segunda-feira, 20 de março de 2006

CHUVAS NA AMAZÔNIA

Observação do Evandro Ferreira, do blog Ambiente Acreano, a partir de dados de precipitação obtidos na página CPTEC-INPE:

- Até o meio dia de hoje (20.03) só choveu 58 mm na região de Rio Branco. No mesmo período do ano passado - o ano da grande seca amazônica - já tinha chovido 109,5 mm. É uma diminuição de quase 50% nas chuvas em 2006!!!

Vale a pena conhecer o Ambiente Acreano.


UM MUNDO SEDENTO

Poupem um pouco de água para o amanhã


Kevin Watkins (*)

Há cem anos William Mulholland apresentou aos cidadãos da Califórnia um novo conceito de política estadual: a garantia das reservas de água. Encarregado de assegurar tais reservas para uma pequena e sedenta cidade no deserto, o chefe do Departamento de Água de Los Angeles encontrou uma resposta imaginativa.

Ele comprou discretamente os direitos à água no Vale Owens, 370 quilômetros ao norte, construiu um aqueduto cortando o abrasador Deserto de Mojave, e levou a água até o centro de Los Angeles.

Quando os fazendeiros locais protestaram, dinamitando o seu aqueduto, Mulholland declarou guerra a eles, respondendo com uma demonstração maciça de tropas armadas.

Atualmente os californianos do sul do Estado disputam a água nos tribunais. Os moradores de Los Angeles possuem alguns dos gramados mais verdes e as maiores piscinas, para não mencionar um deserto onde prosperam as culturas de algodão e frutas.

Manter tal situação significa bombear água coletada a centenas de quilômetros e drenar o Rio Colorado de forma tão drástica que este mal consegue desaguar no Golfo do México. E isso também significa disputar cada gota d'água com o Colorado e o Arizona.

O modelo Mulholland representa uma forma bruta daquela que tem sido a abordagem global da questão de gerenciamento de água. Quer urbanizar e industrializar a uma velocidade estonteante? Represe e desvie os rios para atender a demanda. Deseja expandir a fronteira agrícola? Explore os seus aqüíferos e outros depósitos subterrâneos.

Nesta semana e na próxima, governos, agências internacionais e organizações não governamentais estão se reunindo na Cidade do México, no Fórum Mundial da Água, para discutir o legado da filosofia global de Mulholland em relação à água - e para traçar um novo rumo para o problema.

O local escolhido para o encontro não poderia ser mais apropriado. A água é bombeada de um aqüífero sobre o qual se assenta a Cidade do México em um ritmo que é duas vezes superior à capacidade de reposição daquela reserva. O resultado é que a cidade está afundando cerca de meio metro por década. É possível constatar as conseqüências disso nas paredes rachadas das catedrais, na inclinação do Palácio de Artes e na ruptura de tubulações de água e esgoto.

Cada região do mundo enfrenta uma variante da história da crise de água. A exploração de águas subterrâneas para irrigação reduziu o nível do lençol freático em áreas da Índia e do Paquistão em até 30 metros nas últimas três décadas. À medida que a água desce para camadas mais profundas, aumentam os custos para bombeá-la, o que prejudica os agricultores pobres. Enquanto isso, uma combinação letal de falta d'água, salinização do solo e enchentes ameaça a produção de alimentos em ambos os países.

Na Índia, cerca de um quarto da produção de grãos se baseia na utilização não sustentável de água subterrânea. Na China, a urbanização e o crescimento rápidos retiraram milhões de pessoas do estado de pobreza. Mas isso gerou também uma crise de abastecimento de água de proporções épicas. A região drenada pelos rios Hai, Huai e Amarelo conta a sua própria história. Mais de 80% dos cursos desses rios estão cronicamente poluídos. A região abriga mais de 400 milhões de pessoas, e cerca da metade da população rural do país. Ela produz mais da metade do trigo e do milho colhidos na China. E este território está ficando sem água. O uso atual excede o fluxo do rio em um terço, o que implica em um novo caso de superexploração das águas subterrâneas.

