Simão Pessoa
Eu devo ter sido um dos poucos cabocos da região a não ter assistido a “matéria” veiculada no jornal Nacional, da Rede Globo, sobre a “Expedição Juruá Sempre”, feita por parlamentares acreanos no início do mês. Mas como sei que tipo de jornalismo canalha a “Vênus platinada” pratica diariamente, faço uma idéia de como a “matéria” foi produzida e exibida.
Pra ser sincero, desde a edição vergonhosa que fizeram daquele debate Lula-Collor (alguém ainda lembra?) há quase 20 anos, as notícias veiculadas pela rede Globo entraram no meu index de coisas proibidas até o final dos tempos. Ainda prezo pela minha sanidade mental – e seria de bom alvitre que mais gente fizesse o mesmo.
Às vezes, entre um cigarro e outro, fico matutando sobre que tipo de pessoa assiste (ou, muito pior, costuma levar a sério) as baboseiras apresentadas por Cid Morengueira e Sergio Chapolin (ainda são os âncoras-palhaços do noticioso ou já foram pro formol?) durante o horário nobre. Saber que o JN ainda é o principal informativo do país para a maioria dos brasileiros costuma me deixar macambúzio e levemente deprê. Tenho muita pena de quem assiste aquela josta.
Aliás, se grande parte da população brasileira, incluindo a cabocada de nossa região, já tivesse assistido ao documentário “Muito além do Cidadão Kane”, de Simon Hartog, produzido em 1993 pelo canal 4 da BBC, eu nem precisaria fazer esse prolegômeno. Sim, o documentário discute o poder e a filhadaputice da rede Globo e teve sua exibição proibida no Brasil. Mas dá pra ser “baixado” na web. Cacem.
De qualquer forma, resolvi meter minha colher de pau no panelão de mungunzá dessa discussão bizantina e – por que não? – meio provinciana. A “Expedição Juruá” deveria servir de exemplo para os parlamentares amazônicos, que só costumam ver as comunidades ribeirinhas olhando de cima, a bordo de aeronaves (em época de eleição, evidentemente, a história é outra).
O relato comovente do jornalista Leonildo Rosas [leia aqui], por exemplo, deveria ser matéria obrigatória nas escolas públicas, nas discussões das academias, nas mesas de botecos, nos sindicatos e associações de moradores, além de ser replicado ad nauseaum em todos os blogs que estão discutindo seriamente a problemática amazônica.
Entre outros méritos, o relato/reportagem de Leonildo faz um contraponto perfeito à distorção midiática vinda do sul-maravilha, eivada de preconceitos contra os nativos. Sem dourar a pílula, o repórter mostra que o rei está nu, que as políticas públicas não chegam (e não vão chegar se não houver luta e gritaria) aos mais desassistidos, que ainda há muito pra ser feito para proteger a floresta e que o caboco amazônico é, acima de tudo, um “brabo”. Quem nem siri na lata. Sobrevive de teimoso.
Causa perplexidade perceber que no lugar de estarem discutindo seriamente o que fazer para incluir essas populações marginalizadas no desenvolvimento socioeconômico da região, alguns formadores de opinião acreanos estejam mais preocupados com picuinhas, como saber que tipo de bebida foi servida a bordo da embarcação e quem pagou pelo bolo de aniversário de um deputado. Isso não passa de cabotinismo estéril, hipocrisia travestida de “boas intenções”, vôos acrobáticos em uma piscina vazia.
O deputado Edvaldo Magalhães (PCdoB), a quem não conheço pessoalmente, está de parabéns. Em pleno recesso parlamentar, ele reunir meia dúzia de parlamentares, colocar a tropa em um barco e enfrentar mais de 4 mil quilômetros de “estrada aquática”, convenhamos, é uma verdadeira façanha. Quantos políticos podem dizer que conhecem a Amazônia sem terem feito uma viagem assim?
Os bem intencionados (sim, o inferno está cheio deles) podem argumentar que “um médico não precisa pegar malária para conhecer os sintomas de doença” para justificar o fato de “que ninguém precisa fazer uma viagem dessas para descobrir o que todo mundo já sabe”. Claro, isso é argumentação meia-boca de iracundos (estão no quinto círculo do inferno de Dante). O fato é que a presença física de parlamentares nessas comunidades perdidas não só lhes aumenta a auto-estima como reacende a esperança de que dias melhores virão.
Plagiando Milton Nascimento, na canção “Nos bailes da vida”, “todo parlamentar tem de ir aonde o povo está”. E foi isso que os deputados acreanos fizeram. Criticá-los, quem há de? Eles fizeram o certo, estão combatendo o “bom combate”. Se o resultado prático da expedição ainda vai demorar a sair (políticas públicas não são construídas da noite pro dia), são outros quinhentos. O mais importante é que o deputado comunista colocou a pedra pra rolar. Não é pouca porcaria.
◙ Simão Pessoa é jornalista e escritor amazonense, editor da revista Amazonia Viva. Clique aqui e leia o blog dele sobre arte e cultura.
7 comentários:
Altino, não tem como você conseguir e postar essa matéria não, hein, eu também não vi esse diacho.
AJ
Arison, o link está no post no qual comentei a reportagem da Folha.
Olá Altino,
Eu gostari encontrar informaçAô sobre a expediçâo. Agora pegué o artigo da pagina 20, mais gostaria de saber onde conseguir maior informaçâo.
Lei o seu artigo e foi un prazer reflexivo.
Adoro Amazonia si você podese me informar eu intentaria fazer alguma coisa con tudo isso.
Obrigada.
Saravá.
Altino, este eh apenas um teste. Estou acessando o blog via celular e enviando este comentario. Grande abraço.
Celular novo, hein, saudade do acre?
Pois é, Mário, a gente tem que procurar evoluir prá se aproximar mais dos amigos.Vou dar um jeitinho de catar seu telefone prá conversar acreanidades com você. Gosto de quem sabe das coisas e tenho certeza que voce sabe. Devo estar em Rio Branco antes das águas baixarem e faço questão de uma prosa com você. Espero que me conceda uma audiência...rsrsr. abração.
...pois é, muitas saudades do Acre, mesmo!
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