quarta-feira, 8 de março de 2006

MANIFESTO DO ALTO SANTO

O general Paulo Roberto Yog de Miranda Uchoa (foto), secretário nacional Antidrogas, não permitiu hoje (08/03), durante o Seminário Ayahuasca, a leitura do manifesto assinado por Peregrina Gomes Serra, viúva do mestre Raimundo Irineu Serra, fundador do Centro de Iluminação Cristã Luz Universal (Ciclu) - Alto Santo.

O general também não permitiu que Francisco Hipólito de Araújo Neto, dirigente do Centro Espírita e Culto de Oração Casa de Jesus Fonte de Luz lesse outro manifesto. Os dois centros mais antigos e rigorosos no uso ritual da ayahuasca no país desistiram de participar do seminário.

Dona Peregrina Serra, que é dignitária do Ciclu - Alto Santo, afirma no manifesto que as autoridades do governo brasileiro podem contar com o apoio e colaboração dela "caso julguem necessário providências enérgicas, como a proibição do transporte interestadual e a exportação do jagube, da folha e da própria ayahuasca - o que serviria para conter o comércio da bebida e o tráfico de outras substâncias associadas à proliferação descontrolada de centros de pretensa iluminação cristã".

O manifesto da Casa de Jesus-Fonte de Luz foi elaborado a partir de uma decisão uniforme e consensual de seis centros oriundos da vertente de trabalho fundado pelo mestre Daniel Pereira de Mattos. Ele defende uma legislação que controle a extração e o transporte do cipó jagube, da folha rainha, bem como do Daime. "Defendemos que a Justiça possa punir aqueles que disseminam o uso de drogas consorciadas ao Daime em nossa sociedade".

Os dois centros que melhor poderiam contribuir com propostas sobre o uso ritual da ayahuasca não foram ouvidos em decorrência das manobras de bastidores e do autoritarismo que prevaleceu no "seminário" do Conad. Na prática, o evento foi concebido e organizado por conselheiros e consultores que defendem a liberação do uso de drogas, como a maconha e a cocaína, inclusive durante rituais com ayahuasca.

Os dois manifestos criticam duramente a leniência e o despreparo do Conad para lidar com a realidade dos usuários tradicionais de ayahuasca. O
s povos indígenas do Acre, por exemplo, que são usuários imemoriais da ayahuasca, sequer foram convidados para o evento.

O Alto Santo e a Casa de Jesus Fonte de Luz se opõem à tendência de maior liberalidade que o Conad tende a adotar em relação a ayahuasca a pretexto de regulamentar seu uso sob a pressão de centros que movimentam muito dinheiro comercializando a bebida dentro e fora do país.

- Eu o parabenizo com nota máxima pelo elevado grau de autoritarismo e desorganização do seminário - disse Francisco Hipólito ao general Uchoa.

Conheça com exclusividade os dois manifestos:


"Senhores e Senhoras,

O meu esposo, o Mestre Raimundo Irineu Serra, fundador do Centro de Iluminação Cristã Luz Universal - Alto Santo, do qual sou a dignitária, antes de se despedir deste mundo não se cansava de nos advertir e nos preparar em relação àqueles que viriam a macular a história de sua doutrina, que foi consolidada na Terra com enorme sacrifício dele e de seus primeiros seguidores.

Em inúmeras ocasiões, de modo persistente, Mestre Raimundo Irineu Serra deixou claro que o amor e a lealdade eram as virtudes mais valiosas que esperava dos seguidores da doutrina.

Dirigindo-se a todos, o seu apelo final, tão repetido, nos advertia a respeito do que sucederia até os dias atuais, após a passagem dele para o mundo espiritual.

Foram estas as palavras da instrução que o Mestre Raimundo Irineu Serra nos legou:

- Quando eu me ausentar daqui, vocês reunam, tomem Daime e me chamem que eu venho. Não me deixem inventar moda e ninguém queira ser chefe. O dono daqui sou eu.

Os 68 anos de minha vida, desde o meu nascimento, têm sido dedicados aos ensinos de Raimundo Irineu Serra. As palavras e os ensinos dele me dão força suficiente para permanecer em lealdade como testemunha privilegiada do legado histórico da sua doutrina.

Não há, entre os que prestigiam este Seminário, ninguém que tenha chegado ao CICLU-ALTO SANTO sem que eu não já estivesse lá, na saudosa companhia do Mestre Raimundo Irineu Serra, de meus pais Sebastião e Zulmira, do meu avô Antônio Gomes da Silva, e dos meus tios Lêoncio, Raimundo e Guilherme Gomes da Silva.

Desde que o Mestre Irineu se ausentou materialmente, o CICLU-ALTO SANTO várias vezes foi alvo de salteadores, que ousaram se contrapor àquela advertência de que o seu fundador é e sempre será o dono.

Muitos falam, da boca para fora, claro, em amor e união, mas esquecem que se tivessem cultivado o amor e o espírito de união em seus corações até hoje estaríamos reunidos no mesmo Centro de Iluminação Cristã Luz Universal, no Alto Santo.

Mas na realidade muitos se deixaram dominar pelo egoísmo e passaram a cultivar substâncias e elementos doutrinários de origens diversas em profundo desalinho com a essência da doutrina que conheceram enquanto estiveram com Raimundo Irineu Serra.

Não existe ninguém que tenha recebido autorização do Mestre Irineu para se declarar dono ou continuador de sua infinita obra.


O que ele fez foi permitir, temporariamente, que duas pessoas - uma em Rio Branco e outra em Porto Velho (RO) - reunissem seus familiares para tomar Daime em razão da distância que moravam.

Mas, por ordem do Mestre Irineu, meses antes de sua partida as permissões foram canceladas por Leôncio Gomes da Silva, meu tio, presidente eterno do CICLU-ALTO SANTO.

Noutro caso, o saudoso Daniel Pereira de Mattos, conterrâneo e amigo do Mestre Irineu, recebeu dele um grande benefício para a sua saúde, em 1937. Daniel chegou a receber Daime do próprio Mestre e recebeu a revelação de sua própria linha de trabalho.

Ele procurou o Mestre Raimundo Irineu Serra e o comunicou, tendo o Mestre o apoiado, dando-lhe cinco litros de Daime e o incentivado a que seguisse com o seu trabalho. A casa de Daniel Pereira de Mattos foi edificada sem que fosse necessário surrupiar nada de outra casa. É por isso que os laços de admiração e respeito mútuos permanecem até hoje entre os dois centros.

A proliferação de centros que usam indevidamente os hinos e os símbolos da doutrina do Mestre Raimundo Irineu Serra é da absoluta responsabilidade de cada um que assim procede. Todos têm que prestar contas dos trabalhos que vêm fazendo.

A tentativa de evangelizar ou de doutrinar o mundo com o uso da ayahuasca contraria os princípios da doutrina, que é esotérica e não pode ser confundida com as religiões que se dedicam a arrebanhar fiéis.

O Mestre Irineu costumava dizer o seguinte:

- O meu Daime é para todos, mas nem todos são para o meu Daime. Pelo meu Daime eu me responsabilizo.

Além disso, deixou expresso no Decreto de Serviço, que é o que nos norteia como organização esotérica, a proibição de convidarmos pessoas para as nossas reuniões.

Não existe nenhum centro filiado ao nosso CICLU-ALTO SANTO e, para evitarmos problemas, continuamos cumpridores das ordens que nos foram deixadas por Raimundo Irineu Serra. Nós não criamos nada. Nós não inventamos nem permitimos a moda que o preocupava.

Nós temos a certeza de que ele é o dono. Tudo o que herdamos no CICLU-ALTO SANTO é fruto da inspiração divina de Raimundo Irineu Serra.

Foi ele que nos ensinou que pertencemos a um centro de instrução, de sabedoria divina, do caminho do bem. Foi ele que nos ensinou, ainda, a receber a todos aqueles que o procuram por livre e espontânea vontade.

Toda a minha luta à frente desse centro é para manter os ideais da replantação do cristianismo, da prosperidade e evolução pessoal de cada um de seus membros, dentro do civismo e do respeito às leis do nosso país, conforme o Mestre Raimundo Irineu Serra nos instruiu.

Nós tomamos Daime. Apenas Daime. Daime do Mestre Raimundo Irineu Serra.

Daime foi o nome com o qual o Mestre Raimundo Irineu Serra batizou a ayahuasca, que outros posteriormente apelidaram de santo Daime.

O Daime do Mestre Irineu, o Daime pelo qual ele se responsabiliza eternamente, continua sendo preparado e servido no CICLU-ALTO SANTO no rigor do ritual deixado por ele, a partir do cozimento de apenas três substâncias: água, folha e jagube.

Os que freqüentam o CICLU-ALTO SANTO tomam o Daime apenas nos dias de trabalho, cujo calendário foi estabelecido em vida pelo fundador. Não têm sequer Daime em casa, para evitar risco de uso inadequado.

A polícia, os fiscais ambientais e a vigilância sanitária dos governos estadual e federal podem ficar despreocupadas porque jamais vão flagrar alguém do CICLU-ALTO SANTO transportando cipó e folha ilegalmente ou comercializando Daime e muitos menos com conduta alterada nos círculos sociais.

Eu compreendo a legião de dissidentes do centro fundado pelo Mestre Raimundo Irineu Serra: é mais fácil se retirar e passar a se organizar como bem entendem do que se adequar à disciplina que lhes era exigida no CICLU-ALTO SANTO.

Para mim tem sido doloroso acompanhar a banalização da ayahuasca. Digo ayahuasca de modo genérico porque não é Daime do Mestre Irineu o que tem sido confundido com droga, distribuído e vendido abertamente no comércio mundial.

Quem toma Daime, Daime do Mestre Irineu, comporta-se de modo muito diferente dos que promovem as transgressões, que são do conhecimento da opinião pública, dentro e fora do país.

Nós não nos perfilamos no batalhão daqueles que se revelam fanáticos por ayahuasca. O Mestre Irineu nos advertiu que estivéssemos sempre preparados porque a doutrina dele prescinde da bebida.

Tenho me resignado junto com meus irmãos diante de tudo. Ao pedir aos seus seguidores que quando se ausentasse do CICLU-ALTO SANTO eles se reunissem para tomar Daime e o chamassem, que ele estaria presente, e que não deixassem inventar moda ou quisessem ser chefes, pois ele é o dono, Mestre Raimundo Irineu Serra nos deu a instrução de como nos comportar para proteger e seguir a sua doutrina.

Mestre Raimundo Irineu Serra costumava também dizer o seguinte:

- A casa da Mamãe está cheia, mas os meus eu ponho na palma da mão.