O que está gerando a crise global de água? A disponibilidade física é parte do problema. Ao contrário do petróleo e do carvão, a água é uma fonte infinitamente renovável, mas ela só está disponível em quantidade finita. Com o uso da água aumentando segundo o dobro da taxa de crescimento populacional, a quantidade disponível por pessoa está diminuindo - especialmente em alguns dos países mais pobres.

No decorrer dos últimos 25 anos, o número de pessoas vivendo em países que enfrentam crises de abastecimento de água aumentou de 700 milhões para 2,2 bilhões, sendo que mais da metade das populações do sul da Ásia e da região subsaariana é afetada pelo problema. Acrescente-se a isso o aquecimento global, que poderá reduzir as chuvas em partes da África subsaariana em até um quarto no decorrer do próximo século, e a situação começa a assumir os contornos de uma crise em formação no que diz respeito à questão do desenvolvimento. A escassez crescente significa mais competição pela água. E, conforme William Mulholland nos ensinou anos atrás, competição sem boa governança pode gerar sérios problemas - especialmente para aqueles que não têm poder. Conflitos entre usuários agrícolas, de um lado, e consumidores urbanos e industriais, de outro, estão se intensificando.

O perigo é que os fazendeiros mais pobres, que têm menor poder de pressão no que se refere ao gerenciamento da água, sairão perdendo, o que terá conseqüências devastadoras para os esforços pela redução da pobreza global.

Por mais grave que a escassez possa ser em alguns países, os problemas relativos à água são mais profundos. O modelo de gerenciamento de água do século 20 se baseava em uma idéia simples: a de que a água é um recurso infinitamente disponível e gratuito a ser explorado, represado ou desviado, não havendo preocupações quanto a problemas como a escassez ou a sustentabilidade.

Há 40 anos, o Mar de Aral cobria uma área do tamanho da Bélgica. Por culpa dos planejadores da era soviética que desviaram os rios Amu Dary e o Syr Darya para as irrigações de algodoais, ele foi reduzido a dois pequenos lagos sem vida e hipersalinos.

Nos Estados Unidos, fazendeiros dos altiplanos estão retirando água do Aqüífero Ogallala - um dos mais antigos aqüíferos fósseis do mundo - em um ritmo oito vezes maior do que a taxa de reposição desta reserva.

Do Texas ao Punjab, a exploração de águas subterrâneas não é apenas tolerada, mas também apoiada com generosos subsídios concedidos aos grandes fazendeiros.

Em todo o mundo, os sistemas ecológicos aquáticos - rios, lagos e divisores de água - vêm sendo explorados além dos limites da sua sustentabilidade ecológica por elaboradores de políticas que fizeram vistas grossas para as conseqüências da superexploração.

Precisamos de um novo modelo de gerenciamento de água para o século 21. E o que isto significa? Para começar, temos que parar de usar a água como se não houvesse um amanhã - e isso quer dizer utilizá-la de forma mais eficiente e em níveis que não destruam o meio-ambiente.

O slogan do fórum da água no México é "gerenciamento integrado de recursos aquáticos". Isso significa que os governos precisam gerenciar a demanda privada de diferentes usuários e administrar este recurso segundo o interesse público.

Existe um outro desafio, igualmente profundo. Em uma era de intensificação da competição, precisamos garantir que os pobres do mundo não sejam atingidos, no século 21, por uma variante prematura do destino dos moradores do Vale Owens. E isto significa fortalecer os direitos e a voz dos pobres, o que, por sua vez, implica em colocar a justiça social como fator central na questão do gerenciamento da água.

(*) Kevin Watkins é o diretor do Departamento de Desenvolvimento Humano do Programa de Desenvolvimento das Nações Unidas. Artigo publicado no “Herald Tribune”.

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