sábado, 1 de outubro de 2005

FUMAÇA DO CABOCLO DOIDO

Mário Lima (*)

Tenho acompanhado pela imprensa a mais uma temporada de queimadas no Acre. Não fosse acreano e, além disso, não tivesse vivivo a maior parte da idade que tenho no Acre, certamente teria formado uma opinião diferente sobre as raízes do fumaceiro.

A matéria da Veja, reproduzida [abaixo] no Blog do Altino, é exemplar quanto à confusão que vai se criando. Como indicado pelo Altino, a forma ligeira do tratamento do tempo, começa pela redundância no título.

Alguém que tivesse lido alguma coisa sobre esse "lado de cima do mapa" do país saberia que a expressão "inferno verde" foi cunhada pretendendo dar conta da vida na Amazônia, ou melhor, do viver nas florestas da Amazônia.


A coisa complica-se em outros pontos. Segundo texto da Veja, "as florestas, esturricadas pelo sol, têm incêndios diários, que levaram o estado a apresentar níveis de poluição três vezes maiores do que o tolerado pelas organizações internacionais."

A questão é fundamentalmente climática: falta d'água. Não existem agentes provocadores dos incêndios e quando surgem é da boca de um pecuarista: "o pecuarista Luiz Augusto Ribeiro do Valle lutou por dez dias contra o fogo de uma queimada originada por um caboclo que preparava carvão".

Pois é: um caboclo doido fazendo carvão ateou fogo na floresta e nas pastagens secas.


Para a matéria, o fenômeno das friagem resultam de "frentes frias oriundas da Argentina". Um pouco mais de pesquisa em algum manual escolar teria informado que a origem das frentes frias "é mais embaixo".

Cheguei a ficar preocupado com uma notícia do blog Ambiente Acreano, falando das pesquisas da doutora Elsa Mendoza. Nós, que vivemos na Amazônia, sabemos desde há muito tempo, que o fogo tem pouco ou nenhuma importância no processo de renovação florestal, ao contrário das florestas ao Norte, em regiões tais como as do Canadá.

Sem qualquer crítica aos interesses científicos da doutora Elsa, preocupou-me o fenômeno das "queimadas naturais" - possíveis em florestas com baixos níveis de umidade passarem a compor o quadro das causas dos incêndios atuais no Acre.

Acredito que devemos deixar muito claro quais as principais, se não únicas, fontes do fogo que destrói a floresta e mata crianças, adultos e velhos sufocados em nossas cidades. É preciso deixar claro que esses eventos compõem o quadro da ocupação econômica da região.

(*) Mário Lima é acreano e professor de economia na PUC de São Paulo

Nota do blog: Mário, existe um problema que o poder público e a sociedade acreana terão que encarar dia menos dia: o represamento das águas dos mananciais do Rio Acre para criação de peixe pelos fazendeiros, que foram os responsáveis pela devastação das matas ciliares. No ano passado, por exemplo, quando alguns fazendeiros decidiram sangrar açudes para retirarem o peixe, causaram uma grave enchente no Igarapé S. Francisco. Milhares de lençóis d'agua causam impacto ambiental, mas aumentam impunemente durante cada estiagem na região. A desertificação ameaça nos matar de sede. Os fazendeiros poderão sobreviver com suas represas.

Um comentário:

Anônimo disse...

Caro Altino,

Acho que até já nos esbarramos algumas vezes pelos blogs acreanos, mas nunca trocamos mensagens diretamente. Esta é a primeira, e com grande satisfação.

Embora estando fora de Rio Branco, do Acre, já há alguns meses, seria impossível não acompanhar o cenário de barbárie ambiental que se acirra nesta região. Na última semana, um aluno meu do curso de jornalismo, aqui no Paraná, levou para debate em sala de aula a questão das queimadas na Amazônia, recolocando a discussão sobre a política de desenvolvimento sustentável. O ponto de partida do aluno foi o seu artigo no Observatório da Imprensa, que o pessoal engajado do jornalismo acompanha com atenção. Como a turma sabe que sou acreana e, principalmente, venho me dedicado às pesquisas sobre a Amazônia, todos viram em mim a “porta-voz” para explicar o que acontece hoje na região. O debate foi ótimo, afinal, pouco ainda se sabe a respeito do contexto amazônico e das suas particularidades, conforme você bem indicou no seu texto.

Mas concordo plenamente com a posição do prof. Mário José de Lima. O fato desse desconhecimento sobre a Amazônia, dessa ausência de cobertura da imprensa sobre o quadro sócio-ambiental da região não é fruto de um descaso ou desinteresse subjetivista da sociedade do Centro-Sul ou da grande imprensa brasileira. Na verdade, isso tem uma base concreta de explicação: isso ocorre exatamente porque o processo de avanço da ocupação econômica, logo, da degradação ambiental, para garantir sua continuidade, precisa ser mantido encoberto, e assim, cultivar uma legitimação, se não direta, pelo menos indireta, ao seu curso. Como sugere o professor, é inegável que os governos da Amazônia estão capturados pelos interesses do empresariado da fumaça, e este é o centro da questão. Nossa crítica deve começar a questionar os próprios governos regionais em relação aos procedimentos e condutas por eles adotados nesse processo e, naturalmente, a força da nossa articulação política exigirá a devida atenção da sociedade e da mídia.

Como entender, por exemplo, a surpresa brasileira (e acreana) com a repercussão internacional do assassinato de Chico Mendes? Não seria exagero dizer que a burguesia nacional começou a despertar para a seriedade da questão ambiental no Brasil quando o Banco Mundial, pressionado pelas organizações não governamentais dos países do norte e diante do inegável desastre de projetos de desenvolvimento que vinha financiando, passou a bloquear alguns empréstimos. Foi preciso, em suma, que a devastação da floresta amazônica e o lamentável tratamento da questão indígena fossem contestados em instituições financeiras internacionais para que internamente as frações burguesas condutoras da nossa política institucional principiassem a perceber a existência de um problema. Hoje, o problema vem se acirrando cada vez mais e tentar ignorá-lo, como ainda tenta o nosso Governo da Floresta, é ficar na contramão da história ... medidas paliativas, atos meramente institucionais, tentativas de culpabilização de outros governos pelo problema, além de inócuas campanhas publicitárias, tudo isso tem demonstrado uma ação absolutamente limitada ante o aprofundamento da crise social e ambiental. Evidentemente, o exercício da crítica na sociedade em que vivemos é algo constantemente tolhido e reprimido, mas este é o nosso grande desafio.

Atenciosamente,
Letícia Mamed, de Londrina-Paraná.