sexta-feira, 26 de agosto de 2005

O ECO

Queda anunciada

Carolina Elia e Manoel Francisco Brito*

26.08.2005

Entre agosto de 2004 e julho de 2005 abateu-se em torno de 16.000km2 de floresta na Amazônia. O número, baseado nas informações fornecidas pelos satélites do Deter – programa de combate ao desmatamento do governo federal operado pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE) – não é oficial. Mas foi compilado por gente que entende profundamente de análise de imagens de satélite para identificar desmatamentos, um grupo de pesquisadores do Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon) chefiado por Carlos Souza Jr.

Apesar de se recusarem a divulgar um índice do governo por acreditarem que os dados fornecidos pelo Deter não são suficientemente exatos, os técnicos do governo e do INPE não estão desprezando de forma alguma os resultados. Tanto assim que nesta sexta-feira, 26 de agosto, as ministras Dilma Roussef, da Casa Civil, e Marina Silva, do Meio Ambiente, deram entrevista coletiva para anunciar que, percentualmente, dá para dizer com toda a certeza que o desmatamento dos últimos doze meses caiu, em relação ao que foi registrado entre agosto de 2003 e julho de 2004.

Na ponta do lápis, os cálculos do Imazon escorados nos dados do Deter mostram que a derrubada de árvores na região ficou entre 15.247 km2 e 16.570 km2. A média fica na casa dos 15.909 km2. O índice é 36% menor que o do biênio 2003-2004, que chegou à casa dos 26 mil km2 e ficou em segundo lugar no ranking dos piores desmatamentos da história na região. A significativa redução já era prevista desde o final de junho, um dos meses de pico de desmate, quando as lentes do sistema MODIS, que fornece imagens para o Deter, registraram uma queda de 93% no corte em relação ao mesmo período de 2004, como foi noticiado em primeira mão pelo O Eco. O resultado vale muitas palmas. Mas o combate ao desmatamento na Amazônia ainda está longe de merecer uma estrondosa ovação.

O tombo na derrubada da floresta deveu-se principalmente aos baixíssimos índices registrados em junho, mês em que o país viu entrar em cena na região a Operação Curupira, que desbaratou esquemas de corte e venda ilegal de madeira no Mato Grosso, que continua como o campeão nacional de desmatamento. Ela foi o ato mais visível da presença do governo federal numa região onde sua timidez fiscalizadora começou a se reverter em fevereiro passado no Pará, na esteira do assassinato da freira americana Dorothy Stang, o terceiro lugar onde mais se derruba árvore no Brasil. Brasília, na ocasião, agiu rápido, decretando uma zona de exclusão administrativa de 8, 3 milhões de hectares na área da BR-163, criando unidades de conservação no estado e colocando tropas do Exército para marchar pela região.

Tudo isso, mais a queda nos preços da saca de soja e da arroba de carne, serviram para assustar e diminuir a sede dos desmatadores. O preço da saca de soja de 60 quilos caiu de uma média de 13 dólares em 2004 para 11 dólares este ano. A carne bovina também desvalorizou, mas os pecuaristas já descobriram uma forma de continuar a lucrar mesmo com preço baixo. Pressionados, os governos do Mato Grosso e Pará, onde estão os maiores rebanhos do país, reduziram expressivamente a alíquota do ICMS sobre o gado. No Mato Grosso, a redução do imposto foi de 75%, o que estimulará o desmate.

Também há indícios de que em julho o governo relaxou na fiscalização e as motosserras e os tratores recuperaram seu tradicional vigor de devastação. O desmatamento detectado em junho pelo Deter, que tinha ficado em magros 697 km2, pulou para 4.000 km2 em julho, número razoavelmente próximo ao registrado no mesmo período em 2004: 5.428 km2. Só em Mato Grosso, estado responsável por 60% do desmatamento ocorrido na Amazônia nos últimos 12 meses, o índice de corte quadruplicou no mês passado. Na coletiva, as ministras Marina Silva e Dilma Roussef deixaram o mês de julho de fora. Ao serem questionadas sobre o aumento no corte pela repórter Carolina Mourão, João Paulo Capobianco, secretário de Biodiversidade e Florestas do Ministério do Meio Ambiente, saiu pela tangente. Disse que desconhecia o salto, mas que se isso aconteceu foi devido "a pequenos adiamentos de algumas medidas de fiscalização". Para Paulo Adário, coordenador da campanha da Amazônia do Greenpeace, existe ainda um descompasso entre as ações dos diferentes ministérios e órgãos de governo." Enquanto alguns implementaram várias medidas previstas, outros ainda não fizeram nada e não parecem verdadeiramente interessados no combate ao desmatamento", diz.

Diferentemente do que sempre ocorreu, desta vez não foi preciso esperar até abril do ano seguinte para conhecer os dados sobre o desmatamento na Amazônia durante o biênio anterior. Em 2005, os Ministérios do Meio Ambiente e da Casa Civil puderam acompanhar pelo Deter, passo a passo, a trajetória do corte raso anual na Amazônia. O número que saiu das análises de suas imagens está sendo chamado, tanto pelo Imazon quanto pelos técnicos do governo, de estimativa. E há uma boa razão para isso. As lentes dos sensores dos satélites que trabalham para o Deter enviam suas informações mais rápido. Mas elas chegam aqui menos nítidas. Detectam desmatamentos acima de 25 hectares, embora tenham sido identificados nelas cortes em áreas menores, acima de 20 hectares.

Os sensores do Landsat, que produz as imagens que o INPE utiliza para divulgar há anos a taxa oficial de desmatamento na região Norte do país, são mais lentos no envio de dados, mas bem mais precisos: detectam desmatamentos acima de 6,25 hectares. Um estudo dos pesquisadores do Imazon verificou que, historicamente, há uma defasagem entre 18% e 20%, para baixo, entre o que o Deter capta e o que o Landsat registra. O desvio foi confirmado ainda por outro trabalho do Imazon, este de refinamento das imagens fornecidas pelo Deter, pelo qual elas passaram a revelar desmatamentos acima de 10 hectares.

Corrigido por esses percentuais, os números do Deter entre agosto de 2004 e julho de 2005 ficaram em torno dos 16 mil km2. Em dezembro, o governo planeja divulgar a taxa calculada sobre as imagens do Landsat. Quem trabalha com as duas, garante que a diferença será mínima. O número mostra que o Deter, que entrou em operação em fevereiro de 2004, serve exatamente para aquilo que foi planejado: mostrar às autoridades, com razoável precisão, onde estão as principais fronteiras do desmatamento na Amazônia com um mínimo de defasagem. Isso permite que elas ajam de maneira mais imediata para combatê-lo. Com os números do Landsat, tem-se uma taxa mais precisa, que porém só é contabilizada quando já não há muito mais o que fazer para barrar o corte de árvores.

* Colaborou, de Brasília, Carolina Mourão.

Fonte: O Eco

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