sábado, 27 de maio de 2006

O DIA DA RECORDAÇÃO



Claiton Pena

Ou hoje, ou amanhã, não me recordo bem, é comemorado o dia da recordação.

Um dia para homenagear as recordações. Já imagino o que você pode estar pensando: era só o que faltava, tem dia para tudo? Tem sim. Eu não vejo utilidade para tantas datas. Mas quer saber de uma coisa? Não me atrapalham. É até bom para quebrar a rotina.

Uma das recordações para comemorar é minha chegada a Rondônia, em agosto de 1980. Como bem lembrou o jornalista Montezuma Cruz ao jornalista Altino Machado, naquele dia passei fome por falta de dinheiro. Montezuma e eu vendíamos exemplares do jornal alternativo Barranco para pagar o hotel, em Vilhena. Ganhamos a passagem de ônibus até Ji-Paraná, e dali, Airton Gurgacz nos despachou para Porto Velho, também de graça. Ele deve ter tido pena da gente.

Data boa para recordar, não porque gosto de sofrer. Aqueles foram dias muito difíceis. Lembrei ao Altino que não devemos nos esquecer de nossas origens. Em 94 fiz um rápido pronunciamento na OAB/RO e lembrei Graciliano Ramos, para quem a dureza da vida precisa ser encarada como tal, nua e crua – ditas por ele em outras palavras, muito tocantes, porque Graciliano é assim.

Lembrar minhas origens transcende ao simples recordar. Força-me a ser solidário, para seguir o exemplo daqueles que me acolheram. Prende-me ao chão, a boa terra de Rondônia, para dar valor a tudo que temos aqui, especialmente, às milhares de pessoas de coração imenso. Parece uma grande corrente, do primeiro que acolheu o segundo, que acolheu o terceiro, que protegeu o quarto, que... enfim... acolheu o milionésimo, e assim, infinitamente.

Sempre escrevo sobre a gratidão, uma virtude maravilhosa. E, ser grato, significa manter na mente as recordações das pessoas que te ajudaram. Muitas me ampararam, e eu repeti o gesto, sem olhar a quem, sem contar quantos. Apenas copiei uma atitude que reputo das mais dignas. A melhor maneira de ser grato não é devolver o favor, e sim, reproduzi-lo em escalas eternas, a quem possamos ajudar.

No dia da recordação, a maior e mais forte recordação que tenho, e que carrego sempre comigo, é a de imenso carinho e amor daqueles que sempre me protegeram, e me deram a oportunidade de viver e ser feliz em solo rondoniense. Não tenho o título, mas meus dois filhos são cidadãos de Rondônia, o que me projeta ainda mais às raízes desta terra, porque minha família é meu grande tesouro. E peço a Deus, todos os dias, para sermos um grande Estado. Temos território e temos um povo batalhador. Falta só um detalhe. Você concorda?

Claiton Pena é advogado, jornalista e publicitário em Porto Velho (RO). Escreve crônicas três vezes por semana no jornal Estadão do Norte. A imagem acima é da uma lamparina que comprei casualmente ontem, no Bazar do Chefe. Ela me faz recordar um Acre não tão antigo, quando a gente passava a noite em volta da lamparina a brincar ou a contar e ouvir histórias. Quando amanhecia o dia, era necessário lavar bem as narinas recheadas da tisna ou fuligem da lamparina. Apesar do Luz para Todos, do Governo Federal, ainda é a lamparina quem mais ilumina as casas na floresta. Contemplando-a lembro dos versos de Brandão, quase bregas na voz de Raimundo Fagner: "Beleza só se tem quando se acende a lamparina/ Iluminando a alma se entende a própria sina". Segue outro recuerdo, de outra jornalista:


Ivone Belém


Ler o texto do Claiton e contemplar a foto do Altino levou minha memória para uma lembrança tão boa. Desembarquei em Brasília no dia 24 de fevereiro de 1991, formada em jornalismo, sob mandado de segurança, pela Universidade Federal de Pelotas (UCPel).

Recebi autorização judicial para a formatura às 18h do dia 30 de janeiro de 1991 e às 21h estava, em meio a mais de 30 colegas togados, recebendo meu certificado de conclusão de curso.

Horas em claro até o dia 22 de fevereiro, quando embarquei no ônibus da empresa Itapemirim, que me levaria de Pelotas a Porto Alegre para então seguir viagem de 36 horas para a capital do Brasil, o eldorado do jornalismo brasileiro.

