segunda-feira, 1 de agosto de 2005

DA MEDICINA E DA TREPAÇÃO

José Altino Machado

As doenças dos ianomâmi, mesmo graves, ainda permitiram deixar expostas deficiências na estrutura administrativa do país, que só não foram percebidas pelo exagero e má-fé de, sempre, se achar um culpado para a lamentável situação.

Questões como por quê adoeceram e por quê se aproximaram dos não-índios permanecem sem maior estudo, compreensão e entendimento. Não apareceu ninguém para, sequer, verificar que estavam doentes de graves males, tão-só deles mesmos, e, mais do que tudo, mortos de fome.

A oncocercose e a sarna têm devorado aquela gente.

Nem a baixa expectativa de suas vidas, próxima aos 32 anos, serviu para comover e retirar os responsáveis da indolente negligência. Do desastre que ocorria, nem lições quiseram tirar. Seria interessante que houvessem aprendido que mosquito de malária não gosta de subir morro, podendo aconselhar a construção de malocas em lugares mais altos e mais afastados das águas. Aprenderiam, também, que, na cozinha, a fumaça do fogão a lenha atrai não só eles, mas inúmeros outros insetos, todos portadores de males como a leischmaniose. Perderam o maior laboratório vivo e lição prática para aculturação na administração social, na imbecilidade de vaidosa “caridade” que acreditavam fazer.

Todos esses acontecimentos foram mais que suficientes para mostrar que administrador público, no Brasil, carece de cultura, de um mínimo de conhecimento da realidade, tão diversificada no país.

Aqueles índios, que, repentinamente, o Brasil passara a conhecer, também pela primeira vez eram alvo da curiosidade do Governo, que, apesar dos anos de sua existência, recebiam forçada atenção, pela forte repercussão dos acontecimentos.

A esperança de todos era que, na prevalência do bom senso, surgisse governo ou forma administrativa que, de maneira organizada, permitisse que uns e outros bem vivessem, trabalhassem, produzissem com respeito mútuo. Não foi bem o que aconteceu e ainda foi menos do que se esperava.

A bem da verdade, nós, no Brasil, gostamos de nos enganar em relação a governo. E como exercitamos isso! Está bem demorada em nossa educação a percepção de que, ao mesmo tempo que conservam poder absoluto, acabam sempre por tomar irresponsáveis e absurdas decisões.

Tudo isso parece ser o reflexo da inexistência de leis severas sobre a responsabilidade administrativa e por se supor que o eleito é um ser ungido para o poder, mesmo que ignorante, sendo-lhe permitido interferir, atabalhoadamente, na vida, economia e trabalho de todos, para atender um momentâneo apelo de distante opinião pública, que não coincide com a regional, imediata, que está a sua frente.

Analisando a esdrúxula e pouco inteligente forma do fechamento dos garimpos em áreas próximas aos ianomâmi, temos mais surpresas. Além da ignorância, ainda se faziam acompanhar de cronológica incompetência. Sem entrar no mérito da opção de levar problemas e desgraça a outros milhares de envolvidos, tangendo-os aos infernos como solução, é no estudo das decisões posteriores onde encontramos as maiores falhas, em relação aos que seriam supostamente beneficiados.

No radical bloqueio das áreas tomadas e reservadas para os índios, que carregam, repito, seus direitos em trânsito, o Governo estudava a destruição das pistas de pouso e de acesso à área para evitar que fossem reutilizadas no futuro.

Fomos a Brasília, atendendo a chamado, para discussão de suas vontades. Isso mesmo, ainda me chamavam, até para isso.

Acreditando na boa-fé e, como se tratava de melhoria para os índios, que, afinal, eram apenas vítimas da desorganização dos ditos “brancos”, elaboramos e levamos uma proposta simples e de fácil execução. Por sermos extremamente bons nas atividades de movimentação de terra, especialidade de garimpeiro, poderíamos usar tais conhecimentos num projeto de fruticultura, para modificar e transformar as antigas pistas de pouso em pomares de cítricos.

Atacaríamos, assim, também, na solução pretendida, o mais sério problema dos índios, a deficiência imunológica. Bastaria puxar terra daqui, empurrar dali, sem arado, sem trator, nada, só com uma mangueira de desmonte hidráulico... e pronto! Que providenciassem apenas as mudas para plantio.

Sabíamos e explicamos aos homens do gabinete do Palácio do Planalto que a decisão pretendida, para destruir com explosivos as pistas de pouso, facilitaria a reconstrução. Qualquer delas que eles explodissem poderíamos recuperá-la num prazo de 24 horas e pousar um avião em cima.

Fazer aquilo seria uma bobagem, uma palhaçada, mas era o que desejavam empregar, para a produção de espetáculo televisivo. Seria bonito... “Bum!” Subindo aquele monte de terra... Mostrar o que eles estavam fazendo isso venderia boa imagem para o mundo.

Argumentávamos, com veemência, em contrário, principalmente por expor a atividade garimpeira de maneira desrespeitosa perante o mundo, nada resolvendo de prático.

