terça-feira, 6 de março de 2007

O "GUERRILHEIRO"

Leila Jalul

Meu amigão gordão. Gordão e falastrão. Caçador, pescador mentiroso. Bonachão, cara de menino sem pai, sem freios, encrenqueiro, gozador e todos os outros adjetivos que se adequariam à sua personalidade farsante, foi um “guerrilheiro” às avessas.


Era o cozinheiro do exército acreano, enviado, propositadamente para, de acordo com a seleção da ignorância, combater comunistas no Araguaia. Genoíno se escondia de um lado, Argemiro se escondia do outro. Dina se pensava segura. Argemiro tinha certeza que a pegaria. E, naquela briga de gatos e ratos, Argemiro se vangloriou ao se pensar vitorioso.

Comunistas, quem pensam ser esses comunistas? Quem são esses malucos paulistas, goianos, cariocas, que, inexplicadamente, se escondiam da brigada? O que queriam, do que gostariam?

Esse povo do mal, saberia acaso que a bandeira brasileira não lhe pertencia? Que o país, em nome dos bons costumes, da severidade, da honra caxiana, não lhe permitiria avançar rumo à igualdade? Vamos, vamos eliminar, um por um! Seja homem, seja mulher, esse negócio de sexo é conversa fiada! Eliminação biológica! Já!

Me dava convulsão ouvir Argemiro discorrendo sobre sua atuação. Tudo parecia do vero! Incorporação da valentia. Puramente isso. Eu e meu sócio baiano do PcdoB sabíamos tratar-se de obra ficcional. Mesmo assim, dávamos corda. Argemiro babava quando nos contou a morte da Dina, mais ou menos assim:

- Estava atrás de uma árvore. Um troço se arrastava que nem cobra. Não contei conversa. Acertei na testa. Chutei, pisei no meio, levantei a cabeça e disse ao comandante: acabou, essa não morde mais ninguém.

Escrevo para lembrar que Argemiro não matou a Dina, nem ninguém. Quando muito, abateu uns dois veados de capoeira para agradar a tropa, puxou uns pescoços de algumas galinhas e cozinhou muita jabá para os oficiais que comandavam o front.

O resto é folclore que se quis verdade. Frutos da imaginação dos que, ardorosamente, impulsionados por noções e sentimetos nacionalistas fajutos, impigiam o medo e os falseados da história a pobres Argemiros e a outros tantos, obrigatoriamente recrutados tendo como carta de recomendação a ignorância.

Era o tempo da ignorância. Tempo de lavagens cerebrais. Quem matou a Dina está listado numa nunca bem provada autoria. Quem matou a Dina o fez por aleivosia. O Argemiro não passou da beira do fogão do rancho.

Que tempos os nossos.

4 comentários:

Anônimo disse...

São tempos de truculência.Mas a truculência acompanha a "civilização" pari passu, desde o inicio e parece que para sempre.

Anônimo disse...

Fátima, leia o e-mail que mandei. Sempre tive medo de falar, ainda que conhecesse os personagens das estórias e da história recente deste país. Parece que não tenho a menor das competências, entende?
Neste caso, como a experiência me mostrou conversa de trancoso, arrisquei. Mas não me jogo na fogueira.
Creio nos seus textos porquando acredito que você detém a noção de tempo e de espaço, a cronologia dos fatos, os agentes descarados, as imposições, os limites, enfim, você saca a história e pode revidar a falsidade, com a mesma simplicidade de quem descarta uma casca de banana já comida. Quando ler meu e-mail você vai saber o que estou querendo dizer. Entre penetrar no mundo das divagações e dos esclarecimentos dos segredos e das motivações dos enriquecimentos, vou proseando com meus, personagens , às vezes com uma linguagem pobre que nem eu, às vezes tentando colocar uma moldura mais bonita no rosto de cada um deles.
Gostei do pari pasu, Você vai longe!

Anônimo disse...

Pois é Leila, quando às vezes eu encontrava com ele nos bares da vida do Conjunto Solar, as pessoas diziam olha que ele matou muita gente. Um dia depois de todas, afirmei: "olha esse negócio de ter matado tanta gente é mentira tua", e ele por saber que não poderia entrar em um confronto no bar, disse: "Eu atirei no meio, não fui lá prá ver quantos morreram". Nosso amigo morreu em 1995 com elefantíase. O nome dele fica por tua conta, embora fosse outro.

Anônimo disse...

Édson, o que importa o nome do nosso elefantinho amigo?
Quem sabe, sabe. Sempre me assustei com os tons do qualquer modo do verbo MATAR. Fosse no presente do indicatico ou no futuro do subjuntivo, matar é tirar a vida. E fim.
Me incomodou foi o podre poder do instituto armado em transformar a ingenuidade em malícia, a quietude do ser em sede de vingança e a ignorância em gestos de coragem.
Apenas isso.
Um grande abraço, meu querido amigo.
Nós sempre seremos amantes da rede armada e da água de côco! Nós e o Toinho Alves. Quem quer que se ponha contra nossos ideais, a gente manda para o fundo do mar. "Abasta"! um tapa!