Ainda que muitos até contestem, mas a verdade é que o Mestre Irineu e eu somos os donos desse trabalho. Eu sou a responsável pelo CICLU-ALTO SANTO.

Não é uma posição confortável para quem nasceu, cresceu e até hoje vive dedicada a proteger a doutrina em sua essência.

Falo desse desconforto porque diariamente sou golpeada por salteadores, usurpadores e charlatões que maculam a história, os hinos, os ensinos e os símbolos da sagrada doutrina do Mestre.

Espero contar com a sensibilidade e a colaboração das autoridades do governo brasileiro, que querem constituir um Grupo Multidisciplinar de Trabalho de pesquisadores para o levantamento e acompanhamento das aberrações que vêm sendo praticadas com o uso indevido da ayahuasca.

Elas podem contar com o meu apoio e colaboração caso julguem necessário providências enérgicas, como a proibição do transporte interestadual e a exportação do jagube, da folha e da própria ayahuasca - o que serviria para conter o comércio da bebida e o tráfico de outras substâncias associadas à proliferação descontrolada de centros de pretensa iluminação cristã.

Na condição de dignitária do CICLU-ALTO SANTO, quero me abster de pedir votos para representar ou ser representada como dirigente de quaisquer dos centros usuários de ayahuasca.

Discordo do critério de representatividade adotado pelos organizadores desse evento, que chega ao ponto de classificar um grupo de dirigentes como pertencentes a uma suposta "linha do Mestre Irineu ou do Alto Santo".

Tomo essa decisão porque nunca enfrentamos qualquer problema de ordem pública que demandasse a preocupação das autoridades do nosso país.

Nada do que possa vir a ser proposto ou decidido por cientistas e representantes dos demais centros vai afetar a condução histórica dos trabalhos no CICLU-ALTO SANTO, que é o único estabelecido na Terra por Raimundo Irineu Serra e do qual sou a dona.

O Centro de Iluminação Cristã Luz Universal está situado na minha propriedade particular, denominada por meu saudoso esposo como Alto Santo. O Alto Santo não é um bairro ou uma comunidade. Trata-se de uma área onde o Mestre Raimundo Irineu Serra construiu o Centro e a casa na qual ele e eu convivemos.

Espero que respeitem ao menos o meu direito de não ter o nome do CICLU-ALTO SANTO associado aos centros que têm surgido no bairro Irineu Serra nos últimos anos.

Embora estejamos próximos, no mesmo bairro, e tenhamos convívio pacífico, na realidade estamos separados pelos fatos que estão expostos até aqui.

Portanto, a todos aqueles que transformaram a ayahuasca em mercadoria e usurpam a doutrina do Mestre Raimundo Irineu Serra, devo dizer-lhes: cada um responderá por seus atos, pois "a Justiça de Deus é reta, no mundo e no astral".

Quando a Rainha da Floresta entregou ao Mestre Raimundo Irineu Serra a missão de replantar a doutrinha de Jesus Cristo, ela o avisou que ele não ganharia dinheiro com isso.

Sem o fanatismo que tem imperado, nós vamos continuar a seguir na missão de Raimundo Irineu Serra. Os ensinos e as preleções do Mestre estarão sempre a nos guiar. Para finalizar, repito aqui as palavras dele:

- Quando eu me ausentar daqui, vocês reunam, tomem Daime e me chamem que eu venho. Não me deixem inventar moda e ninguém queira ser chefe. O dono daqui sou eu.

Este é o meu ponto de vista para esta reunião, para a qual designei como representantes do CICLU-ALTO SANTO os jornalistas Altino Machado e Antonio Alves.

Alto Santo, 8 de março de 2006

Peregrina Gomes Serra
Dignitária do Centro de Iluminação Cristã Luz Universal
Alto Santo


MANIFESTO DA CASA DE JESUS-FONTE DE LUZ

Autoridades presentes e representantes dos centros que utilizam a Ayahuasca:

O Centro Espírita e Culto de Oração "Casa de Jesus-Fonte de Luz" existe há 60 anos. Foi fundado no ano de 1945 por Mestre Daniel Pereira de Mattos, aqui em Rio Branco. Mestre Daniel passou 12 anos, em vida de matéria, preparando os trabalhos que hoje coordeno com ajuda de vários irmãos.

Desde o primeiro dia em que o Mestre Daniel chegou no terreno onde nós ainda trabalhamos, já trouxe consigo uma pequena quantidade de Daime, ofertado a ele pelo Mestre Raimundo Irineu Serra, amigo e incentivador da sua missão, recebida da divindade e reconhecida por Mestre Irineu, como uma outra vertente de trabalho, com ritual próprio e diferente dos trabalhos realizados no Alto Santo.

Mestre Daniel utilizou essa bebida para iniciar a organização do seu trabalho religioso, bem como para prestar suas obras de assistência espiritual ao povo da floresta e da cidade Rio Branco. Homens e mulheres passaram a viver essa experiência religiosa.

Temos ainda hoje, em nossa casa, que é de Mestre Daniel, pois ele foi o fundador, pessoas com mais de 70, 80 anos de idade, que conviveram e aprenderam com ele o respeito e a crença nesta bebida sagrada. São experiências vivas que contam como foi o início desta doutrina que efetivamente nasceu no Acre.

Tradicionalmente, seguimos as orientações espirituais de Mestre Daniel, o dono da nossa missão, que nos deixou as instruções de como usar o Daime durante o ritual religioso e prestarmos as obras de caridade em benefício de todos que buscam a sua casa.

Todo atendimento que fazemos, usando ou não o Daime, é feito dentro do nosso Centro. Não saímos a procura de ninguém, chamando para vir
assistir os nossos trabalhos ou fazer parte dele. Todos os que chegaram na casa fundada pelo Mestre Daniel vieram com as próprias pernas. Nunca ele buscou seguidores, nem oferecia ou distribuía o Daime fora da sua casa. Os que buscaram e buscam o nosso centro, o fazem por um chamamento interior, por uma busca espiritual.

Seguimos a tradição deixada por Mestre Daniel, o fundador do nosso
centro, da nossa doutrina e do ritual religioso que executamos. Ele
preparava o Daime com o cipó jagube, folha rainha, água, fogo e nada mais. Ele bebia e servia o Daime puro, sem nenhuma mistura. Ele nunca acrescentou e nem ensinou aos irmãos que o seguiram, a usar com o Daime qualquer outra planta, ou seja lá o que fosse. Isso ele ensinava cantando como deveria ser o feitio do Daime: com o cipó, fogo, água e folha. São essas as combinações com as quais se prepara esta bebida, que nos dá santa miração.

Os 60 anos de história da casa fundada por Mestre Daniel, estão pautada na tranqüilidade e bom uso do Daime, sem transgredir as leis do país, sem prejudicar a qualquer pessoa que ali tenha freqüentado ou bebido o Daime. Muito pelo contrário, as experiências mostram relatos de pessoas que chegaram desequilibradas, com dependência química, completamente desajustadas social e psicologicamente, ficaram curadas e foram
reintegradas à sociedade. São depoimentos vivos para quem quiser ver e ouvir.

O que na realidade temos feito durante toda a existência do nosso
centro, é distribuir o Daime às pessoas capacitadas, na dosagem adequada a cada um, não permitindo a mistura com nenhuma outra substância, dentro de um contexto religioso, obedecendo ao calendário e as orientações deixadas por Mestre Daniel.

Sabemos que tem crescido o número de indivíduos que usam o Daime em
diversos locais e maneiras pelo Brasil e o mundo afora. A nossa doutrina se originou aqui em Rio Branco, em uma pequena terra inicialmente emprestada ao Mestre Daniel, onde ainda está a sede em alvenaria que ele começou a construir em 1958. Não é de qualquer maneira que acrescentamos o número de filiados ao nosso centro. Temos critérios de responsabilidade, para que não venha a desabonar a seriedade da nossa doutrina. Os exemplos falam por si e estão para serem comprovados.

Nos preocupamos com o nome que temos a zelar. Por isso, não nos
interessa ter um número grande para mostrarmos. O nosso desejo é que os nossos irmãos possam seguir felizes, aprendendo a zelar pelo bom nome da doutrina deixada pelo Mestre Daniel.

Não estamos acima do bem e do mal, mas a nossa prática ritual com o uso do Daime, nunca contribuiu para a quase proibição dessa bebida em anos anteriores. Não somos e nunca fomos manchete de jornais, em escândalos envolvendo a venda e a mistura de Daime com substâncias proibidas ou com a deturpação das doutrinas deixadas pelo Mestre Daniel, Mestre Irineu e Mestre Gabriel.

Recorro às autoridades aqui presentes neste Seminário: que tomem
providências no sentido de identificar e impedir que pessoas continuem a praticar tantas irregularidades com o Daime. De forma irresponsável, vão iludindo a tantos, prejudicando o bom nome daqueles que há quase um século, de forma correta e equilibrada, fazem o bom uso dessa bebida sagrada.

Não queremos mais servir de escudo para aqueles que se escondem atrás da Ayahuasca, dos nomes do Mestre Irineu, do Mestre Daniel e do Mestre Gabriel, para usarem substâncias proibidas por lei, para alcançarem objetivos escusos, deturpando e desvirtuando as doutrinas por eles implantadas sobre a terra.

É por tudo isso que defendemos uma legislação que controle a extração e o transporte do cipó jagube, da folha rainha, bem como do Daime. Defendemos que a Justiça possa punir aqueles que disseminam o uso de drogas consorciadas ao Daime em nossa sociedade.

Sabemos que este Seminário não tratará desta questão, mas se o cipó e a folha se extinguissem ou o Daime viesse a ser proibido por vias legais, os trabalhos do Mestre Daniel continuariam a existir em sua plenitude, com os ensinamento da doutrina cristã contidas em seu Hinário e o atendimento a todos que nos procuram em busca de assistência para os seus males físicos e espirituais.

Represento aqui a casa fundada pelo Mestre Daniel em 1945, e nela, como já disse, preservamos a tradição que ele nos deixou. Somos o segundo centro mais antigo, com experiências de uso com o Daime. No entanto, em nenhum momento fomos consultados ou convidados a dar opinião ou idéia sobre a preparação desse Seminário, que pretende escolher membros de uma comissão, para discutir o sistema de moral que envolve o uso do Daime. Tema que ninguém conhece melhor do que homens e mulheres dos centros originários: Alto Santo, UDV e nós.

