustentável.


A sociedade civil organizada, em parceria com parcela importante do setor privado, está construindo a Iniciativa Brasileira para Verificação da Atividade Agropecuária, que visa à melhoria da qualidade socioambental da produção agrícola brasileira. Todavia, será necessário controle social efetivo para viabilizá-la, já que vontade política para mudar o perfil do Brasil socioambientalmente arcaico é o produto mais escasso e mais determinante do estado de coisas que vive este país do agronegócio e das commodities.

Mario Menezes é diretor-adjunto da entidade Amigos da Terra – Amazônia Brasileira.

Um comentário:

Anônimo disse...

Quem reclama da greve do IBAMA....ninguém! A população não se sente prejudicada com a paralização, que se sente não pode falar: a fauna, a flora e os corpos d´água.
O IBAMA deveria aprender com o pessoal da Policia Federal e da Receita Federal que fazem operação padrão nos aeroportos.
Todos os funcionários do IBAMA sairiam para o trabalho, agora, neste momento!
Em todas as rodovias seriam implantadas barreiras. Nenhuma carga de madeira ilegal, produto de caça, pesca, biopirataria, menério, veiculos desregulados poderiam passar, só passa com as devidas licenças ambientais! Tráfico de animais silvestres, cadeia imediata sem fiança! Na porta de cada serraria, madeireira, cerâmica, depósito de areia, obra pública etc um fiscal pedindo a documentação e embargando se houver irregularidade.
Todo e qualquer embarque de produtos florestais nos portos seriam fiscalizados em detalhes, se não estiver em conformidade com os padrões legais, nada feito!
Nenhum desmatamento ou queimada seria permitida sem a licença ambiental pertinente.
A pesca do camarão, do pirarucu e de outras espécies ameaçadas de extinção seria fiscalizada com rigor e os infratores punidos sem dó!
Carros de som, igrejas, lojas, boites e outros que nos arruinam nossos ouvidos com mais de 100 decibéis seriam fechados!
Chaminés e esgotos serima tapados até que não poluissem mais!
Rapidamente a população ia sentir que é possível um outro mundo, mais limpo, mais belo, mais sustentável!
Jamais alguém iria concordar que o IBAMA fosse enfraquecido, seria o nosso grande instrumento por uma vida melhor para nós e para nossas futuras gerações!
Decretem a ante-greve, e trabalhem para ver se o contribuinte enxerga o valor do trabalho do IBAMA!