
Aparentemente, tudo muito organizado. Pelo menos diante dos olhos dos americanos, que estavam nos fornecendo centenas de embarcações e caminhões, toneladas de suprimentos e muito, muito dinheiro. Tanto dinheiro que sobrava para desperdiçar ainda em mais propaganda. E esbanjar em erros administrativos que faziam, por exemplo, uma pequena cidade do sertão nordestino ser inundada por um enorme carregamento de café solicitado não se sabe por quem. Ou possibilitar o sumiço de mais de 1.500 mulas entre São Paulo e o Acre.
Na verdade, o caminho até o eldorado amazônico era muito mais longo e difícil do que poderiam imaginar tanto os americanos quanto os soldados da borracha. A começar pelo medo do ataque de submarinos alemães que se espalhava entre as famílias amontoadas a bordo dos navios do Loyd, sempre comboiados por caça-minas e aviões de guerra. A memória de quem viveu aquela experiência ficou marcada por aqueles momentos em que era proibido até acender fósforos ou mesmo falar. Tempos de medo que estavam só começando.
A partir do Maranhão, não havia um fluxo organizado de encaminhamento de trabalhadores para os seringais. Freqüentemente era preciso esperar muito, antes que as turmas tivessem oportunidade de seguir viagem. A maioria dos alojamentos que recebiam os imigrantes em trânsito eram verdadeiros campos de concentração, em que as péssimas condições de alimentação e higiene destruíam a saúde dos trabalhadores, antes mesmo que tentassem o primeiro corte nas seringueiras.
Não que faltasse alimento. Havia comida, e muita. Mas era intragável, tão ruim e mal preparada que era comum ver as lixeiras dos alojamentos cheias enquanto as pessoas adoeciam de fome. Muitos alojamentos foram construídos em lugares infestados pela malária, febre amarela e icterícia. Surtos epidêmicos matavam dezenas de soldados da borracha e seus familiares nos pousos de Belém, Manaus e outros portos amazônicos. Ao contrário do que afirmava a propaganda oficial, o atendimento médico inexistia, e conflitos e toda sorte se espalhavam entre os soldados já quase derrotados.
A desordem era tanta que muitos abandonaram os alojamentos e passaram a perambular pelas ruas de Manaus e outras cidades, buscando um modo de retornar a sua terra de origem ou de pelo menos sobreviver. Outras tantas revoltas paralisaram alguns "gaiolas" (navios fluviais) em plena viagem, diante das notícias alarmantes sobre a insuportável vida nos seringais. Eram pequenos motins rapidamente abafados pelos funcionários da Snapp ou da Sava. As viagens apareciam, então, como caminhos sem volta. (M.V.N)
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