Não sabemos de quem os senhores do CONAD receberam consultoria. Pelo visto, foi de pessoas que não conhecem a nossa realidade, a nossa história, desconhecem a nossa tradição e o valor do uso ritual dessa bebida, desconhecem muito mais o processo de proliferação de grupos que surgiram a partir dos centros raízes, que utilizam o Daime, que é uma das expressões mais fortes da cultura do Acre ao longo dos últimos 80 anos.

Desprezaram também um longo trabalho que fizemos em torno da carta de princípios, contribuição essa organizada, por quem a mais de 30 anos se dedica ao estudo do fenômeno Ayahuasca, Profº Clodomir Monteiro da Silva, que tem transito livre nas mais importantes lideranças do Daime e do Vegetal.

Desprezaram ainda o Mestre Juarez Xavier, dirigente do terceiro Centro com registro mais antigo na cidade de Rio Branco, que até a data de ontem, às 10:30 da manhã, não tinha conhecimento e não foi se quer convidado a participar deste seminário.

E os organizadores do Seminário, sem nos consultarem, decidiram que
seria bom que disputássemos as poucas vagas entre nós, chamados da mesma linha. Somos Centros independentes, fundados por pessoas diferentes. Assim como o Mestre Raimundo Irineu Serra fundou apenas o Centro de Iluminação Cristã Luz Universal – Alto Santo, o Mestre Gabriel fundou a União do Vegetal, historicamente o Mestre Daniel fundou apenas o Centro Espírita e Culto de Oração "Casa de Jesus-Fonte de Luz".

Quando Mestre Daniel desencarnou, em 1958, ele morava no terreno do
nosso centro e havia iniciado a construção em alvenaria, da sede que ainda hoje existe e que foi apenas ampliada ao longo desses quase 48 anos de sua passagem.

Nós não vamos concorrer com alguns centros com os quais mantemos um bom relacionamento (Chica Gabriel, Antônio Geraldo, Juarez Xavier) e outros tantos, por entender que esta forma de escolha despreza a tradição dos centros raízes: Alto Santo, UDV e nós, do Centro Espírita e Culto de Oração "Casa de Jesus-Fonte de Luz".

Embora mantenhamos uma relação amistosa com Antonio Geraldo Filho, dona Chica Gabriel e Juarez Xavier, não somos responsáveis uns pelos outros, muito menos sobre outros centros que surgiram recentemente, que sequer sabem algo sobre o Mestre Daniel e comercializam seus hinos na internet e usam o seu nome indevidamente.

Por isso, tomamos a providência de legitimar a autoria dos hinos em seu nome e o registro dos Direitos Autorais em nome da casa que ele criou, o Centro Espírita e Culto de Oração "Casa de Jesus-Fonte de Luz".

As obras de Mestre Daniel, que praticamos em nosso Centro, é anterior aos estudos realizados pelos cientistas e pesquisadores e a legitimidade dos resultados são comprovados nesses 60 anos. Temos experiências e o conhecimento para ser compartilhado, quando formos requisitados, o que não aconteceu, pois somos um dos centros construtores dessa história religiosa.

Oponho-me aos critérios de escolha dos representantes dos centros
religiosos usuários da Ayahuasca, determinado pelos organizadores desse Seminário e não colocarei o meu nome para concorrer a uma vaga, pelo fato de terem desconsiderado a experiência dos centros raízes (UDV, Alto Santo e nós), e por não querer representar pessoas ou grupos que nunca tiveram contato com a casa de Daniel.

Portanto, não quero representar e nem ser representado por nenhum outro grupo definido pela comissão deste Seminário como sendo da "linha do Mestre Daniel". Represento e só posso falar dos trabalhos realizados na casa que ele fundou em 1945.

Este manifesto foi elaborado a partir de uma decisão uniforme e consensual, dos centros oriundos da vertente de trabalho fundado pelo Mestre Daniel Pereira de Mattos.

São essas as nossas considerações para os coordenadores deste evento, as autoridades aqui presentes e todos os participantes deste Seminário.


Francisco Hipólito de Araújo Neto
Presidente do Centro Espírita e Culto de Oração "Casa de Jesus-Fonte de Luz"

Francisca Campos do Nascimento
Presidente do Centro Espírita Obras de Caridade Príncipe Espadarte

Antônio Geraldo da Silva Filho
Presidente do Centro Espírita Daniel Pereira de Matos

Juarez Martins Xavier
Presidente do Centro Espírita Luz, Amor e Caridade

José do Carmo Ferreira Lima
Presidente do Centro Espírita de Obras e Caridade Nossa Senhora Aparecida

Antônio Inácio da Conceição Andrade
Presidente do Centro Espírita Santo Inácio de Loyola

terça-feira, 7 de março de 2006

CONHEÇO CHICO ARAÚJO

Por Fátima Almeida (*)

Chico Araújo [clique aqui para saber a respeito de Francisco Hipólito de Araújo Neto, dirigente do Centro Espírita e Culto de Oração Casa de Jesus Fonte de Luz] é um bastião de decência, dignidade, honestidade, responsabilidade e compromisso com sua missão espiritual. Conheço-o desde quando era um menino e a toda sua família, que é gente de bem.

Devemos defendê-lo no seu direito de resguardar-se dessas práticas propagandísticas como a que foi feita recentemente pelo Fantástico, cujas reportagens não foram informativas e sim sensacionalistas.

Quando se referiram a Daniel Pereira de Matos, por exemplo, propagaram, na voz de Pedro Bial, que ele recebeu a doutrina após uma noite de bebedeira com cachaça, deturpando os fatos de forma irreponsável.

A Rede Globo é comprometida com o grande capital, da indústria automobilística, da indústria de medicamentos e de outras que estão dando sua grande contribuição para a destruição do meio ambiente, para estimular o consumismo e aumentar os lucros dos patrões.

Por sua vez, a vida acadêmica, com as titulações de mestres, doutores, pós doutores etc não significa, necessariamente, reserva ética e moral.

As comunidades do Daime devem ser resguardadas em seu direito de existir de acordo com as regras instituídas pelo corpo doutrinário e concepções de seus dirigentes e acabou. Seus dirigentes devem ser os gestores desse processo e mais ninguem.

O Ministério da Cultura deve, no mínimo, respeitar isso, pois o Daime é um bem cultural exclusivo do Acre.

E o Ministério Público deve estar atento para esses fatos recentes, protegendo os direitos das nossas comunidades e não permitindo que lhes seja tirado das mãos as suas prerrogativas, quais sejam: sua capacidade de auto-gestão, de estabelecer suas diretrizes, de deliberar sobre quaisquer assuntos que lhes digam respeito.

Compete a todos os dirigentes, de acordo com suas semelhanças e diferenças de princípios e/ou de propósitos, o exercício democrático, o respeito mútuo e a tolerância para se chegar a resultados profícuos e benéficos para todos.

(*) Fátima Almeida é historiadora e escritora acreana

VEKUSHAKI

Como amanheci mais velho, concedo-me o direito de imitar meu nobre amigo Toinho Alves, que está sempre muito ocupado consigo: estou aqui de passagem, com trabalhos pendentes, liberei alguns comentários e omiti umas tantas respostas.

Estou realmente sem pressa após a cerimônia do vekushaki com a qual as pajés Raimunda Putani e Kátia Hushahu presentearam-me na alvorada. Não creio que possa existir uma terra tão abençoada quanto o Acre e seu povo, com seus incensos, cantos, palavras e alta magia.

O primeiro efeito do vekushaki foi o reaparecimento da velha amiga Francis Mary, a poetisa Bruxinha, que vive em Brasília. Até deu tempo trocarmos as seguinte mensagens:

- Altino, estou adorando seu blog. Bem acreano e universal. Saudades do Chico Pop. Ando espalhando a poesia acreana nos saraus e bares de Brasília. Logo, envio umas novas para você. Ainda vou passar mais dois anos aqui. Mas em junho vou por aí. Um beijo na Kátia e na família. Beijão. Bruxinha.

- Bruxinha, há quanto tempo, hein? Sua mensagem está sendo interpretada por mim como o "parabéns pra você", pois estou fazendo 43 aninhos hoje. Nem pude comparecer ao enterro de nosso amigo Chico Pop, pois fiquei sabendo da viagem dele apenas no final da tarde. Passar mais dois anos aí é tempo demais, mas sei que você sabe lidar bem com Brasilía. Então fica marcado a gente se encontrar em junho, ao pé de uma fogueirona de lenha. Mas não demore mais de um dia para enviar os poemas ao blog.

- Altino, que legal - coisas do astral. Desejo que, cada vez mais, você seja essa pessoa maravilhosa que é, sempre na luz dos seus mestres, que ensinam o amor e a humildade. Assim, filho da Rainha da Floresta, carregando seu cabedal, como uma laranjeira carregada de laranjas boas. Que a felicidade povoe cada momento de seu viver. Imprimi a matéria com as pajés e sobre a ayahuasca. Já que estou longe, essas informações me servem como fonte de inspiração e felicidade por ver que somos uma tribo mágica. Com carinho. Bruxinha.

Dêem-me licença que vou voltar para seguir a dieta que terei que cumprir durante o dia: centrar mais em mim, não comer doce, abstinência sexual, evitar burburinho e não contar piada.

É um "previlégio" ser acreano.

Edna Yawanawá: Poxa Altino, meus parabens, que esse dia possa ser cheio de surpresas pra vc, que a bencao de nossoas pajes seja como a bencao de Deus em sua vida, pra te iluminar e te mostrar novos caminhos. Parabens, hoje e dia de voce pensar em voce, fazer uma reflexao do bem, de sua familia e principalmente que voce esta aqui com uma missao. Nao escute burburios, nao aceite insultos, ouca musica instrumental indigena, veja a floresta, tome banho em agua limpa e pense que voce e livre e sempre sera. Sua inteligencia nao te foi te dada de qualquer jeito. Infelizmente existem invejas, ambicoes, coisas de gente ruim que so deseja o mal aos outros, voce procure ser justo, amigo, fiel, leal aos seus principios e nunca fuja da verdade, encare a realidade. Voce vive num mundo, num Estade e numa cidade multicultural, saiba amar isso, conhecendo de verdade quem somos, qual e nossa historia, publique a paz, a novidade, o alegre, a saudade, o amor, a amizade, quando preciso, publique guerra sem medo, desafios, e busque depois a solucao...publique o diferente, o que ninguem nunca viu ou ouviu...surpreenda com sua magia de ir onde ninguem mais vai, nao copie, seja sempre novo, autentico, busque a verdade, so a verdade. Nao acredite, quem cala nao consente, apenas evita a guerra. Nao responda, sofra o dano de ser bom,otimo e invejado no que faz. Com todo carinho Edna Yawanawa

domingo, 5 de março de 2006

QUINTAL TRIBAL

Hoje foi dia de festa na minha casa. Dia de perambular no quintal, de armar rede e de fazer fogueira para moquear tambaqui. Dia de preparar um monte de tabaco para fumar e cheirar rapé. Dia de tocar flauta, de cantar, de tirar fotos. Dia de olhar nos olhos, de abraçar, de sentir. Dia de falar e de ouvir. Dia de receber meus amigos da etnia yawanawá Joaquim Tashka e Laura Soriano, as pajés Raimunda Putani e Kátia Hushahu, o antropólogo Txai Terri Vale de Aquino, além de Yawatxini, Kenemani e Débora Keneuma. Dia de celebrar a paz, o amor e a amizade. Hoje foi dia de reunir a tribo.



