
Por Elson Martins (*)
É a segunda cidade do alto Juruá, localizada na margem esquerda do rio a 15 horas de barco de Cruzeiro do Sul. Sua imponência está no conjunto construído pelos religiosos alemães da ordem do Divino Espírito Santo: igreja, colégio e pensionato. De longe a gente se impressiona com a arquitetura inimaginável no barranco por onde se estende a pequena cidade cravada na floresta.
Visto de perto, o conjunto dá sinais de decadência, o que se explica pela troca dos padres e irmãs endinheirados por outros, nem tanto, da ordem dos maristas. O famoso pensionato que em décadas passadas internava filhas de seringueiros que se tornariam freiras funciona agora como uma pensão ou hotel com diária de 10 reais.
A rua de frente para o rio conta com uma pracinha atraente onde se reúnem grupos de adolescentes e uma criançada alegre e faceira. É o “point”, o palco para shows., exibição de vídeos, pregação religiosa e boa conversa.
Nossa expedição armou o barraco lá para exibir dois filmes: “Auto da Compadecida”, versão cinematográfica da peça do pernambucano Ariano Suassuna; e um outro sobre a saga dos Soldados da Borracha. Agradaram a gregos e troianos.
A cidade chamou atenção da expedição pela simpatia e liberdade das crianças que enchiam a praça numa segunda-feira. Elas corriam, se juntavam em cantigas de roda e abordavam, curiosas, os visitantes: todas soltas, sem as mães vigiando de perto. Aparentemente, são rebentos de uma pequena sociedade segura e tranqüila.
A televisão com as novelas se impõem, claro, como principal atração nas primeiras horas da noite; e influem nos moldes da roupa dos adolescentes; mas não apagam (tivemos essa impressão) as histórias, os mitos, as tradições culturais da vida na floresta.
Ou seja: esse município de 6 mil habitantes (menos de 2 mil na cidade) que faz limites com o Peru, Cruzeiro do Sul, Tarauacá e Marechal Thaumaturgo, com área de 6.136 quilômetros quadrados, tem chance de se tornar sustentável.

Na parte da tarde, sob um calor intenso, mantive uma prolongada conversa com alguns pioneiros do município, entre eles o seu Euclides Correa de Paiva, 62, dono de uma mercearia na pracinha Vicente Lopes. Ele falou de economia, administração, comportamento dos jovens, política, e com a ajuda de outros entrou na história do Mapinguari.
Euclides disse que sua cidade está melhorando. Reconhece avanços na educação e aponta precariedade no atendimento da saúde . A borracha acabou, diz, mas a agricultura cresce, principalmente com a produção de farinha que é comercializada em Cruzeiro do Sul.
Os antigos seringueiros estão abandonando as colocações no centro e se assentando nas redondezas da cidade. Aí abrem roçados de mandioca, milho, feijão e arroz. Alguns médios fazendeiros da região matam de 4 a 5 bois por dia, o que atende com sobra a população. Uma parte desta, porém, prefere se alimentar de peixe e carne de caça. A caça seria de subsistência, dentro da lei.
Um senhor que acompanhava a conversa fazia algum tempo, decidiu falar também. Chama-se Laire Brandão da Silva e já foi seringueiro. Demonstrou apreço pela atividade e não se fez de rogado para explicar porque a borracha não vinga mais:
- Primeiro, porque não tem preço. Segundo, porque os antigos seringueiros estão velhos e a moçada de hoje não tem coragem de cortar seringa no meio do mato, enfrentando onça e outros bichos.
Seu Laire mostrou-se intolerante com a situação que descreveu, chegando a declarar que boa parte dos jovens “não faz nada”. Foi além disso: usou de ironia afirmando que “se a gente mostrar um terçado a um deles, vai pensar que é uma cobra”.
Alguns minutos depois, ponderado, falou que os jovens da floresta não são irritados, gostam da cidade e não querem sair para outro canto.
Um terceiro personagem, Francisco Antônio Rodrigues de Moura (foto), mostrou-se corajoso ao tratar do tema que beira a pilhéria: o Mapinguari. Contou que conhece alguém que matou um filhote do bicho. Ele mesmo, enquanto caçava numa região remota na companhia de outro seringueiro, Wilson Batista, teria chegado muito próximo do animal. O bicho vinha gritando e fedendo muito.
Francisco viu os cipós retorcidos, bacabeiras grossas que o bicho dobrava com uma força descomunal, como se quisesse comer o palmito do olho da palmeira. Ele viu também o rastro redondo e medonho, indicando patas viradas para trás. Sobre o filhote abatido, acrescentou que alguns americanos que se encontravam na região foram lá ver e levaram cabelos para estudo.
A história do Mapinguari foi confirmada em outras comunidades durante a expedição e será tema de um dos textos desta série. Trata-se, no mínimo, de uma lenda amazônica inquietante.
(*) Elson Martins é jornalista acreano.
Um comentário:
Acessei seu blog por acaso,tendo em vista minha pesquisa de doutorado estava a procura dos vestígios do convento e não encontrei nenhum rastro. Sei que ele existiu, estudei nele nos anos 68-69. Tenho lembranças do Seminário dos homens e o convento das meninas. Do poço muito fundo em que retirávamos água cristalina, das matas verdes em torno do convento, o pomar que cercava todo espaço da igreja e do convento.
Meu interesse era saber o nome do convento e do seminário, mas nada encontrei.
Seria interessante resgatar esta parte histórica com fotos no seu blog.
Ainda assim suas informações foram importantes. Abraços
Clelia Costa
Postar um comentário