Uma etapa definitiva de separação da minha família – pai mestre de obras, mãe operária da indústria de conservas alimentícias e muitos irmãos lutando naquele frio úmido de Pelotas.

Ao chegar em Brasília, caçula, eu era a primeira filha que tinha um diploma e – ironicamente – a primeira a deixar a sua terra. Com uma bolsa de viagem e meia dúzia de peças de roupas confeccionadas pela minha mãe, bati à porta de três coleguinhas que já não moravam mais nos endereços que eu tinha apontado.

Esqueci (não evitando o trocadilho) a máxima do jornalismo, a de checar a informação, num ato falho de quem não quer ter motivos para desistir de uma determinação.

O jornalista pelotense Gilnei Lima, morto há alguns anos em acidente de automóvel, me levou à casa de um casal de jornalistas Mônica Izaguirre (hoje repórter especial de economia do Valor Econômico) e Vinícius Dória (hoje âncora de programa nacional da Rede 21). Os dois cederam o quarto do bebê que chegaria em dez dias, o Guilherme.

Dali, fui morar na casa do estudante da UnB e, depois, aluguei quarto na casa de uma senhora evangélica, dona Maria Helena, que não tinha como pagar as prestações do recém comprado apartamento funcional da 104 Norte.

Nesta época, quarenta dias depois do meu desembarque em Brasília, eu já tinha trabalhado no jornal Bsb Brasília e já ocupava a vaga de repórter especial da RBS (Zero Hora e Diário Catarinense), com um salário suficiente para mandar uma ajuda para minha mãe em Pelotas.

Desde então, são incontáveis as pessoas que colocaram um tijolinho na minha história. Esse papo vai longe e eu vou parando para agradecer ao Claiton por ter ativado a chama da minha memória e ao Altino por estar sendo – desde que o conheci – um amigo que tem colocado diversos tijolos na edificação da minha vida e na do João Donato, meu marido.

Ivone é uma mulher admirável, uma amiga que a vida meu deu. Clique aqui para compartilhar de nossa emoção.

10 comentários:

Anônimo disse...

Ai, ai, Altino!
Esse blog está se tornando cada vez mais bonito!
E essas suas fotos! Nem sei, talvez você possa se dedicar à profissão de fotógrafo, se tiver tempo, hein?
O texto do Claiton é tão bonito e tocante! Fiquei emocionada e tão feliz. Adoro gente assim, com esse coração de criança, com essa alma amiga.
Isso me dá uma fé imensa nas pessoas, coisa que, nos dias atuais, anda tão difícil.
Parabéns (de novo!) a você e ao Claiton.

Beijos e um excelente final de semana pra você e sua família.

Anônimo disse...

Parabéns, Altino. Não fora a beleza da foto em si, o tema é marcado de simbolismo e significado social para o nosso Acre.

Anônimo disse...

Altino,

Ler o texto do Claiton e contemplar a foto do Altino levou minha memória para uma lembrança tão boa. Desembarquei em Brasília no dia 24 de fevereiro de 1991, formada em jornalismo, sob mandado de segurança, pela Universidade Federal de Pelotas (UCPel). Recebi autorização judicial para a formatura às 18h do dia 30 de janeiro de 1991 e às 21h estava, em meio a mais de 30 colegas togados, recebendo meu certificado de conclusão de curso. Horas em claro até o dia 22 de fevereiro, quando embarquei no ônibus da empresa Itapemirim, que me levaria de Pelotas a Porto Alegre para então seguir viagem de 36 horas para a capital do Brasil, o eldorado do jornalismo brasileiro. Uma etapa definitiva de separação da minha família – pai mestre de obras, mãe operária da indústria de conservas alimentícias e muitos irmãos lutando naquele frio úmido de Pelotas.
Ao chegar em Brasília, caçula, eu era a primeira filha que tinha um diploma e – ironicamente – a primeira a deixar a sua terra. Com uma bolsa de viagem e meia dúzia de peças de roupas confeccionadas pela minha mãe, bati à porta de três coleguinhas que já não moravam mais nos endereços que eu tinha apontado. Esqueci (não evitando o trocadilho) a máxima do jornalismo, a de checar a informação, num ato falho de quem não quer ter motivos para desistir de uma determinação.
O jornalista pelotense Gilnei Lima, morto há alguns anos em acidente de automóvel, me levou à casa de um casal de jornalistas Mônica Izaguirre (hoje repórter especial de economia do Valor Econômico) e Vinícius Dória (hoje âncora de programa nacional da Rede 21). Os dois cederam o quarto do bebê que chegaria em dez dias, o Guilherme.
Dali, fui morar na casa do estudante da UnB e, depois, aluguei quarto na casa de uma senhora evangélica, dona Maria Helena, que não tinha como pagar as prestações do recém comprado apartamento funcional da 104 Norte.
Nesta época, quarenta dias depois do meu desembarque em Brasília, eu já tinha trabalhado no jornal Bsb Brasília e já ocupava a vaga de repórter especial da RBS (Zero Hora e Diário Catarinense), com um salário suficiente para mandar uma ajuda para minha mãe em Pelotas.
Desde então, são incontáveis as pessoas que colocaram um tijolinho na minha história. Esse papo vai longe e eu vou parando para agradecer ao Claiton por ter ativado a chama da minha memória e ao Altino por estar sendo – desde que o conheci – um amigo que tem colocado diversos tijolos na edificação da minha vida e na do João Donato, meu marido.