Joaquim, Kenemani e Yawatxini













Kátia Hushahu













Débora Keneuma e Kátia Jaccoud













Kátia Hushahu tomando rapé













Raimunda Putani













Raimunda Putani, Kátia Hushahu e Débora Keneuma












Débora Keneuma, Raimunda Putani, Laura Soriano e Kátia Hushahu












Laura Soriano e Raimunda Putani

sábado, 4 de março de 2006

AS PAJÉS YAWANAWÁ

Seguramente vivi hoje um dos dias mais felizes de minha vida ao passar a tarde com as índias Raimunda Putani e Kátia Hushahu, da etnia yawanawá, que se tornaram pajés de seu povo após um ano e dois meses de rigorosa dieta.

Após a proeza delas, a palavra pajé deixa de ser substantivo exclusivo do gênero masculino. Raimunda Putani está entre as cinco mulheres premiadas pelo Senado na quinta edição do Diploma Mulher-Cidadã Bertha Lutz.

Encontrei-as na casa do líder indígena Joaquim Tashka Yawanawá, tão logo elas desembarcaram de uma viagem de avião de Tarauacá para Rio Branco. Em breve viajam para Brasília para a solenidade do prêmio. Ambas estão há um ano e dois meses em abstinência sexual e sem beber água.

Não pareciam cansadas, tocaram flautas de bambu, cantaram e tomamos bastante o rapé que preparei com um tabaco especial adquirido por mim no Juruá. Em todo esse tempo de dieta, Raimunda e Kátia têm se alimentado de banana, macaxeira, peixes miúdos, ayahuasca, rapé e da força sagrada do Rare.

Elas apareceram na mídia a primeira vez neste modesto blog, em novembro do ano passado, quando Laura Soriano relatou que as duas mulheres se mostraram mais corajosas que os homens da tribo ao prestar juramento ao Rare, a planta sagrada do povo yawanawá. Foram indicadas ao prêmio Bertha Lutz pelo senador acreano Tião Viana (PT) e concorreram com 54 mulheres brasileiras.

Pessoas como Kátia Hushahu e Raimunda Putani não foram convidadas e nem terão voz no Seminário Ayahuasca, organizado pelo Conselho Nacional Antidrogas sob a influência do Cefluris.

Leia a entrevista a seguir.

UMA LIÇÃO DE SÁBIA HUMILDADE

Qual é a mensagem do uni (ayahuasca), de Deus, para nós nesse começo de milênio?
Raimunda: O uni é a porta do conhecimento. A gente bebe ele para obter o aprendizado, para abrir a nossa mente. A gente busca ele com força, seriedade e pureza e ele também nos mostra a porta, nos traz a luz. A mensagem ele nos envia é para que todos nós possamos viver em paz, mais desligados das coisas materiais e buscando mais o conhecimento. Olharmos em nossos corações e abrirmos os nossos pensamentos. Olharmos para Ele com outros olhos, com outro coração, o espiritual. Se a gente abrir ele verdadeiramente, ele também nos traz a verdadeira pureza e transparência no nosso pensamento.

Qual foi o momento mais difícil que você viveu?
Raimunda: Foi viver isolamente. Ficamos um ano, precisamente nove meses, apenas na companhia do meu pai e do pajé Tata. A gente começou tomar rapé e ele me dava muito porre. Uma vez cheguei a cair, a desmaiar mesmo. A pressão dele dá muita sede, causa falta de fôlego, corpo adormece completamente e o coração fica a mil por hora. A gente não podia tomar água.

Quanto tempo vocês ficaram sem tomar água?
Raimunda: Até o momento a gente não toma água. Agora começamos a tomar água com limão. Tem que ser algo azedo, que não contenha doce. Isso é para que nossas palavras e nossas mãos fiquem sempre com poder. O doce corta o poder. É como se algo estivesse pegando fogo e alguém jogasse água. O fogo apaga. Dessa forma, o nosso pensamento, a nossa palavra, têm poder, pra o que a gente fale aconteça.

E como foi passar pela prova da cobra?
Raimunda: Logo após dois meses da dieta, quando mexemos com a planta sagrada, o Rare, meu pai trouxe a jibóia e nós tomamos o cuspe dela. Tomamos o cuspe e o conhecimento dela. A gente não sentiu medo.

Quando decidiram ser pajés, como a tribo reagiu?
Raimunda: Não existe na história do nosso povo que uma mulher tenha mexido na planta sagrada, o Rare. Nunca nenhuma mulher foi à luta para ser pajé. Quem sempre era pajé eram os homens. A mulher é sempre a dona de casa, faz a caiçuma, cria os filhos, está sempre do lado do esposo. Pra gente ir para essa outra parte da nossa cultura, do nosso conhecimento, foi tipo quebrar um tabu. Por isso que levamos ao pé da letra o cumprimento da dieta. Muitos, quando fomos fazer a dieta, disseram que nós não aguentaríamos com o argumento de que mulheres têm muito desejos. Está com um ano e dois meses que não temos relação com homem.

Vocês duas são solteiras?
Raimunda: A Kátia é casada.

O marido reclamou? Ele compreende?
Kátia: Ele compreende, sim. Antes de tomar a decisão de entrar na dieta a gente já tinha conversado. O que eu coloquei é que eu queria aprender, buscar o que ficou para trás, a nossa cultura, o que pertence ao nosso povo. Eu não poderia deixar de fazer a minha dieta por eu ser casada. Nem todas as vezes a gente tem a certeza de que vai viver o resto da vida com a mesma pessoa. Só Deus pode marcar qual é o nosso destino.

Vocês foram as primeiras mulheres do povo yawanawá a ter contato com o Rare, a planta sagrada. O que é o Rare? É Deus?
Kátia: O Rare é uma planta muito sagrada. A partir do momento que a gente come, a gente já planta ele dentro da gente. A partir desse momento, a gente já passa a ter o conhecimento e o poder do Rare. E o nosso espírito passa a ter o poder de curar uma doença, de fazer o que for. Podemos tocar numa pessoa e dizer para ela que vai ficar boa ou que já está boa. As nossas palavras são muito sagradas. Ele é uma planta, mas é espírito. Ele também tem uma mulher. Sempre é uma mulher tanto nele quanto na jibóia. Nos nossos sonhos é sempre uma mulher que traz o conhecimento. Ele é muito poderoso. A gente não pode passar perto dele falando alguma coisa. Tem que passar devagar, de cabeça baixa. Se acontecer de tocar, tem que passar dois meses fazendo a mesma dieta que nós estamos fazendo. Ele, para nós, é como se fosse Deus. Acreditamos no que fazemos, no que sai da nossa boca. Até ao pensarmos em alguma coisa, a gente já fez, já aconteceu. Basta a gente pensar com o coração. Ele também previne o que vai acontecer. Se uma pessoa chegar com pressentimento ruim, o nosso corpo já sente. Quem rebate isso aí é o rapé e o uni.

Raimunda: Nós não somos dignos de falar o nome do Rare. O nosso conhecimento não tem fim. Nós somos umas crianças. Pisamos no primeiro degrau. Quem é digno de falar dele são os nossos velhos, os nossos pajés. Nós somos crianças. Estamos numa escola. Não somos dignas de falar dele porque ele é muito grande. Ele é um espírito. O divino o deixou na terra para ele poder nos guiar, para poder olhar para ele e pedir que ele nos livre das doenças e dos pensamentos ruins. Chegamos aos pés dele e pedimos, suplicamos: "Me dá isso, me livra disso". Quando a gente come da planta e vai para o nosso destino, a gente planta ele dentro do pensamento e dentro do coração. E quando a gente planta ele dentro da gente, a gente não é mais uma pessoa vazia. A gente é uma pessoa que já tem uma luz. Ele não é dado para qualquer pessoa porque ele tem poder. O Rare tem o lado bom e lado ruim. Nós estamos usando o lado bom. O conhecimento dele é tão grande que não existe fronteira. A prova disso é quando o nosso irmão Joaquim e a Laura disseram que nosso nome tinha sido lançado ao prêmio. Então a gente foi ao Rare e comeu e dissemos que o nawá, o branco, estava falando do nome dele através de nós. Então dissemos que queríamos levar o nome dele, a mensagem dele e pedimos para nos clareiar. Se for pra gente levar a mensagem divina, a luz, a gente vai chegar lá, porque sabemos que teu conhecimento não tem fronteira. Não tem nada impossível. Então mostra! E pedimos para quebrantar o coração de quem estava chamando, de quem está falando do teu nome e faz a gente ir lá, para levar a tua mensagem, para saber que você tem poder e tem palavra aqui na Terra, que você tem luz e que sua luz é boa. Não deixe que essa sua luz fique só com a gente, mas que a gente possa levar para os nossos parentes brancos, que eles também precisam da luz. É divino você? Então nos leve lá. E é por isso que a gente está aqui. Fomos enviadas pelo Rare para trazer a mensagem dele. Ele é muito grande.

Como você reagiu à notícia do prêmio?
Raimunda: Na verdade quem está recebendo o prêmio é o povo yawanawá. Somos duas mensageiras. Viemos trazer a mensagem não apenas do nosso povo, mas de todo os povos indígenas. para nós foi motivo de muita alegria, de muito respeito. O nosso povo agradece por vocês olharem pra gente com respeito, pois somos humanos, que temos pensamentos, corações, as coisas boas. Isso mostra que somos filhos do mesmo criador. Na verdade nós somos todos irmãos. Existe apenas a diferença física dos olhos, da cor, mas na verdade no coração e no pensamento somos iguais. Quando a gente vai para outra dimensão, vamos no mesmo caminho e lá vamos nos encontrar da mesma forma.

