segunda-feira, 26 de setembro de 2005

DURA LEX CONTRA AMAZÔNIA

Elson Martins (*)

Após o golpe de 1964, um casal de jovens amapaenses decidiu juntar-se a outros jovens do País para lutar contra a ditadura militar que impunha restrições à liberdade, aos direitos humanos e a democracia. O regime prendia e matava lideranças estudantis, políticas e sindicais.

Os dois provinham de famílias pobres do interior do Amapá e da Ilha do Marajó, no Pará. O pai de Janete era cozinheiro da Icomi – Indústria e Comércio da Mineração S.A.- empresa que explorava as jazidas de manganês da Serra do Navio. O de João, seu Zezinho, trabalhava como vigia da Prefeitura de Macapá.

Ao embalo da tropicália (Caetano Veloso, Gil, Tom Zé) e do Cinema Novo (Glauber Rocha, Nelson Pereira dos Santos), Janete e João filiaram-se à clandestina organização ALN (Aliança Libertadora Nacional), de Carlos Marighela, oferecendo-se para atuar numa frente de guerrilha no Estado do Pará.

Em 1970 foram presos acusados de subversão.

João foi levado como preso político para o presídio São José, de Belém, enquanto Janete, que estava grávida da primogênita Artionka, permaneceu em liberdade vigiada. Ela passou a morar num barraco miserável atrás do presídio; e quando podia visitar o marido era desrespeitada e achacada pelos carcereiros.

Em 1971 João foi levado ao Hospital da Santa Casa, de onde com a ajuda de amigos médicos conseguiu fugir levando Janete e a pequena Artionka (de oito meses). A família viajou numa pequena canoa pelos diversos braços do rio Amazonas alcançando a Bolívia. Dali, atravessaram para o Peru e depois para o Chile, onde viveu dois anos da democracia de Salvador Allende.

Mas o golpe do general Pinochet e o assassinato de Allende forçaram nova fuga, agora com ajuda da Cruz Vermelha, para o Canadá.

Com a Anistia, em 1979, a família que já estava trabalhando na África (Moçambique) pôde retornar ao Brasil. Mas não à sua terra, o Amapá, governado por um velho comandante da Marinha nomeado pelos militares. Contrariados, João e Janete foram contratados por Miguel Arraes, então governador de Pernambuco.

No começo dos anos oitenta o Acre, que elegera um governador do PMDB em 1982 (Nabor Júnior), acolheu a família, nomeando João para o cargo de subsecretário do Desenvolvimento Agrário no Vale do Juruá. Mesmo sem recursos e com enorme descrença na ação do governo, o casal fundou 21 sociedades agrícolas em Cruzeiro do Sul, Mâncio Lima e Rodrigues Alves.

De volta ao Amapá (finalmente) em 1984, João fundou o PSB e em 1988 se elegeu prefeito da capital. Ao mesmo tempo Janete se tornava vereadora. Em 1990 o ex-Território transformado em Estado constituiu sua Assembléia Legislativa e Janete foi a primeira e única mulher eleita.

A trajetória eleitoral foi sempre vitoriosa: em 1994 João foi eleito governador, reeleito em 1998. Janete conquistou seguidos mandatos de deputada estadual. Nas eleições de 2002, João foi eleito para o Senado e Janete eleita para a Câmara Federal.

Foram estes mandatos que o Supremo Tribunal de Justiça cassou na quinta-feira, 22, acolhendo denúncia do ex-senador Gilvan Borges (PMDB) de que os eleitos haviam comprado dois votos por 26 reais.

Na sessão do Supremo transmitida pela TV Justiça, via satélite, os doutos ministros passaram a tarde citando frases latinas em argumentações jurídicas sem se referir à história dos acusados ou da região (Amazônia) que representam. No final confirmaram por sete 5 votos a 2 a decisão anterior do TSE (Tribunal Superior Eleitoral), contrária ao julgamento pelo TRE (Tribunal Regional Eleitoral) que os inocentou.

Os votos que penalizaram o casal e a maior parte da população do Amapá lembram a frieza da moto-serra no momento em que esta sangra colossais e sagradas árvores da Amazônia. Com agravante do ritual do cargo, acrescido de uma indiferença enorme em relação ao que julgam.

(*) Jornalista acreano, colaborador do blog.

Um comentário:

Anônimo disse...

Caro Altino,

Sou jornalista e agora moro no Acre. Antes de chegar aqui sempre imaginei que o Governo acabava com a Amazônia. Pelo contrário. Percebo, agora, que os dilaceradores estão mesmo entre o povo. Nunca vi tanta fumaça. Nunca vi tanto fogo. E não adiante só orientar que a prática de queimada é cultural, não é?!

Quando começou o fogo na Reserva Chico Mendes, o repórter cinematográfio Kennedy Santos e eu estávamos em Xapuri. Câmera na mão e microfone. Pegamos uma moto e fomos rumo ao inferno!

Passamos por pastos queimados, animais correndo das chamas e até por barreiras de fogo [incêndio dos dois lados da estrada]... Foi triste!

Encontramos muitos agricultores pelo caminho e muita reclmação de que "quem taca fogo é o pessoal que compra fazenda", diziam muitos.

Quando é que isso irá diminuir... Porque acabar não vai, infelizmente.

Bom, já ouvi falar sobre o seu trabalho, mas inda não tive a oportunidade de conhecê-lo. Mas seu trabalho é muito bom e importante.

Parabéns!

Thiago Ermano
thiagoermanoj@estadao.com.br