quinta-feira, 6 de julho de 2006

DE BUDA A CHICO MENDES

Mary Allegretti

O livro de Joy A. Palmer (Editora Contexto), lançado há pouco, faz um perfil de 50 personalidades que marcaram o mundo ambientalista. Cientistas como Bacon, filósofos como Rousseau, clássicos como Aristóteles e Virgílio, contemporâneos como Vandana Shiva e Brundtland, históricos como Muir e Carson, imbatíveis como Darwin e Lovelock - estão ao lado do nosso seringueiro Chico.

Será que ele poderia imaginar que um dia assumiria tamanha importância?

O perfil de cada personalidade escolhida é analisado do ponto de vista da história pessoal e da contribuição que deu para idéias que foram mudando o mundo, desde a antiguidade até hoje. Uma lista de obras de referência finaliza uma sintética biografia.

A história do Chico tem os pontos principais registrados. Mas alguns erros poderiam ter sido evitados. Não sei se são de tradução, porque não vi ainda o livro em inglês. Vou tentar checar no segundo semestre quando estiver dando aulas nos EUA. De qualquer forma, merece registro para que a editora corrija. Não há nada mais incoveniente do que ler um livro com problemas de tradução.

Equívocos e erros

1. The Amazon, que em inglês refere-se à Amazônia, a região, foi traduzido como Amazonas, ou seja, Chico virou herói dos seringueiros de um estado da Amazônia brasileira, erro muito comum em traduções da década de 80.

2. Seringais viraram fazendas de seringueiras. As pessoas não sabem como traduzir, não conhecem a palavra amazônica e acham que tudo que é produção não industrial pode ser classificado como fazenda.

3. National Wildlife Federation - Federação da Vida Silvestre, importante ONG norte-americana que apoiou a articulação do Chico contra o asfaltamento da BR 364, foi definida como Federação Nacional de Vida Nativa.

4. A história desta estrada, 364, fica um pouco distorcida: diz que Chico questionava porque as condições ambientais do empréstimo não estava sendo respeitadas. Na verdade, Chico questionava sim a omissão do governo federal em relação ao meio ambiente mas fazia pressão mesmo pela demarcação das terras indígenas e pela criação de reservas extrativistas porque entendia que estas eram as condições prévias para a proteção do meio ambiente.

5. Talvez o maior equívoco do texto - e não deve ser problema de tradução - é a afirmação de que Marina Silva foi eleita prefeita de Rio Branco e governadora e que o 'ambientalista' João Alberto Capiberibe foi reeleito governador do Amapá. Não é Marina mas Jorge Viana e, embora Capi seja sim um ambientalista nunca o vi se identificar politicamente dessa forma, mas sim como socialista.

6. Reservas e estabelecimentos (não sei a que palavra estará se referindo) extrativistas foram fundados em estados do Brasil além de reservas estatais.... confuso, não?

7. E, por último, como não podia deixar de ser, a clássica afirmação de que os seringueiros são miseráveis: "... os preços da borracha caíram tanto que as reservas extrativistas não produzem a renda suficiente para sustentar nem mesmo as necessidades básicas das comunidades". Essa deve ter sido a conclusão da autora que o tradutor (Paulo Cezar Castanheira) apenas reproduziu.

Seria bom que o Chico pudesse rebater essa ladainha.

E onde estão os líderes atuais que não falam nada?

A antropóloga Mary Allegretti trabalha na Amazônia desde 1978. Era uma das maiores amigas de Chico Mendes e foi uma das principais responsáveis pela projeção internacional do seringueiro.
Clique aqui para conhecer o blog dela. Joy A. Palmer, a autora do livro, é professora de Educação e vice-reitora adjunta da Universidade de Durham, Inglaterra. É diretora do Centro de Pesquisas sobre Estudos e Consciência do Meio Ambiente da Universidade de Durham, vice-presidente da Associação Nacional de Educação para o Meio Ambiente e membro da Comissão de Educação e Comunicação da União Conservacionista Mundial.

2 comentários:

Anônimo disse...

Até hoje pergunto-me: um socialista que se preze não inclui o ambiente entre suas causas? (Refiro-me ao notável João Alberto Capiberibe). A respeito da BR-364 (nascida BR-29), até JK desmatou na década de 1960, 20 anos antes do Programa de Desenvolvimento do Noroeste Brasileiro (Polonoroeste): o ex-presidente derrubou a última árvore na clareira mais próxima a Vilhena (divisa rondoniense com Mato Grosso). Plenamente válida, Altino, a cobrança às atuais lideranças dos seringueiros! Devem falar, sim.

Anônimo disse...

Lamentável...