Algo mais a acrescentar?
Raimunda: Quero lembrar do Biraci, do Fernando Luiz, do Luizinho, do Aldaísio. Nós todos nos unimos para poder pisar por cima das coisas ruins, para a gente poder mostrar essa luz divina que todo o mundo almeja. Eles também estão na luta. Estão lá na mata, tomando ayahuasca e rapé e pedindo por nós. Agradecer também ao Rare por todos vocês.

Kátia: Esquecemos de um detalhe: para chegar aonde chegamos carregamos muita humildade em nossos corações. Acho que é um exemplo que podemos dar pro mundo, pro brasil, deixando a mensagem de que tudo a gente consegue com sofrimento e humildade em nossos corações. E que isso é necessário para o engrandecimento do espírito. E também queremos pedir para trazer em nossos pensamentos coisas boas para o mundo. Quando estamos lá no mato, nós sopramos para cima, para o céu, para o sol que ilumina o mundo inteiro, e pedimos paz para esse mundo que é de muita violência e sofrimento.

Raimunda: a gente agradece ao nosso Criador e aos nossos velhos, o pajé, meu pai, o Raimundo Luiz, que é uma grande pessoa que está nos ajudando a subir nessa escada. Uma pessoa muito grande também para a gente é o nosso irmão Joaquim e a Laura. Eles nos encorajaram muito. Por ter vivido um tempo fora, ele nos disse que mulher também pode ser pajé. Nos inspiramos muito na Laura, que é uma mulher muito corajosa e que luta ao lado do Joaquim, trabalhando. Ela é amiga, cunhada, mãe, companheira. A gente também tem outra mãe que é a nossa irmã Mariazinha. São pessoas que ajudaram muito a gente. Nós estamos lá no fim da mata, comendo nosso peixinho, nossa bananinha e tem vocês que pensam na gente, que respeita a gente. Agradeço a voces. Agradeço a você que conhecíamos apenas pelo computador. A gente via você e diziam: esse aqui é amigo da gente, que publica. É bom que tem vocês aqui, que respeitam o que a gente faz. Seria muito duro a gente passar e não valorizar. Obrigado a você por nos ajudar e ser uma pessoa iluminada por Deus.

P.S.: Embora o servidor não esteja num de seus melhores dias, recomendo que assista (abaixo) os vídeos de meu encontro com Kátia Hushahu e Raimunda Putani. No primeiro está a entrevista e no segundo o instrumental de uma canção yawanawá. Quem estiver com paciência, clica em play e depois em pause e aguarda carregar o status do vídeo. Ao voltar a clicar em play, o vídeo será exibido sem interrupção. Vale o esforço para conferir as mensagens dessas duas mulheres sábias.

KÁTIA E RAIMUNDA


AYAHUASCA GERA CONFLITO

O líder religioso Francisco Hipólito de Araújo Neto relata a pressão que sofreu de Luiz Petry, da editoria do Fantástico, e da antropóloga Bia Labate, consultora do Conselho Nacional Antidrogas e da Rede Globo

O Seminário Ayahuasca, organizado pelo Conselho Nacional Antidrogas (Conad) para acontecer em Rio Branco na próxima semana, deverá reunir muita gente do Brasil e do exterior, mas dá sinais de que será um fracasso no seu objetivo de realizar uma ampla consulta para a indicação de seis representantes dos grupos religiosos usuários da bebida.


Os nomes escolhidos serão submetidos ao Conad com vistas à composição do Grupo Multidisciplinar de Trabalho (GMT), que se encarregará de discutir diferentes aspectos relacionados ao uso da ayhauasca no Brasil. O grupo será composto por seis especialistas indicados pelo Conad e seis representantes dos grupos religiosos.

Vários centros já questionam os critérios da organização do seminário. Para realizar o evento, o Conad contou com dois consultores que frequentavam o Cefluris - a organização que é repudiada pela maioria dos centros originais usuários de ayahuasca por causa do comércio da bebida e uso de maconha e outras drogas em seus rituais.

Os dois consultores são os antropólogos Bia Labate e Edward MacRae, que exerceram forte influência na definição dos critérios de representatividade em benefício do Cefluris. Os dois também são encarados com reserva por defenderem abertamente a liberação das drogas no país.

Edward MacRae é professor adjunto de antropolgia da Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Federal da Bahia, além de pesquisador associado do Centro de Estudos e Terapia do Abuso de Drogas. Bia Labate (Beatriz Caiuby Labate) é mestre em antropologia social pela Unicamp e doutoranda em antropologia social pela mesma universidade.

Este blog vai acompanhar o Seminário Ayahuasca nos dias 8 e 9 de março. E começa a prestar sua contribuição ao debate ao publicar a carta enviada pelo dirigente do Centro Espírita e Culto de Oração Casa de Jesus Fonte de Luz, Francisco Hipólito de Araújo Neto, ao advogado Edson Lodi, da direção nacional da UDV (União do Vegetal), outra entidade usuária de ayahuasca, cujos membros a denominam hoasca.

Hipólito revela a pressão que sofreu de uma equipe do Fantástico, da Rede Globo, denuncia a tentativa de Bia Labate de comprar ayahuasca e questiona o fato de a antropóloga vir a figurar entre os especialistas indicados pelo Conad após tentar chantageá-lo.

A série de reportagens do Fantástico sobre o uso da ayhuasca fez parte de uma estratégia dos comunicadores do Cefluris para divulgar seus benefícios e influenciar positivamente as autoridades do governo brasileiro que integram o Conad.

O Cefluris, que tem enfrentado problemas com a justiça dentro e fora do país, anda muito empenhado na defesa da regulamentação definitiva do uso da ayhuasca, pois sua política consiste em estimular a formação de centros no Brasil e no exterior.

Os centros originais nunca enfrentaram problemas com as autoridades por causa do uso da ayahuasca. A situação começou a preocupar a opinião pública a partir da expansão que o Cefluris fez da bebida. É paradoxal que nos EUA e na Europa haja um movimento para liberar o uso da ayahuasca, enquanto no Brasil, onde seu uso sempre foi liberado, haja um movimento para regulamentá-lo.

O Cefluris vê na possibilidade da regulamentação a oportunidade de mencionar o Brasil como um paradigma capaz de influenciar outros países a aceitarem a exportação da ayahuasca para os centros que possui no exterior. O comércio da ayahuasca se torna a cada dia numa fonte muito lucrativa, bem como o turismo religioso que é promovido pelo Cenfluris.

- Sem dúvida este será um passo importante para a consolidação do nosso trabalho, na medida que, em última instância, a regulamentação do sacramento em nosso pais é a base para complementar o processo de legalização do seu uso religioso nos outros paises onde isso vem sendo solicitado - afirma o site da organização.

O Seminário Ayahuasca está desagradando até aos povos indígenas do Acre, que são usuários imemoriais da bebida. Nenhum pajé foi convidado para o evento. Eis a carta de Francisco Hipólito de Araújo Neto, que também foi enviada ao Conad e ao Ministério Público Federal:


"Prezado Amigo, Edson Lodi.

Gostaria de compartilhar com você alguns desagradáveis acontecimentos que vivenciamos no último dia 20 de junho [de 2005] em nosso Centro:

Ano passado recebi a visita da [antropóloga] Bia Labate, na oportunidade ela me informou que o Fantástico [da Rede Globo] estava com o projeto de uma série de reportagens sobre as religiões brasileiras, e da série, a primeira reportagem seria sobre o Daime, indo ao ar a partir de setembro a dezembro de 2005. Disse-me que estaria assessorando as reportagens e que essas seriam elaboradas pelo jornalista do Fantástico, o Sr. Luiz Petry [editor do Fantástico], membro do CEFLURIS [Centro Ecléctico da Fluente Luz Universal Raimundo Irineu Serra].

Muito bem, falou que iniciaria os contatos com a direção da UVD [União do Vegetal] e do Alto Santo e gostaria que nós participássemos da reportagem. Eu lhe disse que se nós, a UDV e o Alto Santo, combinássemos em conjunto, conversando, e se fosse do nosso interesse, talvez fosse possível a nossa participação.

Mas fiz questão de esquecer do assunto. Já neste ano, ela me enviou vários e-mails e telefonemas insistindo quanto a matéria e eu lhe disse que não tínhamos interesse. Ela insistiu dizendo que já havia entrevistado pessoas da UDV e que seria bom que nós participássemos. E tentou agendar uma gravação dos nossos trabalhos para as festas juninas. Recusei novamente.

Por último, eu nem lhe respondia os e-mails. Além disso, ela me convidou a participar de alguns eventos, mesas redondas ou conferências a nível nacional, eu recusei a todos, outros não dei respostas, pois não me interessava essa participação.

E mais: durante esse tempo, ela me fez uma proposta por telefone que eu considero indecorosa, e por isso eu resolvi silenciar de vez, esperando que ela nos esquecesse: ela me confessou que comprava Daime de um rapaz de Rondônia, mas que se era para ela dar dinheiro para outro, ela preferia nos ajudar comprando de nós, e pediu que eu lhe vendesse 20 litros de Daime por R$ 300,00, recusei e cortei relação.

Tenho minhas reservas ainda quanto a sua aberta postura anti-proibicionista contra as drogas, no site http:www.neip.info. É defensora do uso de drogas, coisa que nós não adotamos em nossas práticas religiosas.

E assim, ela nos informou que chegaria em Rio Branco com a equipe do Fantástico (Sr. Petry). Recusei novamente a sua proposta, dizendo que até poderia conversar com a equipe, mas não permitiria filmagens.

Expliquei a ela que não tínhamos orientação espiritual para filmar e que sair no Fantástico não acrescentaria em nada os trabalhos deixados pelo Mestre Daniel Pereira de Matto, que ele nunca buscou divulgar, aparecer, e essa continuava a ser a nossa prática. Nós não precisávamos nos divulgar, aparecer, entrar em evidência, pois o público maior dos nossos trabalhos eram as almas, assim como no tempo do Mestre Daniel.

Ela propôs então que nós conversássemos no dia 19 de junho. Como eu tinha um compromisso mais importante, remarquei para as 9 horas do dia 20, mas lhe avisei, e pedi que não queria filmagens.

No dia 20, às 9:30, eles chegaram: Bia Labate, Luiz Petry e dois câmeras, e já com a câmera debaixo do braço filmando, pedi que eles desligassem.

Conversamos das 9h30 até às 12 horas, na varanda da minha casa. Passei quase três horas explicando porque não nos interessava sair no Fantástico, repetindo que em nada acrescentaria os trabalhos do Mestre Daniel e que não tínhamos autorização espiritual para permitir a reportagem.

A Bia falou que eles estavam tratando de questões do mundo real e eu de questões espirituais. Eu lhe disse que para mim o mundo espiritual também era o mundo real.