Pensáramos em todos os detalhes para o bom aproveitamento das áreas, as quais, aqueles deuses ou capetas de Brasília queriam simplesmente mandar para os ares. Mostramos que os homens de garimpo e todos os outros trabalhadores dessas áreas respeitariam o menor pé de laranja, limão ou de qualquer outro cítrico que ali fosse plantado.

Dentre as coisas que essas pessoas carregam na mochila encontra-se a vitamina C, em cápsulas, muito limão e muita laranja. Elas sabem que não encontrarão nada disso na floresta. A Amazônia em nenhuma parte provê tal vitamina. Por isso, jamais as arrancariam. Não querem de forma alguma ficar como os índios, com baixa resistência imunológica. Sabemos das similares situações da vida, na selva amazônica, com as antigas caravelas, que, ao mar, na falta da vitamina, grassava o escorbuto. Até o fato dos homens serem eméritos consumidores de cerveja em garimpo, o que custa uma nota preta por causa do custo de transporte, tem razão de ser, ou seja, a vitamina k , que ao exalar seu odor, na transpiração, espanta os maus mosquitos. O ser humano indígena é igual a nós, na construção de seu corpo e saúde. A única diferença é o que não lhe entra pela boca.

Continuávamos a insistir que poderíamos utilizar a frota aérea de nossos serviços na região, que estavam nas áreas periféricas dos nossos vizinhos, os índios, transportando graciosamente todo o necessário. Faltando-nos formação em agronomia, a Embrapa poderia projetar e a Emater executar...

Pelejávamos de todas as maneiras; além de transformar todas as pistas de pouso feitas pelos garimpeiros em verdadeiros pomares de cítricos, tentaríamos ensinar os índios a criar galinhas e porcos, para garantirem sua subsistência.

Dessa forma, estariam parcialmente resolvidos os seus problemas e não mais andariam atrás de garimpeiros. Passariam à condição de vizinhos, mesmo. Ainda na apresentação dos nossos argumentos, dissemos que os índios deixariam de buscar arroz quebrado de terceira, farinha e fubá com eles. Teriam independência alimentar, abandonando a condição de nômades buscadores de comida.

Opinião desprezada!

Missionários e algumas autoridades acham que se deve manter os índios como são e estão !... Se eles têm expectativa de 32 anos de vida, dane-se!, acham que deve ser assim mesmo, pois estão vivendo há milhares de anos desse jeito.

Mas por que deixar pra lá?

Um pretenso homem nosso de Deus, civilizado, quando fica doente, sai correndo para procurar o mais avançado hospital, onde poderá salvar sua vida. Esquece, todavia, o índio dentro na pagelança e na sua cultura! Ignorância! Estupidez!

Quem disse que os índios querem ficar assim?

Já lhes perguntaram se querem morrer jovens e perder as esposas de tal maneira? Mas todos os missionários continuam pregando que deve ser desta forma...

– Não! não!... Os índios não podem criar galinha ou porcos, porque isso não pertence à cultura alimentar deles, que é matar passarinhos.

Mais de 35% das mulheres ianomâmis, já disse e repito, morrem no parto, de infecção uterina, parindo sozinhas, no meio do mato!

É justo deixar continuar isso desse jeito?

Não questiono interferir, mas, sim, proponho considerar e educar. Questiono a autoridade e a capacidade de alguém para decidir uma coisa dessa, sem mais nem menos, pela fácil e cômoda negativa, que, por absurdo, favorece a aniquilamento dos próprios índios e, não sua sobrevivência.

O que queremos, a rigor, é o reconhecimento de que se trata de uma causa humanitária.

Deveria lhes ser retirado o monopólio, jamais concedido, de aplicação exclusiva de todo o milenar avanço científico da humanidade, ficando nós, com a alma lavada, longe de possíveis memórias ruins a nosso respeito. Não adiantou nada.

O país bem se lembrará dos orgasmos de nosso alegre presidente, aquele das folclóricas camisetas, vendo, pela televisão, aquelas áreas, trabalho e emprego de tantos, indo pelos ares.

Falando deles, fiquei animado e com saudade, por isso continuo mais um pouco.

Já comentei “en passant” e repito que conheci uma comunidade indígena ianomâmi com vinte e nove homens e uma mulher só! As outras índias foram sempre roubadas de cá para lá!

Embora para todo mundo seja bonzinho, para a mulher, nem tanto, porque ela não é vista como ser humano, como nós. Ela é o “capital de trabalho”. Constrói casa, carrega peso, carrega tralha, bagagem e filho, tudo. Índio não carrega nada, só o “arquinho” e a “flechinha”, e olhe lá! Se flecha um bicho longe de casa, joga dentro da canoa e é ela quem vem tirar, carrega para casa, limpa, esquarteja, leva à panela e põe pronto na mão dele para seu deleite. O índio ianomâmi é como o leão: nada faz, deixa para a leoa fazer. Mas o leão é sexualmente superativo... transa cento e vinte vezes, gozando em todas!

