quarta-feira, 22 de fevereiro de 2006

MARIA DA GLÓRIA



ELA É MÃE DE 15 FILHOS AOS 44 ANOS

Por Elson Martins (texto) e Tiago Juruá (foto)

Ela é uma mulher de 44 anos, muito jovem para ser mãe de 15 filhos. Nós a encontramos na colocação Lago do Triunfo, na margem direita do rio Juruá, entre as cidades de Porto Walter e Thaumaturgo, cercada do carinho e respeito de nove deles. Formam uma escadinha a partir das adolescentes Elda, Maria e Jadene, uma delas surda e muda.

O marido tinha saído para serrar umas tábuas para terminar a casa nova que ele mesmo está construindo. Os outros seis filhos também se encontravam fora. O correto é dizer filhos e filhas, porque sete são mulheres. Três delas apareceram algum tempo depois quando havíamos encerrado a visita. Em tempo, mandaram recado que queriam ser fotografadas como os demais.

Quando nos aproximamos da casa, a família estava apinhada nas duas pequenas janelas da frente. Tinha quatro rostos numa e cinco na outra. O quintal é limpo com vassoura, como manda a tradição dos seringais, e cercado com arame farpado. A tradição protege os moradores contra animais da floresta, rastejantes ou não. À noite, com lua ou sem lua e com a ajuda das estrelas, dá pra ver qualquer corpo estranho que se mova nesse espaço limpo.

- A senhora parou a fábrica de meninos e meninas, não?

Ela não deu certeza. O mais novo, de cujo nome não lembrou na hora em que fizemos a pergunta, nasceu há menos de dois anos. Apenas admitiu, meio encabulada, que quer parar, como a dizer que isso não depende só dela. As mocinhas, exceto a surdo-muda, riram da situação.

Jadene, a mais extrovertida, disse que não vai casar. Não deve achar muito bom, presumimos, o exemplo que tem em casa. Ou, ao contrário, não quer despregar-se da numerosa e simpática família.

Da forma como se juntaram para sair na fotografia, fazem crer que são muito unidos mãe e filhos. Bem como satisfeitos com a vida que levam naquele espaço amazônico isolado.

- Aqui tem o que a gente precisa e não precisamos pagar nada: temos peixe, arroz, feijão, macaxeira...a escola melhorou. O que às vezes aperreia é o problema da saúde.

Para exemplificar ela puxou a camisa de um dos pequenos para exibir sua barriga com umas manchas estranhas. Disse que o levou a Porto Walter e a Marechal Thaumaturgo, mas nenhum médico diagnosticou a doença.

Dona Maria da Glória, de apelido Nena, é uma mulher magra, possui rosto que lembra alguma figura grega, de beleza clássica. Dá para ler nesse rosto algum sofrimento e muita dignidade. E dos pés a cabeça a certeza de que pertence a uma raça forte.

Na verdade, subindo o Juruá e parando nas margens desse belo e rigoroso rio os viajantes sensíveis percebem que penetram uma sociedade onde não cabe a hipocrisia; ou a vaidade; ou a desconfiança.

Nem medo ou desesperança e que as pessoas que a compõem se oferecem desarmadas para o afeto.

Dona Maria, dona Raimunda, dona Francisca, são tantas, emergindo do centro da mata para as margens dos rios com uma reca de meninos! E vemos que possuem uma cultura com pelo menos cem anos de diálogo dos humanos com a natureza.

Esse povo parece conectado, de alguma forma, com o humanismo que escapa das malogradas experiências entre ciência e bem estar social. Uma gente que alumia caminhos insuspeitos pelos que se julgam poderosos e sabidos.

Dona Maria da Glória e seus simpáticos 15 filhos recepcionam pessoas estranhas sem manifestar qualquer ofensa ou descaso. Insinuam fragilidade. Entretanto, estão a sugerir um possível mundo novo.

Nota: O jornalista Elson Martins e o biólogo Tiago Juruá participaram da Expedição à Foz do Breu.

Um comentário:

Anônimo disse...

Elson, tá na hora de transformar essas janelas de humanidade que você redescobre em livro.