Em seguida fui mostrar a igreja e tudo que havia nela, pois não tínhamos nada a esconder deles, nem pra ninguém. Mostrei tudo. Quando chegamos no túmulo do meu pai, o Petry me implorou que eu deixasse filmar. Eu lhe disse que não gostava de ser bajulado, que eu não era Deus pra ser implorado, pois já havia explicado o porque de não permitir as filmagens. Ele virou para mim e perguntou qual era o meu problema, se o meu problema era dinheiro. Eu lhe disse que a questão era de consciência e não de dinheiro, que eu tinha uma orientação, que eu deveria seguir. Mas não me abati com a proposta, pois sei que a Globo é uma empresa e tudo eles fazem para conseguir as matérias, até, e, principalmente, pagar por elas.

O que me admirou foi à postura da Bia Labate. Ainda no túmulo me disse:

- Você sabia que eu tenho nas mãos um projeto de vocês para dá um parecer?

Eu não entendi de início o que ela estava querendo dizer, fiquei alegre, e respondi:

- Que bom! Fique à vontade para dar o seu parecer.

Só para você entender melhor. No início do ano, nós apresentamos um projeto para o edital da Petrobrás Cultural, buscando viabilizar uma pesquisa no Maranhão sobre a vida do Mestre Daniel. Os projetos enviados são avaliados por uma comissão com representantes do Ministério da Cultura. Quem financia é a Petrobrás, mas o responsável pela aprovação é o Ministério da Cultura.

Nós enviamos o projeto e não comentamos com ninguém, ficamos no aguardo do resultado previsto para o final de junho. Para nossa surpresa, nesse mesmo dia 20 a Bia nos disse que havia sido convidada para dá um parecer sobre o nosso projeto.

Depois de mostrar toda igreja, fomos para a Casa de Memória e foi lá que a coisa ficou feia. Depois do Petry ver todo acervo que nós temos, toda a nossa história, documentos, fotografias, ele novamente me implorou e me cercou junto com a Bia e os dois câmeras, me pressionando e, alterados, elevaram a voz, me acusando de impedir a liberdade de imprensa. Eu lhes disse que enquanto eu tivesse o direito de não permitir as gravações eu usaria desse direito que me era devido.

Disseram que o Brasil tinha o direito de ver o que nós tínhamos e nós ficávamos escondendo. Eu respondi que não escondíamos nada, pois eu estava aqui mostrando tudo para eles e todos os dias pessoas do Brasil e de outros países nos procuravam para conhecer os nossos trabalhos e a nossa história e nós estávamos sempre de portas abertas para mostrar, como eu estava fazendo naquele momento para eles, mas que o Fantástico não nos interessava em nada.

E aí a Bia Labate novamente olhou para mim e disse, em tom cínico e irônico:

- Você sabia, Francisco, que eu tenho nas minhas mãos um projeto de vocês para dá um parecer?

Foi aí que eu entendi que ela estava me chantageando, que se eu abrisse para as filmagens, ela daria um parecer favorável. Eu respondi com toda tranqüilidade:

- Fique absolutamente à vontade, Bia, para dar o parecer que você quiser.

Mas eles fizeram mesmo assim algumas filmagens, de câmera ligada embaixo do braço, de forma roubada e escondida.

Segundo a própria Bia, eles tentaram ainda filmar o Alto Santo. A dona Chica Gabriel também recusou através de sua assessora jurídica. Nós, a dona Peregrina Gomes Serra e dona Chica não chegamos nem a conversar sobre o assunto, mas tomamos a mesma postura de recusar as filmagens.

Eles conseguiram filmar um trabalho no Antônio Geraldo dia 18/06 e no Luís Mendes, dia 23 foram para o Mapiá, dia 28 filmaram novamente no Antônio Geraldo e hoje dia 29 no seu Juarez.

Portanto, não considero legítimo que ela nos represente frente ao Conselho Nacional Antidrogas (Conad). Não me sinto à vontade, sabendo que ela fará parte da comissão que escolherá as entidades que irão compor o grupo de trabalho, principalmente porque ela me deu provas de que não nos respeita, não respeitou as orientações que nós seguimos, nos agrediu juntamente com a equipe do Fantástico e ainda usou da chantagem para comigo e ainda me fez proposta de compra de Daime por telefone.

Foi isso meu amigo o que aconteceu. Acho necessário que possamos conversar mais a respeito e esse assunto seja levado às autoridades competentes para brecar a participação de quem não tem o mínimo de respeito com o nosso sacramento, no caso, a Bia.

Um grande abraço,

Francisco Araújo"


CONHEÇO CHICO ARAÚJO

Por Fátima Almeida (*)

Chico Araújo é um bastião de decência, dignidade,honestidade, responsabilidade e compromisso com sua missão espiritual. Conheço-o desde quando era um menino e a toda sua família que é gente de bem.

Devemos defendê-lo no seu direito de resguardar-se dessas práticas propagandísticas como a que foi feita recentemente pelo Fantástico, cujas reportagens não foram informativas e sim sensacionalistas.

Quando se referiram a Daniel Pereira de Matos, por exemplo, propagaram, na voz de Bial, que ele recebeu a doutrina após uma noite de bebedeira com cachaça, deturpando os fatos de forma irreponsável.

A Rede Globo é comprometida com o grande capital, da indústria automobilística, da índustria de medicamentos e de outras que estão dando sua grande contribuição para a destruição do meio ambiente, para estimular o consumismo e aumentar os lucros dos patrões.

Por sua vez, a vida acadêmica, com as titulações de mestres, doutores, pós doutores etc não significa, necessariamente, reserva ética e moral.

As comunidades do Daime devem ser resguardadas em seu direito de existir de acordo com as regras instituídas pelo corpo doutrinário e concepções de seus dirigentes e acabou. Seus dirigentes devem ser os gestores desse processo e mais ninguem.

O Ministério da Cultura deve, no mínimo, respeitar isso, pois o Daime é um bem cultural exclusivo do Acre.

E o Ministério Público deve estar atento para esses fatos recentes, protegendo os direitos das nossas comunidades e não permitindo que lhes seja tirado das mãos as suas prerrogativas, quais sejam: sua capacidade de auto-gestão, de estabelecer suas diretrizes, de deliberar sobre quaisquer assuntos que lhes digam respeito.

Compete a todos os dirigentes, de acordo com suas smelhanças e diferenças de princípios e/ou de propósitos, o exercício democrático, o respeito mútuo e a tolerância para se chegar a resultados profícuos e benéficos para todos.

(*) Fátima Almeida é historiadora e escritora acreana

IMPONENTE PORTO WALTER



Por Elson Martins (*)

É a segunda cidade do alto Juruá, localizada na margem esquerda do rio a 15 horas de barco de Cruzeiro do Sul. Sua imponência está no conjunto construído pelos religiosos alemães da ordem do Divino Espírito Santo: igreja, colégio e pensionato. De longe a gente se impressiona com a arquitetura inimaginável no barranco por onde se estende a pequena cidade cravada na floresta.

Visto de perto, o conjunto dá sinais de decadência, o que se explica pela troca dos padres e irmãs endinheirados por outros, nem tanto, da ordem dos maristas. O famoso pensionato que em décadas passadas internava filhas de seringueiros que se tornariam freiras funciona agora como uma pensão ou hotel com diária de 10 reais.

A rua de frente para o rio conta com uma pracinha atraente onde se reúnem grupos de adolescentes e uma criançada alegre e faceira. É o “point”, o palco para shows., exibição de vídeos, pregação religiosa e boa conversa.

Nossa expedição armou o barraco lá para exibir dois filmes: “Auto da Compadecida”, versão cinematográfica da peça do pernambucano Ariano Suassuna; e um outro sobre a saga dos Soldados da Borracha. Agradaram a gregos e troianos.

A cidade chamou atenção da expedição pela simpatia e liberdade das crianças que enchiam a praça numa segunda-feira. Elas corriam, se juntavam em cantigas de roda e abordavam, curiosas, os visitantes: todas soltas, sem as mães vigiando de perto. Aparentemente, são rebentos de uma pequena sociedade segura e tranqüila.

A televisão com as novelas se impõem, claro, como principal atração nas primeiras horas da noite; e influem nos moldes da roupa dos adolescentes; mas não apagam (tivemos essa impressão) as histórias, os mitos, as tradições culturais da vida na floresta.

Ou seja: esse município de 6 mil habitantes (menos de 2 mil na cidade) que faz limites com o Peru, Cruzeiro do Sul, Tarauacá e Marechal Thaumaturgo, com área de 6.136 quilômetros quadrados, tem chance de se tornar sustentável.

Cobra e mapinguari
Na parte da tarde, sob um calor intenso, mantive uma prolongada conversa com alguns pioneiros do município, entre eles o seu Euclides Correa de Paiva, 62, dono de uma mercearia na pracinha Vicente Lopes. Ele falou de economia, administração, comportamento dos jovens, política, e com a ajuda de outros entrou na história do Mapinguari.

Euclides disse que sua cidade está melhorando. Reconhece avanços na educação e aponta precariedade no atendimento da saúde . A borracha acabou, diz, mas a agricultura cresce, principalmente com a produção de farinha que é comercializada em Cruzeiro do Sul.

Os antigos seringueiros estão abandonando as colocações no centro e se assentando nas redondezas da cidade. Aí abrem roçados de mandioca, milho, feijão e arroz. Alguns médios fazendeiros da região matam de 4 a 5 bois por dia, o que atende com sobra a população. Uma parte desta, porém, prefere se alimentar de peixe e carne de caça. A caça seria de subsistência, dentro da lei.

Um senhor que acompanhava a conversa fazia algum tempo, decidiu falar também. Chama-se Laire Brandão da Silva e já foi seringueiro. Demonstrou apreço pela atividade e não se fez de rogado para explicar porque a borracha não vinga mais:

- Primeiro, porque não tem preço. Segundo, porque os antigos seringueiros estão velhos e a moçada de hoje não tem coragem de cortar seringa no meio do mato, enfrentando onça e outros bichos.

Seu Laire mostrou-se intolerante com a situação que descreveu, chegando a declarar que boa parte dos jovens “não faz nada”. Foi além disso: usou de ironia afirmando que “se a gente mostrar um terçado a um deles, vai pensar que é uma cobra”.

Alguns minutos depois, ponderado, falou que os jovens da floresta não são irritados, gostam da cidade e não querem sair para outro canto.