Anônimo disse...

Saramar:

Queria ser o que você sente que sou.
Mas, pensando bem, eu poderia ser
a loucura, em pessoa, para atiçar seu viver.

Queria poder agradecer por crer naquilo
que eu gostaria de ser. E que se sou, ou
se não, depende das lentes que me
vêem.

Ao Altino que nos uniu, desejo a força da luz que ilumina, mesmo lamparina, as nossas noites inermináveis.

Paz.
Pena.

Anônimo disse...

Ivone Belem:

Confessei, agora, ao Altino, que não esperava me emocionar hoje. E, o que você relata arrancou os sentimentos mais escondidos, dos dias mais solitários e desesperados de um retirante, não vindo do Rio Grande, e sim das terras de tropeiros, Sorocaba, onde nasci, também filho de pessoas sem grana, mas pessoas que me ensinaram a amar.

Quero que nossas recordações, nossa coragem, nosso espírito desprendido, representem uma fonte de energia para os que nos acompanham, e possam, a qualquer momento, se inspirar nela. Porque eu não acredito que tudo o que vivemos seja apenas passado, perdido, sem repercussão.

Lendo-a, e relendo-a agora, percebo que o que era ainda permanece em você. Assim me sinto. A fome, as noites dormidas nos bancos da praça, a solidão, nada disso é algo triste que me aborrece, e sim, momentos que me fortalecem, como se estivesse meditando no deserto, redimindo minhas culpas, e me preparando para hoje. E hoje, aqui, sou a soma daqueles dias, sofridos, e deste momento, em que acabo de conhecer suas palavras. Letras que me emocionam e me fazem melhor.

Acredite: sou grato.

Pena.

Anônimo disse...

Altino, ficar aqui no blog, lendo e relendo poderia ser um hábito, não fora o tempo, esse tirano. Ainda bem que ganhei um "tempo", vá ver lá no bloguinho.
Parece que você e Claiton desataram um nó e os fios se abrem, tão emocionantes.

" num ato falho de quem não quer ter motivos para desistir de uma determinação."

Viu que coisa bonita e forte?
Eu que morei 30 anos no mesmo bairro em que nasci, que nunca sai do ninho de verdade e sou protegida de todos os lados, leio esse homem e essa mulher e sinto que foram para fora de si e dos seus e creio que, provavelmente, são mais inteiros, são mais humanos. São mais amantes das pessoas do mundo porque verdadeiramente as conheceram pelas lágrimas, pelo sangue, pela fome de ser e saber e a fome mesma e também pelo amor.
Invejo, de inveja boa, até suas dores.

Beijo

Anônimo disse...

Ô altino !
Os versos do grande brandão não são nada bregas. Acho-os até muito belos.
olha o preconceito...

Anônimo disse...

Altino, na luz lembrada da recordação, vai aí um verso da minha conterrânea poeta, Adélia Prado: "O que a memória ama fica eterno."

Anônimo disse...

Na expectativa de um dia me encontrar com vocês, também lhes digo que esses encontros promovidos pelo Altino Machado trazem a inspiração para o momento e o futuro que se misturam. A lamparina que o Altino (que linda recordação, amigo!) comprou no comércio de Rio Branco e ilustrou o texto de reminiscências do Pena também fez parte da minha infância.
Naquela época, sem energia elétrica na cidadezinha em que fui criado, a lamparina e o lampião a gás decoravam as paredes de madeira da maioria das casas simples de Teodoro Sampaio (SP). Haja fuligem, haja querosene Jacaré!...
Cidade pobre, formada por nordestinos solidários, cresceu desse jeito, à luz de velas, lamparina e lampião. Tem uma das melhores águas potáveis do País. Meninos, abastecíamos a casa com latas de 20 litros, na única caixa-d'água local. Só mais tarde a situação melhorou.

