Leonardo Boff
A saída de Marina Silva do Ministério do Meio Ambiente representa uma pesada perda de qualidade política do governo Lula. Por qualidade política entendo a competência do governante de manter a unidade dos contrários, contrários esses, inerentes a todo convívio social e democrático, que confere dinamismo e vida à sociedade. Marina Silva representava um pólo decisivo no governo e fundamental para uma política responsável pelo futuro da vida e da integridade do Planeta: o cuidado com o ambiente inteiro e com as condições ecológicas que garantem a vida em toda sua imensa diversidade.
No outro pólo estão outros, em maior número, que perseguem um projeto que nos remete ao século XIX, de crescimento material acelerado e a todo custo, sem considerar a mutação das consciências ocorrida no Brasil e no mundo face principalmente às perigosas transformações negativas do estado da Terra, ocasionadas, em grande parte, por aquele projeto. Missão do governante é ser um homem de síntese, capaz de articular os pólos e ter a sabedoria suficiente para decisões estratégicas, mesmo difíceis, que garantam o futuro de nossa existência neste pequeno Planeta. O atual presidente mostrou essa capacidade de síntese. Mas desta vez, parece-nos, se operou desastroso desequilíbrio. Com a ausência de Marina Silva, há o risco do pensamento único e da obsessão furiosa pelo crescimento fazendo crescer nossa dívida para com a natureza e as gerações futuras.
A ex-ministra Marina Silva mantinha tenaz coerência com a missão que se propôs de introduzir a partir de seu Ministério a transversalidade do cuidado ecológico em todas as instâncias do poder, no esforço de conferir uma direção inovadora e à altura dos desafios contemporâneos ao desenvolvimento sócio-ambiental sustentável. Foi vista como obstáculo ao crescimento e como empecilho à modernização. E efetivamente era e precisava sê-lo. Não é possível, contudo, o que sabemos da história e da experiência recente continuar com o tipo de crescimento retrógrado que visa a acumulação à custa da devastação da natureza e do aprofundamento das desigualdades sociais. Há que se estigmatizar essa modernização conservadora e socialmente criadora de tantas vitimas no campo e nas cidades. As pressões contra a ministra vindas do interior do próprio governo e do exterior, de grupos poderosos ligados à pecuária e ao agronegócio, solaparam a sustentação política e a viabilidade de seu trabalho, especialmente com referência à preservação da floresta amazônica. Retirou-se do ministério pela porta da frente, com elevado espírito público e ético, protestando lealdade e fidelidade ao presidente.
Marina Silva era uma das reservas éticas do governo, uma referência de credibilidade para o Brasil e para o mundo. Mas ética era pouco para ela. Movia-a uma inspiração espiritual, de serviço à vida e de proteção a todo o Criador. Ela me faz lembrar a frase de um dos grandes pensadores da escola de Frankfurt, que foi um rigoroso marxista e materialista: Max Horkheimer. No final de sua vida escreveu um instigante livro: "Saudade do Totalmente Outro". Ali, como marxista e não como cristão, diz: "uma política, sem teologia, é puro negocio". E explicava: "teologia significa aqui, a consciência de que o mundo não é a verdade absoluta, que não é o fim; teologia é a esperança de que tudo não se acabe na injustiça que tanto marca o mundo, que a injustiça não detenha a última palavra". Estimo que Marina Silva mostrou em sua vida e prática a verdade desta sentença. Por isso todos lhe somos agradecidos e devedores.
◙ Leonardo Boff é teólogo. O artigo foi lido durante o Fórum de Desenvolvimento Eco-Sustentável da Ilha de Itaparica (BA).
Um comentário:
Marina, prefiro você no Senado, seu trabalho ainda esta por recomeçar.
Marina, prefiro dizer que tenho orgulho de você Senadora, lá no meio de feras defendendo igual a uma guerreira os seus ideias.
É preciso ter experiências, agora você já as teve no Executivo, e, através delas é que Deus lhe dará sempre mais visão e voz para ver e falar por nós em defesa da Vida.
Muito obrigado por tudo!
O que já fez por nós é muito, mas o seu papel é mais!
"Tu és um vaso precioso!"
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