Um terceiro personagem, Francisco Antônio Rodrigues de Moura (foto), mostrou-se corajoso ao tratar do tema que beira a pilhéria: o Mapinguari. Contou que conhece alguém que matou um filhote do bicho. Ele mesmo, enquanto caçava numa região remota na companhia de outro seringueiro, Wilson Batista, teria chegado muito próximo do animal. O bicho vinha gritando e fedendo muito.

Francisco viu os cipós retorcidos, bacabeiras grossas que o bicho dobrava com uma força descomunal, como se quisesse comer o palmito do olho da palmeira. Ele viu também o rastro redondo e medonho, indicando patas viradas para trás. Sobre o filhote abatido, acrescentou que alguns americanos que se encontravam na região foram lá ver e levaram cabelos para estudo.

A história do Mapinguari foi confirmada em outras comunidades durante a expedição e será tema de um dos textos desta série. Trata-se, no mínimo, de uma lenda amazônica inquietante.

(*) Elson Martins é jornalista acreano.

sexta-feira, 3 de março de 2006

GAROTINHO DE RUA

Antony Garotinho visitou o Acre hoje e fez declarações típicas de menino de rua:

- Vou rever a política ambiental para a Amazônia, especialmente a criação de reservas ecológicas. Dizem que tem que preservar, mas o homem está morrendo de fome. Vou construir hidrelétricas e minha meta é manter a atividade econômica com equilíbrio ambiental.

O deputado estadual Moisés Diniz (PCdoB) disse que as afirmações, por não terem vindo de um cidadão comum, não representam uma variável democrática da diversidade de idéias.

Diniz lembrou o recente alerta de cientistas ligados à ONU sobre o acelerado aquecimento do planeta, trazendo a seca, a desertificação e os furacões.

- É a opinião perigosa de um candidato a presidente da República. Isso deve alertar todos aqueles que estão vendo a voraz destruição do Planeta. Todos ainda lembram do que sofremos no ano passado. Esperamos que respeitem a decisão popular. No Acre, o povo quis esse modelo de proteção dos recursos naturais e já o aprovou pela segunda vez aqui - disse Diniz.

Pouca vezes se viu no Acre tantos "ex" como havia hoje no palanque de Garotinho. Aquela gente que anda morrendo de saudade dos tempos em que podia meter a mão impunemente na cabaça pública.

O RIO DOS MOSQUITOS



Por Elson Martins (*)

Demoramos 11 horas de Cruzeiro do Sul até a boca do Juruá-Mirim, afluente da margem esquerda do Juruá. Não que a distância seja tão longa, mas viajamos à noite, com o rio enchendo e arrastando troncos, galhos, até árvores inteiras. A visibilidade era mínima, apesar da lua cheia, e pela madrugada aparecia espessa neblina atrapalhando a navegação. Na verdade, pouca gente viaja a noite por aquelas bandas

O barco largou o porto de Cruzeiro às 21 horas de domingo, 12 de fevereiro. Às 21h15, passamos na boca do rio Moa, e, às 22h35, em frente à cidade de Rodrigues Alves. A bordo tinha 16 pessoas: além dos sete expedicionários, três tripulantes, dois técnicos de informática, dois cabos do Corpo de Bombeiros e duas cozinheiras (uma delas ficaria em Marechal Thaumaturgo no Projeto Cidadão).

Todos armaram rede sem mosquiteiro fazendo pouco caso da notícia sobre a ocorrência de malária na região. A cozinheira Francisca, entretanto, falou de cara que estava com muito medo. Ela estava certa: o estagiário do Tribunal de Justiça, Patric Armstron de Souza Sampaio, 21, que foi à Foz do Breu instalar um computador para emitir certidão de nascimento aos recém-nascidos e crianças até 12 anos (um serviço pioneiro que permite a diretores ou professores das escolas rurais para fornecer o documento), retornou em nosso barco com a velha e temida maleita.

Segunda-feira, às 8h10 da manhã atracamos no Mirim. Muita coisa tinha ficado para trás na escuridão. Acordei às 5h30 e registrei com minha câmera digital uma paisagem rara:a lua ainda não tinha sumido de todo numa margem do rio; entretanto, na outra o sol despontava com uma máscara de neblina que permitia encara-lo a olho nu. Ficou até difícil distinguir o que era sol e o que era lua.

Passamos em frente à localidade Lago Preto onde se viam casas, roçados e canoas de ribeirinhos. A arquitetura se repetiria até os altos rios com pequenas escadas de degraus roliços, uma porta de entrada e duas janelinhas “abertas para o mundo” (esta expressão bonita está na capa do site do Governo da Floresta). A comunidade Simpatia, mais à frente, confirmava o estilo de habitação.

Elefantinho
Estava no roteiro uma visita ao Juruá-Mirim com lancha voadeira (tinha duas a nossa disposição, penduradas no barco grande). Logo na boca do rio existe um posto do Ibama, arrumadinho, mas que não demora a ser levado pelo desbarrancamento do Juruá. Há três anos, durante a primeira expedição, paramos no mesmo local e tinha muito chão, ainda, a sua frente. Agora, a água lambe os barrotes.

O posto deve ter custado uma boa grana. Tem instalações de luz (portanto, também um gerador de energia), rede hidráulica com caixa d´agua, tela em todas as janelas, pátio gramado com fruteiras em volta...só que não funciona há uma pá de anos.

Em frente, na outra margem do Juruá, vive o seu Raimundo Nonato Gomes Moura, contratado pelo instituto para vigiar o posto. Ele reclamou que há dois anos não recebe seu salário. Nem vê fiscal nenhum por lá.

O lugar é muito bonito pelo que cabe à natureza. Foi palco de escaramuças entre brasileiros e peruanos antes da definição da linha de fronteira. Grandes seringalistas da época, entre os quais Francisco Melo, ajudaram a manter o domínio acreano até o Tamboriaco, no alto Mirim.

Visitamos sobre ataque pesado dos mosquitos algumas comunidades. “Aqui é a central dos mosquitos”, confirmou seu Dário Rodrigues de Souza, membro da Porongaba. Mas o que os importunava, a ele e aos moradores de Vista Alegre e No Escuro, outras duas localidades rio acima era a falta de atendimento de saúde, a precariedade das escolas (municipais) existentes e as dificuldades com transporte.

O professor José Lourival Maciel Gonçalves jogou o problema das escolas nas costas largas da prefeita de Cruzeiro do Sul, Zila Bezerra. Disse ela que disputa território com o prefeito de Porto Walter, município novo cuja jurisdição começa na margem direita do Juruá-Mirim, agravando a situação. As escolas e os postos médicos funcionavam melhor quando pertenciam a Porto Walter, dizem.

Exemplo comovente
Em Vista Alegre se comprova com a professora Rosenir Barbosa da Silva, a Rosinha, como aquela gente se empenha para que a sociedade se sustente em terra firme com amor, conhecimento, solidariedade, bravura – tantos bons sentimentos que defendem até a exaustão de suas forças. Nós a encontramos em sala de aula, com 40 alunos a quem ensina as cinco primeiras séries no mesmo espaço e ao mesmo tempo.

Ela divide o quadro (que antes era negro, agora é verde) por série e vai atendendo cada aluno como pode. Rosinha é também merendeira, servente e, quando tem algum remédio no posto anexo à escola, enfermeira. Mas o posto desde o ano 2000 não tem nada; nem médico nem remédio. É um “dormitório de morcegos”, como classificou o também professor Lourival.

Quem adoece na região procura tratamento em Porto Walter ou em Cruzeiro do Sul, mas viaja por sua conta e risco, se tiver dinheiro ou na carona de alguém que possua embarcação. O comandante Elival não deixa paciente em barranco, mas quando viaja sob contrato, transportando cargas, sua boa ação fica difícil.

Bom, o que o Estado, ou os municípios podem fazer para melhorar a vida nessas comunidades? Dar uma medalha ou um título para pessoas como Rosinha não seria o caso, se bem que ela os merece. Nem dá para confiar numa balsa de luxo que passa por lá uma única vez no ano, ainda assim ao largo.

Nós, da expedição, ficamos imaginando se o belo posto do Ibama não serviria para sediar alguma ação publica eficiente e responsável!?

(*) Elson Martins é jornalista acreano.

quinta-feira, 2 de março de 2006

JURUÁ: UM OUTRO MUNDO



Por Elson Martins (*)

Beleza e força são expressões de um rio largo e cheio como o Juruá no período das chuvas. Suas águas revoltas invadem a floresta nas várzeas, arrastando balseiro e espuma branca dos lagos e igarapés. Mas esse tom ameaçador que assusta os iniciantes é abrandado pelos variados tons verdes da vegetação das margens; e pelos barrancos limpos onde vivem comunidades ribeirinhas curiosas e solidárias. Os viajantes entristecidos pelas pressões urbanas respiram aliviados diante da paisagem. E acabam reconhecendo que é “privilégio” poder encontrar-se naquele meio.

É mesmo um privilégio subir o rio Juruá de Cruzeiro do Sul à Foz do Breu com entradas em alguns de seus afluentes. Em grupo de oito pessoas fizemos a viagem em 2003, à qual apelidamos de Expedição à Foz do Breu, e a repetimos em 2006 antes do carnaval. Nas duas ocasiões, utilizamos um barco de porte médio pilotado pelo experiente comandante Elival Pinheiro, um ser humano indispensável nessas aventuras amazônicas..

No verão o quadro é outro. O comandante Elival reduz o roteiro de seus barcos à metade colocando o ponto final em Marechal Thaumaturgo, junto à foz do rio Amônia. E olhe lá! Quem ousar ir mais acima terá que atravessar corredeiras em ubás e enfrentar as arraias do leito raso do rio, enquanto empurra as embarcações no braço com os pés fincados na lama fina.

O idealizador das expedições I e II é o desembargador e corregedor de Justiça Arquilau de Castro Melo. Nascido num seringal do Tamboriaco, nas cabeceiras do Juruá Mirim, é descendente do pioneiro Francisco Melo que lutou contra forças peruanas no início do século vinte.

Ele até chama atenção pela quantidade de parentes que encontra em toda extensão do vale, genealogia que se manifesta em solidariedade de mão dupla: os parentes emprestam barcos (voadeiras) abastecidos, freezer, peixes e farinha facilitando a vida na embarcação maior; enquanto o desembargador anota e desembaraça pequenos problemas burocráticos relacionados à sua função de jurista..


Não é comum, convenhamos, mesmo na Amazônia ver um desembargador despido do cargo indo ao encontro do homem da floresta, com o objetivo de conhece-lo melhor, de aprender com ele sobre os segredos da natureza, e depois tentar influir para que pequenas soluções esperadas pelas populações extrativistas aconteçam.