Graciliano Ramos e dureza da vida, tema que o Pena expôs na palestra aos advogados; as dificuldades de acomodação de Ivone Belém ao chegar em Brasília; a arte do encontro patrocinada pelo Altino neste rico espaço de renome nacional e internacional, tão útil e imprescindível para acreanos, amazônicos e brasileiros. Realmente, isso emociona a gente. Seres humanos frágeis e imperfeitos que somos, quando deparamos com textos que nos remetem a um pedaço do passado, conseguimos enxergar a longa estrada da vida (do jeito que Milionário e José Rico cantaram e cantam no rádio), e vemos o quanto caminhamos e ainda iremos caminhar.
Fico feliz ao sentir que Altino, Ivone, Pena, Saramar, Juarez Nogueira, e outros que entram nessa conversa têm objetivos comuns, entre os quais, o reconhecimento e a gratidão. Eu digo que também sou imensamente grato às pessoas que me proporcionaram ensino, alegria e souberam me advertir e aconselhar. Creio que devemos nos firmar em atitudes construtivas e ao mesmo tempo enérgicas e perseverantes. Assim, na condição de magro repórter que circulou por um pedaço desse Brasil do Norte e ganhou tantos presentes, espero continuar merecendo novos presentes. Vocês, por exemplo, estão entre as pérolas que pretendo colocar sobre a cômoda do quarto e na estante da biblioteca — espaços valorosos num lar.
Antes de conhecer o Blog do Altino, eu já o imaginava capaz de promover o encontro (e reencontro) de pessoas com histórias tão bonitas. Quando leio, agora, o que vocês escrevem, consigo ver um pouco do coração e da mente de cada um.

Anônimo disse...

Na expectativa de um dia me encontrar com vocês, também lhes digo que esses encontros promovidos pelo Altino Machado trazem a inspiração para o momento e o futuro que se misturam. A lamparina que o Altino (que linda recordação, amigo!) comprou no comércio de Rio Branco e ilustrou o texto de reminiscências do Pena também fez parte da minha infância.
Naquela época, sem energia elétrica na cidadezinha em que fui criado, a lamparina e o lampião a gás decoravam as paredes de madeira da maioria das casas simples de Teodoro Sampaio (SP). Haja fuligem, haja querosene Jacaré!...
Cidade pobre, formada por nordestinos solidários, cresceu desse jeito, à luz de velas, lamparina e lampião. Tem uma das melhores águas potáveis do País. Meninos, abastecíamos a casa com latas de 20 litros, na única caixa-d'água local. Só mais tarde a situação melhorou.

Graciliano Ramos e dureza da vida, tema que o Pena expôs na palestra aos advogados; as dificuldades de acomodação de Ivone Belém ao chegar em Brasília; a arte do encontro patrocinada pelo Altino neste rico espaço de renome nacional e internacional, tão útil e imprescindível para acreanos, amazônicos e brasileiros. Realmente, isso emociona a gente. Seres humanos frágeis e imperfeitos que somos, quando deparamos com textos que nos remetem a um pedaço do passado, conseguimos enxergar a longa estrada da vida (do jeito que Milionário e José Rico cantaram e cantam no rádio), e vemos o quanto caminhamos e ainda iremos caminhar.
Fico feliz ao sentir que Altino, Ivone, Pena, Saramar, Juarez Nogueira, e outros que entram nessa conversa têm objetivos comuns, entre os quais, o reconhecimento e a gratidão. Eu digo que também sou imensamente grato às pessoas que me proporcionaram ensino, alegria e souberam me advertir e aconselhar. Creio que devemos nos firmar em atitudes construtivas e ao mesmo tempo enérgicas e perseverantes. Assim, na condição de magro repórter que circulou por um pedaço desse Brasil do Norte e ganhou tantos presentes, espero continuar merecendo novos presentes. Vocês, por exemplo, estão entre as pérolas que pretendo colocar sobre a cômoda do quarto e na estante da biblioteca — espaços valorosos num lar.
Antes de conhecer o Blog do Altino, eu já o imaginava capaz de promover o encontro (e reencontro) de pessoas com histórias tão bonitas. Quando leio, agora, o que vocês escrevem, consigo ver um pouco do coração e da mente de cada um.