Tenho de reconhecer que ianomâmi, também nisso, é campeão, faz muito sexo... e todo dia! Na inveja, digo que é porque não têm conta para pagar e não têm trabalho na cabeça.

Quando constroem moradia, as mulheres é que levantam e amarram os paus. Como disse, são elas, verdadeiros investimentos e fazem de tudo. Por isso, me pergunto: em que momento alguém parou para prestar atenção nelas? Se tivessem prestado atenção, mais um pouco, o Brasil ou um de nós estaria mais rico.

Essa nova invenção, de tanto sucesso por aí, chamada viagra, essas índias já a bem conheciam, através de uma planta chamada iacuna, que, pelo mesmo principio, levado seu cheiro almiscarado ao nariz dos índios dorminhocos, a reação era imediata, membro duríssimo. Tem elas ainda uma própria para as mulheres. A dos homens, experimentei. Porreta!

O conhecimento dessas mulheres é magnífico, assim como as Índias baniwas que já conheciam um chá anticoncepcional há séculos. Quem sabe esses famosos laboratórios estrangeiros não estiveram por lá pegando uma colaboração delas?

Isso se faz pensar nas fortunas que hoje existem no mundo e que possivelmente tenham tido origem no meio amazônico ou de áreas indígenas.

Na mesma região, baniwa, conforme contou-me Olímpio, um velho companheiro, remédio para picada de cobra deixou de ser novidade há muito tempo. Ele e alguns homens faziam pesquisas numa área que um espertalhão tentava vender dizendo que ali havia ouro. Uma cobra picou um de seus homens e devia ser das mais venenosas, pois aconteceram reações quase imediatas. Não havia soro antiofídico na região nem eles o possuíam; chamaram o pajé, mais como derradeira tentativa do que por credito. O descarado desdém não preocupou o curandeiro; ele apenas fez questão de ver qual fora a cobra que atacara o homem. Ao ver seu espécime, saiu correndo pela mata. Pouco depois trouxe uma raiz e disse ser própria para aquela dita.

Transformou a planta em chá e o deu para o homem, que o tomou por volta de 19 horas, estendido em cima do catre, mais morto que vivo.

Perdeu tempo quem esperava a morte do cidadão: dia seguinte, às oito, nove horas da manhã, ele já estava no trabalho normalmente e não sentia mais nada.

Ofereceram muitas coisas de valor ao índio para que revelasse os segredo das raízes. Ele não revelou. Talvez não o tenha feito simplesmente pela dificuldade em situar a grande variedade de vegetais existentes para conter o veneno, quase um para cada cobra e para cada tipo de veneno.

Essas coisas ficam na cabeça da gente.

Instituições como o Butantã, em São Paulo, até hoje fazem vacina, soro de vida, à custa do sofrimento de outros animais para que a gente possa viver.

É assim com muitas outras coisas. Eu mesmo, jogando conversa fora, dizia que grandes fortunas estavam à espera de quem fizesse duas descobertas: a primeira é a cura da impotência do homem; a segunda é fazer nascer cabelo em carecas.

Voltando, contudo, à realidade conhecida, foi dada ordem de recuo aos garimpeiros que invadiam as áreas indígenas.

Realmente, alguns fizeram isso, embora, com aceitação e convívio social com os índios. Pudemos notar que não acontecera mistura ou promiscuidade entre eles. Tornaram-se apenas vizinhos.

Além disso, mais de trinta mil diferentes pessoas que passaram por ali, em diferentes ocasiões, não houve caso de filhos destas com os índios!

Comprovação?

Se acontecidas relações sexuais entre o “mundo garimpeiro” e as índias, será que, ao longo de quase dez anos de convivência e vizinhança, não ocorreria o nascimento de um indiozinho com sangue garimpeiro? Ianomâmi não conhece chá anticoncepcional, nem pílulas, e não é possível pensar que os garimpeiros só chegassem a trepar no momento infértil das índias. Resta tão somente imaginar que não aconteceram relações.

Algum, por certo, teria sido gerado, da mesma maneira que foram gerados filhos de missionários no meio deles...

Um comentário:

Anônimo disse...

Claro que há algo a comentar... esse arremedo de gente é filho de um dos mais sanguinários coronéis de Governador Valadares. É notória na cidade as histórias de perseguição e morte naquela cidade. É claro que depois de tanto tempo eles estão finalmente esperimentando a decadência. E ainda bem. Sua história na Amazônia é igualmente recheada de atos de vandalismo e perseguição contra os indios. Claro que a internet é um lugar livre, mas sinceramente, o moderador do blog poderia ter um pouco de descência ou respeito pelas famílias perseguidas por esse crápula e não publicar estas besteiras que ele vive escrevendo... "Fomos a Brasília, atendendo a chamado, para discussão de suas vontades. Isso mesmo, ainda me chamavam, até para isso."... faça-me o favor!!