Mas isso tem explicação histórica. Arquilau cultiva identidades com o mundo dos seringais que ajudou a criar. Além de filho desse mundo, foi advogado de Wilson Pinheiro e Chico Mendes nos anos setenta e oitenta, trabalhou (a baixo soldo) para o Centro de Defesa dos Direitos Humanos, em Rio Branco, representou e defendeu centenas de famílias que expulsas das terras migraram para a capital tendo que invadir terrenos urbanos - o que atraiu para si a ira da polícia, dos agentes da Justiça e dos políticos de rabo preso com as elites locais da época. Ah, ele foi também fundador do PT!

Será que as novas gerações da floresta sabem disso?

A julgar pela conversa recente que mantive com uma petista jovem e urbana, não. Mas o assunto entrou aqui, confesso, atravessado. O que quero destacar é que viajamos Juruá acima na companhia de gente que se oferece para ajudar a construir uma sociedade sustentável no Acre. Gente que demonstra boa vontade e identidade com um povo fantástico que vive à margem do poder.

Esse povo, formado por homens, mulheres e crianças com os quais conversamos e apertamos a mão, tem histórias incríveis. É uma raça forte, temperada na relação com o meio ambiente expressa em riscos cotidianos. Na floresta, nos rios e lagos, nos barrancos escorregadios, nas nuvens que alteram a paisagem com trovões e relâmpagos., nos gritos assombrosos da escuridão da mata...o tom é de desafio, aceito e contornado. E o que sobra é extremamente belo, solidário, esperançoso.

Nas duas margens do Juruá e de seus afluentes, Tejo, Bagé, Juruá-Mirim, Amônea e Breu, para citar os principais, crescem comunidades alegres com enorme proporção de mulheres e crianças resistentes. Quando um barco como o nosso se aproxima, elas se amontoam nas janelas e barrancos. Sorriem, acenam, se oferecem para falar de seu isolado mundo, supostamente, na esperança de que os estranhos o reconheçam.

Nesta série de crônicas ou relatos que pretendo escrever aqui sobre a recente viagem que fizemos à região, tentarei sugerir aos que planejam ações públicas para os povos da floresta que se aproximem mais deles, de verdade, para enxergar melhor seus anseios. Do contato breve que tivemos, saímos com a impressão de que esses anseios parecem pequenos para quem tem o dever de atende-los; mas, de valor imensurável para quem os coloca com uma crença humana quase ingênua.

Ao governo e seus técnicos, aos políticos, aos intelectuais, aos acadêmicos em começo, meio e fim de carreira recomendo:

- Peguem um batelão em Cruzeiro do Sul e subam o rio Juruá. Esqueçam o Jornal Nacional, as manchetes do eixo São Paulo-Rio Brasília e também a mídia local, quando esta parecer descomprometida e rancorosa. Passem uns 10 dias escalando barrancos para fazer correta leitura de rostos desarmados e limpos. Façam anotações e planejem a partir do que vêem e ouvem. Sem pressa e sem hipocrisia!

A realidade que esse povo mostra e oferece consta, certamente, das teses de doutorado e de alguns relatórios oficiais; mesmo assim, ainda irá surpreender com alguma novidade. E melhorar o compromisso público, a ideologia e a alma de quem a visitar..

(*) Elson Martins é jornalista acreano. O grupo da expedição I contou com Arquilau de Castro Melo (desembargador), Alceu Ranzi (paleontólogo), Guilherme Andrade (engenheiro florestal), Julio Eduardo (médico), Edson Caetano (fotógrafo), Maria Maia (escritora e jornalista), Marqueson Pereira da Silva (especialista em marcheteria) e Elson Martins (jornalista). Na expedição II houve desfalque e troca de nomes: Maria Maia, Edson Caetano, Guilherme e dr. Julinho não puderam ir. As ausências foram preenchidas pelo biólogo Tiago Juruá, filho de Alceu; pelo procurador do Estado e documentarista, Rodrigo Neves; e pelo cinegrafista Neovan Negreiros.

ADEUS, CHICO POP

Escrevi muitos poemas. Toquei fogo em todos. Mas um, em homenagem ao Chico Pop (à direita, na foto, com Toinho Alves), sobrevive na minha memória há mais de 20 anos:


"Enquanto a cidade se diverte, Chico Pop chora".

Trecho da crônica do Toinho Alves no blog O Espírito da Coisa:

"Francisco Ventura era tropicalista, underground, contracultural, qualquer coisa. No final dos 60 editou o jornal O Pop e mudou de nome: Chico Pop ficou sendo. Outro da escolinha do Zé Leite, sua coluna “A Cidade se Diverte” era muito mais que uma agenda cultural, uma espécie de ponto de encontro (na verdade, os cronistas acreanos já fazemos blog há muito tempo). Chico Pop entronizou seus ícones preferidos na urbanidade acreana: Chaplin, Janis Joplin, Hendrix e Torquato Neto tornaram-se personagens da província, farreavam conosco em nossa juventude. Ó Deus, estamos perdendo a juventude?"

O FAMP VIROU PURPURINA

Por Diogo Soares (*)

São dez e cinquenta e sete da manhã. Estou no trabalho esperando uma reunião. Estou triste. Acabo de ligar para Karla Martins para convidá-la a fazer uma apresentação na Justiça Federal. Um convite pela arte, aceito. Ótimo para a Justiça, que vai contar com o brilho dessa grande atriz. Mas estou triste. Junto ao aceite Karla me deu notícia. Notícia triste. Morri um pouco também. Quem havia partido, atravessado, se desligado deste plano? Busquei todas as metáforas para digerir a morte de Chico Pop.

Me aliviou o peito quando lembrei de uma que ouvi de sua própria boca, na época do FAMP 2003, quando disse que nunca morreria, mas que se transformaria em purpurina. Pensei no Chico dançando à musica do Acre um balé de nuvens e brilho, arribando.

Quem foi esse Chico? Mais um nesse mundo de chicos anônimos, mas esse era desses chicos que todo mundo conhece e abraça e conversa. Não é a toa que esse Chico carregava a identidade num sobrenome adjetivo, o Chico era Pop. Alías, era não, o Chico é Pop, até porque o pop imortaliza as pessoas e isso Andy Warhol conseguiu provar durante a década de 60.

Falando em Andy, a gente percebe que cada lugar tem seus homens à frente do tempo e, que talvez por estarem à frente tenhamos a impressão de que quando se vão queriam mesmo encontrar outros lugares porque já haviam vivido tudo antecipadamente.

Chico Pop. Jornalista. Apaixonado pela nossa música. Fampista. Não fosse por ele o maior festival de música acreana não teria se perpetuado em espírito. O Chico era um pedaço da alma do Famp. Em 2003 fui à sua casa, conheci seus pais e além deles, sua maior relíquia não humana, ali, sobre uma prateleira qualquer, guardada honrosamente dentro de uma pequena caixa, quase toda a história da música popular acreana.

Chico conhecia todos os personagens, conviveu com eles e ajudou a inventá-los também. Tião Natureza, Silvio Margarido, Heloy, Felipe Jardim, Pia Vila, Capú, Leila Hoffman, Roney do Mapinguari em uma das primeiras aparições públicas... até o Binho dando uma de percussionista. O Famp era a vida dele e mais, era a melhor metáfora da felicidade que o velho Chico conhecera.

Hoje a música acreana atravessa fronteiras... geográficas, mercadológicas, de preconceito e vai longe se mostrando tão boa quanto o velho Pop acreditava que fosse. Um sonho antigo desse jornalista querido que foi bem ali, e que nós, músicos, compositores, poetas levaremos a cabo, até porque os sonhos, os sonhos mais bonitos sempre têm purpurina. Ao Chico, todas as preces numa canção de amor. Um dia a gente se vê, meu velho.

(*) Diogo Soares é compositor e vocalista da banda Los Porongas.

quarta-feira, 1 de março de 2006

HÉLIO MELO NA BIENAL

Já está em Rio Branco o produtor cultural Bartolomeo Gelpi (foto), da Fundação Bienal de São Paulo, a instituição que promove as Bienais Internacionais de Arte e de Arquitetura de São Paulo, além de representações brasileiras em Bienais de outros paises. O Acre será destaque na próxima edição da Bienal, de 7 de outubro a 17 de dezembro, cujo tema é "Como Viver Junto". A abordagem se dará através de uma exposição do pintor Hélio Melo e do trabalho de três artistas estrangeiros que passarão por um período de residência de um a três meses no Acre.

Os artistas desenvolverão trabalhos a ser expostos na Bienal, estabelecendo intercâmbio cultural com as instituições locais através de atividades (oficinas e palestras).

Pessoas e instituições podem oferecer apoio ao trabalho de Bertolomeo Gelpi. Ele veio ao Acre para catalogar obras do pintor acreano que poderão ser selecionadas para exposição na Bienal.

Ninguém retratou tão bem a paisagem acreana e o cotidiano do homem na floresta como Hélio Melo, que também era músico autodidata, compositor de choros, valsas e marchas.


Sua técnica consistia em usar nanquim e tintas naturais sobre papel cartão. A tinta era elaborada pelo próprio artista, mediante a extração de sumo de folhas vegetais.

É possível que as obras de Hélio Melo se tornem mais valorizadas no mercado de artes após exposição na Bienal. Quem possui obras dele pode telefonar ao produtor cultural, que está hospedado no Hotel Inácio. O fone é 3223-6397.

Assista (abaixo) a entrevista com Bartolomeo Gelpi.

BARTOLOMEO GELPI

SEMPRE SERVE

Boa tarde Altino,

Encontrei seu blog na Internet e gostaria de falar com você. Escrevo sobre economia/empresas no Brasil para o New York Times e estou planejando uma viagem para o Acre para fazer algumas matérias.

Tem algum telefone onde posso te ligar, por favor?

Meus dados estão sob esta mensagem.

Obrigado,

Paulo Prada
Rio de Janeiro

Nota: Caro Paulo Prada, será um prazer atendê-lo. Aguardo o telefonema e desde já bem-vindo ao Acre.


Altino,

Estou surpresa com o alcance do teu blog. Veja que isso não é coincidência, vc está muito bem localizado no Google ou em outros sites de busca. Mérito seu.

Um grande abraço da sua admiradora.

Ivone Belém
Jornalista
Rio de Janeiro

Nota:
Ivone, devo agradecê-la pelo incentivo que sempre encontrei em você. Estou sabendo que você até criou uma comunidade no Orkut para tratar dos temas deste modesto blog. Danadinha. Um abraço apertado em você e no João Donato.